
O futuro da investigação em Matemática na visão do CMUP
No Centro de Matemática da Universidade do Porto (CMUP), a Matemática traça os caminhos do futuro. Nesta entrevista, Helena Reis, Diretora do CMUP, e André Oliveira, Vice-Diretor, partilham a visão de um Centro que “é há muito uma referência nacional e internacional, mas que pretende reforçar a formação avançada, expandindo-se para outras áreas emergentes, reforçando parcerias e continuando a desenvolver investigação de excelência”. Com mais de 60 investigadores, o CMUP desenvolve atualmente projetos, por exemplo, em sistemas dinâmicos, modelação em ciências da saúde, equações diferenciais complexas e algoritmos em inteligência artificial, que “darão origem a resultados de ponta”.
Perspetiva Atual: Reconhecido pela excelência em investigação, o CMUP ocupa um lugar de destaque em Portugal e já reúne mais de meia centena de investigadores. Qual é a contribuição que o CMUP pretende oferecer à sociedade?
Helena Reis e André Oliveira: O Centro de Matemática da Universidade do Porto (CMUP) pretende consolidar-se como uma referência científica nacional e internacional, promovendo investigação de excelência e criando conhecimento fundamental em Matemática, mas também desenvolvendo aplicações em áreas estratégicas como saúde, ciência dos dados, inteligência artificial, economia ou engenharia. Paralelamente, assume a missão de formar jovens investigadores, apoiar o ensino avançado e fomentar a literacia matemática da sociedade. O CMUP entende a Matemática como disciplina fundamental para o progresso científico e tecnológico: ao mesmo tempo que contribui para os avanços de ponta da ciência fundamental, fornece instrumentos decisivos para setores tão distintos como a medicina, a economia ou a engenharia, que dependem de métodos quantitativos rigorosos para inovar e crescer.


PA: O CMUP organiza-se em quatro grupos de pesquisa: Álgebra, Análise, Geometria, e Probabilidade e Estatística. Quais são as suas linhas estratégicas de enfoque?
HR e AO: O CMUP organiza-se segundo uma tabela 4×4: os quatro grupos clássicos de Álgebra, Análise, Geometria e Probabilidade & Estatística articulam-se com quatro linhas estratégicas: Matemática Computacional, Sistemas Dinâmicos, Modelação Matemática e Aplicações e ainda Semigrupos, Autómatos e Linguagens. Estas áreas cruzam-se nas linhas estratégicas, reforçando a interdisciplinaridade e afirmando a identidade própria do Centro.
No grupo de Álgebra, destacam-se as investigações em teoria dos semigrupos, autómatos e linguagens, fundamentais para compreender problemas de complexidade computacional, bem como os estudos em anéis não-comutativos, álgebras não-associativas e na aritmética dos quaterniões. Em Análise, há contributos de referência em sistemas dinâmicos, tanto teóricos como aplicados a fenómenos naturais e à climatologia. A teoria de sistema dinâmicos também está bem representado no grupo de Probabilidade e Estatística, através das suas conexões com a teoria ergódica. Nesse grupo ainda sobressaem investigações sobre fenómenos extremos e risco, bem como colaborações interdisciplinares em medicina, biologia, ambiente e economia, áreas onde os métodos estatísticos são essenciais para compreender dados complexos e apoiar decisões. Finalmente, o grupo de Geometria é fortemente reconhecido pelos seus trabalhos em geometria algébrica e diferencial, incluindo certos espaços geométricos com ligações ao programa de Langlands e à simetria espelho da Física. Nesse grupo podemos destacar ainda o estudo de equações diferenciais e folheações complexas que também possuem interseções com análise, sistemas dinâmicos e representação de grupos.
PA: Divulgar a matemática e a ciência é certamente um desafio contínuo. Quais são as dificuldades que este Centro enfrenta para tornar a matemática acessível e disponível para todos?
HR e AO: A Matemática, apesar de estar presente em praticamente todas as dimensões da vida moderna – dos algoritmos que estruturam motores de busca e redes sociais até à modelação de riscos financeiros ou ao GPS dos nossos telemóveis – enfrenta barreiras de comunicação: a sua abstração pode afastar o público não especializado e a perceção social tende a vê-la como inacessível. O CMUP procura superar estas dificuldades através de palestras em escolas, colaborações com associações como a Atractor, escolas de verão para jovens talentos e atividades abertas ao público em geral. O desafio da literacia matemática é contínuo e exige novas formas de atuação, especialmente num mundo cada vez mais dependente da ciência de dados e da inteligência artificial.
PA: O CMUP organiza seminários, workshops internacionais e mantém parcerias com o Brasil, os Estados Unidos da América, o Canadá, o Reino Unido, a França, a Espanha, a Itália e a Alemanha. De que forma estas colaborações internacionais contribuem para o avanço da pesquisa científica e para a criação de um ambiente académico mais envolvente?
HR e AO: As colaborações internacionais do CMUP são verdadeiramente globais, com ligações estabelecidas nos cinco continentes. Estas redes permitem consolidar parcerias de excelência, partilhar metodologias inovadoras, atrair talento estrangeiro e criar oportunidades de mobilidade para estudantes e investigadores em todas as fases da carreira. Traduzem-se em projetos conjuntos altamente competitivos, coorientações de doutoramentos e organização de conferências e workshops em instituições de referência. Esta dinâmica internacional reforça a qualidade da investigação, eleva a visibilidade do CMUP no panorama mundial e contribui para criar um ambiente académico e científico altamente estimulante e envolvente.
PA: O CMUP integrou, recentemente, o Laboratório Associado de Sistemas Inteligentes (LASI), um consórcio de unidades de pesquisa com expertise em Inteligência Artificial e Ciência de Dados. Considerando a era tecnológica em que vivemos, qual é a importância desta união para a área da Matemática e para a sua inovação?
