Desafios e Oportunidades na Medicina Vascular em Portugal 

O sistema de saúde em Portugal enfrenta turbulências, e os profissionais de Angiologia e Cirurgia Vascular não estão isentos dos desafios que afetam a classe médica. Nesta entrevista esclarecedora, os líderes da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular (SPACV) discutem as questões emergentes e as estratégias para melhorar o tratamento das doenças vasculares. 

Para começar, pode explicar quais são os principais objetivos da SPACV na promoção da saúde da população e no progresso do tratamento das doenças vasculares em Portugal?  

Prof. Doutor Rui Machado​, Presidente SPACV​ – CHU de Santo António, Porto

A Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular (SPACV) sendo a maior associação científica da área, tem como objetivo promover a prevenção, diagnóstico e tratamento da doença vascular periférica (arterial, venosa e linfática) segundo os melhores parâmetros científicos e éticos. Para atingir este objetivo, a SPACV promove apoio a uma boa formação dos médicos que ingressam no internato da especialidade, promove uma atualização dos seus especialistas através das suas múltiplas reuniões e congressos e promove a divulgação da experiência clínica dos seus associados nas suas reuniões e através da Revista Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular. 

Tem ainda como obrigação, relacionar-se com outras sociedades científicas, profissionais e entidades governamentais no sentido de promover um rápido acesso aos cuidados, manter uma equidade na disponibilidade dos recursos médicos e garantir a qualidade dos serviços prestados. 

Atualmente, quais são os maiores desafios que os profissionais de Angiologia e Cirurgia Vascular enfrentam no sistema de saúde em Portugal?   

Em face da turbulência que o sistema nacional de saúde vive, os desafios que a especialidade tem inserem-se nos desafios globais da classe médica e que são: estabelecer um projeto profissional atrativo para todos os médicos; respeitar a evolução e formação profissional; disponibilidade para aplicar as melhores tecnologias terapêuticas; um reembolso económico adequado à responsabilidade dos atos praticados e baseado num horário base de 35 ou 40h. 

Se conseguirmos responder adequadamente a estes problemas emergentes, poderemos recuperar os anos de atraso tecnológico em que caímos nos últimos 20 anos, e recuperar a motivação e sentido de pertença ao SNS de todos. 

Temos, contudo, de ter a noção que os cuidados no âmbito da angiologia e cirurgia vascular, apesar de todos os constrangimentos, têm melhorado significativamente, com um número crescente de cirurgiões vasculares e com uma disponibilidade para realizar tratamentos minimamente invasivos também crescente. A distribuição geográfica destes recursos é, contudo, deficiente e necessita de uma correção nos anos próximos. 

Para defender os interesses da comunidade que representa, a SPACV deve promover a comunicação e articulação de atividades com órgãos executivos ou instituições de gestão e promoção da saúde em Portugal, nomeadamente com o Ministério da Saúde. Como é que a SPACV consegue apresentar as suas necessidades a estes órgãos de poder?  

Como referido anteriormente, uma das missões da SPACV é colaborar com instituições governamentais para melhorar os cuidados médicos prestados. Contudo, esta colaboração tem sido muito limitada, porque não fomos contados para colaborar e existe um desconhecimento sobre as instituições que detêm poder executivo e queiram a nossa colaboração efetiva. 

O conhecimento da realidade assistencial em patologia vascular em Portugal é bem conhecido da SPACV, e esta tem disponibilidade e quer essa colaboração, esperando que melhores tempos cheguem. 


A telemedicina e a tecnologia têm impactado a saúde em todas as áreas. No campo da Angiologia e Cirurgia Vascular, de que forma é que os avanços tecnológicos se têm mostrado uma mais-valia em termos de diagnóstico e acompanhamento de pacientes? 

Dra. Maria Emília Ferreira​, Vice-Presidente SPACV​ – CH Lisboa Central, Hospital Santa Marta​

Os avanços tecnológicos têm permitido obter um diagnóstico com meios não invasivos em variadas áreas médicas. 

Na patologia vascular, com o desenvolvimento da ecografia associada ao efeito de Doppler, conseguem-se obter imagens que permitem a avaliação morfológica e das características do fluxo sanguíneo no vaso em estudo e em tempo real, com elevada sensibilidade e especificidade, baixo custo e totalmente portátil. É o exame que permite, não só a avaliação inicial, como a monitorização ao longo do tempo da evolução da doença de um modo simples e inócuo.  

Também o desenvolvimento de tomografia computorizada com injeção de contraste e a possibilidade de processamento de reconstrução multiplanares, permite a obtenção de imagens tridimensionais de uma estrutura vascular com uma elevada definição do lúmen, parede e estruturas vizinhas, fornecendo informações e esclarecimentos de dúvidas, para além de ser a base do planeamento de algumas intervenções cirúrgicas. 

A telemedicina tem como fundamento e princípio, uma prestação remota de assistência médica através da utilização de dispositivos digitais, permitindo na área vascular uma troca de informações e esclarecimento de dúvidas entre médicos e entre médico e doente, minimizando despesas de deslocação e facilitando o acesso de forma mais célere a utentes que geograficamente estão distantes.  

Já mesmo nos tratamentos e técnicas cirúrgicas, estes avanços tecnológicos também têm possibilitado o aparecimento de tratamentos menos invasivos, o que pode transmitir uma maior confiança aos pacientes. Acredita que o futuro da medicina estará mesmo voltado para a descoberta de procedimentos minimamente invasivos e com um processo de recuperação mais simples? 

