“A APRI existe para dar voz, estrutura e futuro à Radiologia de Intervenção em Portugal”

Em entrevista à Perspetiva Atual, a APRI apresenta a sua nova direção para o triénio 2025–2028, liderada por Pedro Marinho Lopes. A abrir um novo ciclo, pretende apostar na formação dos profissionais, promover investigação clínica e aproximar a Radiologia de Intervenção da comunidade, garantindo que “cada vez mais portugueses tenham acesso a cuidados modernos, seguros e eficazes”.

José Saraiva –  Vice-Presidente da APRI |  Manuela Certo – Tesoureira da APRI |  Inês Conde Vasco – Secretária-Geral da APRI |  Tiago Paulino – Secretário-Adjunto da APRI

Perspetiva Atual: Qual é o papel da APRI e que importância assume para o avanço da Radiologia de Intervenção em Portugal?

Pedro Marinho Lopes: A APRI existe para dar voz, estrutura e futuro à Radiologia de Intervenção (RI) em Portugal. A RI é uma subespecialidade médica que alia o diagnóstico por imagem ao tratamento minimamente invasivo, permitindo tratar muitas doenças sem cirurgia, com menos riscos, menos dor e recuperações mais rápidas. Enquanto associação científica, assumimos três grandes missões: formar profissionais, divulgar junto da sociedade o impacto destas técnicas e promover investigação e boas práticas clínicas. A APRI funciona também como plataforma de ligação entre hospitais, universidades, decisores e parceiros internacionais, contribuindo para que cada vez mais portugueses tenham acesso a cuidados modernos, seguros e eficazes.

PA: Quais são as prioridades e linhas estratégicas da nova direção (2025–2028)?

PML: O mandato anterior foi muito importante na afirmação da APRI no panorama nacional, com a criação de eventos científicos próprios e o reconhecimento oficial da subespecialidade. Para o novo triénio, assumimos um plano de continuidade com ambição, centrado na formação, na investigação, na comunicação e na proximidade com os doentes. Vamos reforçar a formação prática dos profissionais, incentivar a certificação europeia e promover programas de mentoria. Continuaremos também a investir fortemente na investigação clínica nacional e na colaboração entre os diferentes serviços hospitalares. Outro objetivo central é aproximar ainda mais a Radiologia de Intervenção da população, através de uma comunicação mais clara, de novos projetos digitais e de campanhas de literacia em saúde. Ao mesmo tempo, iremos aprofundar parcerias institucionais e científicas que permitam melhorar o acesso dos doentes a estas técnicas inovadoras. Este será, acima de tudo, um mandato de crescimento sustentado, proximidade e compromisso com os doentes.

MIOMAS UTERINOS

PA: A Radiologia de Intervenção (RI) tem desenvolvido, desde os anos 60, tratamentos cada vez menos invasivos, que respondem às necessidades dos doentes e oferecem eficácia comparável à cirurgia convencional, mas com maior segurança. Considera a embolização de miomas uterinos um bom exemplo deste papel da RI?

PML: Sem dúvida. A embolização dos miomas uterinos é um excelente exemplo do impacto da RI na medicina moderna. Os miomas uterinos são tumores benignos muito comuns. Quando aumentam de tamanho ou número, podem provocar dor e peso na região pélvica, além de menstruações intensas que podem evoluir para anemia. Para além das cirurgias tradicionais, como histerectomia ou miomectomia, existe a embolização das artérias uterinas. É uma técnica minimamente invasiva que consiste em reduzir o fluxo sanguíneo que nutre os miomas, levando à sua redução dimensional. O procedimento é feito através de uma pequena punção na virilha ou no punho, permitindo uma recuperação mais rápida e com menor desconforto. Pode ser realizado em ambulatório ou, quando necessário, com internamento, habitualmente de apenas 24 horas. Entre as principais vantagens estão a preservação do útero, ausência de cicatrizes, recuperação rápida e alívio eficaz dos sintomas. A escolha do tratamento mais adequado varia conforme o tipo de miomas, os sintomas, a qualidade de vida e o desejo de engravidar agora ou no futuro.

HIPERPLASIA BENIGNA DA PRÓSTATA

PA: Na saúde masculina podemos considerar semelhantes benefícios no tratamento endovascular da hiperplasia benigna da próstata tal como descreveu para o tratamento dos miomas nas mulheres? Em que consistem os princípios clínicos e técnicos que orientam a embolização da próstata e de que forma este procedimento contribui para melhorar os sintomas urinários e a qualidade de vida dos doentes?

PML: A embolização da próstata é hoje uma alternativa segura e eficaz para homens com sintomas urinários causados pela hiperplasia benigna da próstata (HBP), sobretudo quando a medicação já não é suficiente. A HBP refere-se a um aumento dimensional da glândula prostática, comum com o avançar da idade. Pode causar dificuldade em urinar, sensação de esvaziamento incompleto da bexiga e aumento da frequência urinária, sobretudo durante a noite. Além das opções de tratamento com medicação ou das cirurgias tradicionais, existe uma opção minimamente invasiva: a embolização das artérias prostáticas. O procedimento reduz o fluxo sanguíneo que alimenta a próstata, levando à diminuição do seu volume e ao alívio dos sintomas. A técnica é feita através de uma pequena punção na virilha ou no punho, com anestesia local. Entre as principais vantagens destacam-se a ausência de cicatrizes, o risco reduzido de disfunção sexual, uma recuperação mais rápida e o facto de, na maioria dos casos, o procedimento ser realizado em regime de ambulatório ou exigir apenas 24 horas de internamento. A escolha do tratamento ideal deve considerar a intensidade das queixas urinárias, o impacto na qualidade de vida e as preferências individuais.