HR e AO: A participação no Laboratório Associado de Sistemas Inteligentes (LASI) posiciona o CMUP na fronteira entre Matemática e tecnologias emergentes. Por um lado, investigadores em inteligência artificial e áreas afins passam a ter contacto direto com matemáticos capazes de fornecer o “know-how” necessário sobre ferramentas avançadas. Por outro, os desafios colocados pela Ciência dos Dados e pela Inteligência Artificial abrem novas questões teóricas que alimentam o próprio desenvolvimento da Matemática. Assim, há benefícios claros de ambos os lados: a tecnologia ganha rigor, métodos e novas ferramentas, e a Matemática ganha problemas originais que podem inspirar avanços de fundo. Trata-se de uma colaboração mutuamente benéfica, com impacto social e económico imediato, mas também com potencial para gerar descobertas matemáticas de longo alcance.
PA: Atualmente, o CMUP tem alguns projetos em curso. Poderia desvendar alguns desses projetos e que resultados se esperam a curto e longo prazo?
HR e AO: O CMUP acolhe projetos financiados por entidades nacionais (FCT, CCDRN) e internacionais tais como MSCA (EU), ANR e CNRS (França), FAPESP e CAPES (Brasil), em diversas áreas: teoria dos semigrupos e linguagens formais; sistemas dinâmicos com aplicações à climatologia e à teoria do caos; fibrados de Higgs em ligação ao programa de Langlands; estudo de equações diferenciais complexas que surgem em Física teórica e em problemas de indústrias de alta tecnologia; modelação matemática em ciências da saúde; e algoritmos de otimização com impacto na ciência de dados e machine learning. Estes projetos não só darão origem a resultados de ponta publicados em revistas internacionais de referência, como também contribuirão para a formação de novos investigadores altamente qualificados. A médio prazo, espera-se que alguns destes avanços se reflitam em aplicações concretas, por exemplo na previsão de fenómenos extremos, na segurança digital ou no apoio a decisões em economia.
PA: O CMUP apoia vários programas de doutoramentos. Este apoio estende-se também a estudantes de mestrado? Que oportunidades podem ser encontradas nesta unidade científica?
HR e AO: O CMUP apoia quatro programas doutorais em Matemática e áreas afins, mas também acolhe estudantes de mestrado. O apoio é feito através de bolsas de investigação, da integração em projetos científicos, organização de seminários e escolas de verão. Os estudantes beneficiam de contacto direto com investigação de excelência, acesso às melhores e mais atualizadas referências bibliográficas, inserção em redes internacionais e acesso a bolsas competitivas, frequentemente em colaboração com universidades estrangeiras. Estas oportunidades criam condições privilegiadas para o desenvolvimento académico e científico dos jovens talentos, assegurando que as novas gerações de matemáticos portugueses tenham uma formação sólida, internacionalizada e competitiva no mercado global.
PA: A matemática é a ciência que permite organizar informações, resolver problemas e tomar decisões de forma exata. Em quais domínios da vida, a matemática é um instrumento indispensável?
HR e AO: A Matemática é essencial em múltiplos domínios: nas tecnologias digitais e ciência dos dados, na modelação de fenómenos físicos e biológicos, na economia e finanças, na medicina e ciências da saúde, na engenharia e nos processos industriais. Sem ela não haveria algoritmos de criptografia que asseguram a segurança digital, modelos epidemiológicos que permitem controlar pandemias, nem ferramentas estatísticas para previsões climáticas. A Matemática está também na base da inteligência artificial, da análise de imagens médicas, do design de novos materiais e até da música digital. A sua transversalidade faz dela um instrumento insubstituível para a inovação e a tomada de decisões informadas. Sem investigação em matemática fundamental de alto nível, nenhuma das tecnologias amplamente incorporadas no quotidiano da sociedade moderna, tais como telemóveis, GPS, internet e seus vários usos poderiam existir, pelo que o nosso dia a dia seria bem diferente.
PA: Enquanto Diretora e Vice-Diretor e com os olhos postos no futuro, quais são as principais metas do CMUP para 2026? Que balanço se faz do ano transato até agora?
HR E AO: Para 2026, o CMUP pretende reforçar a sua posição como centro de referência em investigação matemática, expandir colaborações internacionais, consolidar a sua participação no LASI, aumentar a captação de financiamento competitivo e intensificar a formação avançada. Além do mais, pretendemos aprofundar a ligação à sociedade através de ações de divulgação e promoção. O CMUP obteve a pontuação máxima em todos os parâmetros de avaliação da mais recente avaliação por parte da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), obtendo assim a classificação de “Excelente” que tem mantido desde 2004. Essa classificação reforça a legitimidade das suas ambições e garante financiamento para novos projetos.
Além do mais, saíram recentemente os resultados provisórios do “Concurso de Estímulo ao Emprego Científico – Individual”, sendo que das 16 candidaturas vencedoras, 3 delas são para Investigadores que vêm desenvolver o seu trabalho no CMUP. O balanço dos últimos anos é positivo: o número de investigadores cresceu, novos projetos foram conquistados e atividades científicas presenciais foram retomadas com dinamismo após a pandemia. Porém, há desafios importantes no futuro próximo, como as reformas previstas de vários investigadores seniores; por isso, será crucial garantir a renovação da equipa através da contratação de novos investigadores, assegurando a continuidade da excelência e a capacidade de manter o CMUP na vanguarda científica.
André Oliveira e Helena Reis foram apoiados pelo CMUP, membro do LASI, que é financiado através de fundos nacionais pela FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., sob o projeto com referência UID/00144/2025.