VARICOCELO E SÍNDROME DE CONGESTÃO PÉLVICA

PA: As técnicas endovasculares têm assumido um papel crescente no tratamento de várias patologias através da embolização dos territórios arteriais que irrigam os órgãos respetivamente afetados pelas patologias em questão, no entanto, também existem patologias onde o tratamento é realizado no território venoso como por exemplo nas veias espermáticas dos homens e nas veias ováricas das mulheres, correto?

PML: A embolização venosa é uma técnica minimamente invasiva utilizada no tratamento do varicocelo nos homens e da síndrome de congestão pélvica nas mulheres. No varicocelo, esta técnica permite aliviar a dor e melhorar a fertilidade. Na congestão pélvica, trata uma causa muito comum de dor pélvica crónica nas mulheres, muitas vezes subdiagnosticada. Em ambos os casos, o tratamento é realizado através de um pequeno acesso venoso, sem incisões e com recuperação rápida.

DOR OSTEOARTICULAR

PA: A embolização musculoesquelética tem emergido nos últimos anos como uma opção minimamente invasiva para o tratamento da dor crónica associada a patologia em várias articulações e tendões. Que doentes podem beneficiar desta técnica e que resultados devem ser esperados?

PML: A embolização musculoesquelética é uma opção terapêutica inovadora e minimamente invasiva para doentes com dor crónica em articulações e tendões, como o joelho, anca, ombro, cotovelo ou tendão de Aquiles. Está indicada sobretudo para pessoas com dor persistente apesar da medicação, fisioterapia ou infiltrações, e para aquelas que não são boas candidatas a cirurgia ou que pretendem adiá-la. A técnica atua diretamente sobre a inflamação que está na origem da dor, através de um pequeno acesso arterial, guiado por imagem, sob anestesia local, com um procedimento rápido e recuperação igualmente célere. Em termos de resultados, a maioria dos doentes apresenta uma redução significativa da dor e melhoria da função nas primeiras semanas. É uma técnica segura, com baixo risco, que representa uma alternativa muito promissora para a melhoria da qualidade de vida na dor osteoarticular crónica.

NÓDULO DA TIRÓIDE

PA: Além dos vários tratamentos endovasculares oferecidos pela Radiologia de Intervenção, também disponibilizam tratamentos percutâneos que possibilitam o tratamento direto e preciso de tumores através da sua termoablação. Consegue dar um exemplo deste tipo de tratamentos para uma patologia com alta prevalência na população portuguesa?

PML: Para além das técnicas endovasculares, a Radiologia de Intervenção disponibiliza também tratamentos percutâneos altamente precisos para a destruição de tumores através da termoablação. Um dos exemplos mais relevantes, numa patologia com elevada prevalência em Portugal, é o tratamento dos nódulos da tiroide. A termoablação percutânea é um procedimento minimamente invasivo, realizado sob orientação por imagem (ecografia), que permite destruir o nódulo através da aplicação controlada de calor diretamente no seu interior, utilizando agulhas muito finas. Este tratamento é uma alternativa segura e eficaz à cirurgia nos nódulos da tiroide benignos e, em casos selecionados, também em alguns nódulos malignos.

Está indicado para nódulos sintomáticos, que causam desconforto, alterações estéticas ou que aumentam progressivamente de tamanho, bem como em certos nódulos funcionantes. O procedimento é feito com anestesia local, em regime ambulatório, sem cortes nem cicatrizes, com preservação da função da glândula. A redução do volume do nódulo é progressiva, sendo visível ao longo de semanas a meses, com excelente perfil de segurança.

OUTRAS ÁREAS DE ATUAÇÃO

PA: Para além destes procedimentos que temos vindo a abordar, que outros tratamentos minimamente invasivos disponibiliza atualmente a Radiologia de Intervenção e em que áreas clínicas antevê maior crescimento e impacto nos próximos anos?

PML: A Radiologia de Intervenção disponibiliza hoje um conjunto muito vasto de terapias minimamente invasivas, que continuam a transformar a prática clínica em múltiplas áreas. Para além dos procedimentos já mencionados, destacam-se vários procedimentos realizados em meio hospitalar como drenagens de abcessos em várias áreas anatómicas, embolizações arteriais para controlo de hemorragias em contexto urgente, tratamentos percutâneos oncológicos como o tratamento curativo não cirúrgico de tumores através da sua termoablação, assim como técnicas endovasculares de quimio- e radioembolização para o tratamento de tumores do fígado.

Destaco ainda que, para além dos procedimentos terapêuticos, grande parte da atividade clínica dos médicos subespecializados em RI é dedicada a procedimentos diagnósticos: biópsias guiadas por imagem em quase todos os órgãos do corpo (desde biópsias de cancro do pulmão guiadas por TAC até biópsias da próstata guiadas pela fusão de imagens entre ecografia e Ressonância Magnética), fundamentais para os tratamentos realizados por outras especialidades.

Nos próximos anos, prevê-se um crescimento significativo em três áreas centrais: a oncologia de intervenção, impulsionada por terapias cada vez mais personalizadas e direcionadas; o tratamento da dor e de patologias musculoesqueléticas, graças ao avanço das técnicas ablativas e embolizações especializadas; e a área vascular em geral, onde a inovação tecnológica continua a expandir as soluções endovasculares para patologias complexas. Esta evolução reforça o papel da Radiologia de Intervenção como um dos pilares da medicina moderna, oferecendo tratamentos eficazes, seguros e centrados no doente.

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