Assistimos nos últimos 20 anos a um crescimento de técnicas cirúrgicas menos invasivas que permitiram, em algumas áreas, obter resultados idênticos à cirurgia convencional com menores riscos de complicações imediatos e com tempos de recuperação menores. Assistimos com o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos dispositivos e da captação de imagens ao tratamento de alguns doentes que, anteriormente, se consideravam de risco muito elevado e a quem, por vezes, não se oferecia tratamento cirúrgico. 

Por exemplo, na rotura de aneurisma da aorta, com a evolução tecnológica de dispositivos pouco invasivos, conseguiu-se obter uma redução significativa na mortalidade peri operatória. 

Também quando analisamos a patologia oclusiva arterial, a introdução da revascularização por métodos não invasivos, permitiu obter, em algumas situações, uma diminuição significativa de amputações major. 

Na patologia venosa, também os métodos minimamente invasivos endoluminais permitiram uma redução significativa do tempo de recuperação. 

Com o avanço tenológico, admitimos que se irão conseguir obter resultados semelhantes com menores riscos associados e diminuição de tempos de recuperação. 

Os maiores problemas destas novas tecnologias prendem-se com o custo elevado de alguns dispositivos e, por vezes, com as curvas de aprendizagem que, em algumas situações, poderão ser um pouco mais morosas, por exemplo, a robótica aplicada à cirurgia vascular ainda está pouco difundida, mas acreditamos que será uma área que num futuro próximo aumentará o armamentário terapêutico deste tipo de patologia. 

Pode explicar a importância do diagnóstico precoce e como a Angiologia desempenha um papel fundamental nesse processo? 

O diagnóstico precoce de patologia vascular permite promover uma verdadeira educação para a saúde. 

A progressão das patologias vasculares é extremamente influenciada pela presença de fatores de risco cardiovasculares.  

Se atuarmos desde cedo na alteração de comportamentos e de hábitos, conseguimos, na maioria dos doentes, controlar e travar a progressão rápida da doença. Por exemplo, fomentar a adoção de uma dieta equilibrada, controlo do peso corporal, diminuição de consumo de hidratos de carbono, dar preferência ao consumo de verduras, fibras e frutas, reduzir a ingestão de álcool, promover a cessação tabágica, promover a realização de exercício físico regular. 

A estas alterações de hábitos, poderá haver necessidade de se juntar tratamentos farmacológicos para controlo de patologias associadas.  

A observação regular e seguimento destes doentes, permite agir sempre que necessário e atempadamente perante alterações de algumas queixas que indiciem uma progressão da patologia.  


Um dos pilares fundamentais da SPACV é a educação e formação continuada. Pode compartilhar algumas informações sobre as atividades promovidas pela SPACV para os seus associados e outros profissionais de saúde? 

Dra. Clara Nogueira​, Secretária Geral SPACV​ – CH Vila Nova de Gaia/Espinho​

Cientes da abrangência de patologias que o especialista em Angiologia e Cirurgia Vascular trata, o que implica uma elevada diferenciação científica e técnica, a SPACV estruturou uma organização por Núcleos que pretendem abordar áreas específicas da especialidade. São eles os núcleos de Pé Diabético; Acessos Vasculares para Hemodiálise e Transplantação; Anomalias Vasculares Congénitas e Cirurgia Vascular Pediátrica; Biologia Vascular; Imagiologia Vascular; Translação Vascular; Internos; Gestão e Liderança e Ética Profissional. 

Em 2019, a SPACV impulsionou a criação da Sociedade Portuguesa de Flebologia, dada a crescente exigência técnica e de resultados associada à doença venosa, uma patologia tão frequente na nossa população. 

Toda esta subdivisão da SPACV tem atividade própria a cada biénio, através de ações de formação e atualização e workshops práticos, os quais procuram dar resposta às necessidades de enriquecimento do cirurgião vascular. As nossas atividades são abertas a médicos de outras especialidades, que frequentemente convidamos para integrar os programas científicos. Uma visão completa e multidisciplinar é fundamental na diferenciação. 

Ainda no âmbito da formação dos internos de especialidade criamos a Academia SPACV, que desenvolve cursos teórico-práticos, alinhados com a fase do internato em que se encontram. 

A SPACV promove projetos científicos e oferece bolsas e apoios diversos. Pode dar exemplos de projetos que estão a decorrer neste momento? 

No Congresso Anual da SPACV são atribuídos um total de 10 prémios, que pretendem distinguir comunicações orais e posters, publicações científicas, atividade de investigação e estágios de diferenciação. 

A Revista Angiologia e Cirurgia Vascular, o órgão oficial de comunicação da SPACV, é já uma referência junto da comunidade científica nacional e internacional. Todos os anos selecionamos 3 artigos científicos que se destacam pela sua qualidade e relevância para a especialidade. Também atribuímos um prémio à melhor publicação em revista científica internacional de um cirurgião vascular português. 

Anualmente, atribuímos bolsas de estágio em Centros Estrangeiros, que são sempre muito concorridas. Além disso, também concedemos Bolsas de Investigação. Este é um investimento a longo prazo e uma forma de ajudar os nossos colegas que se dedicam à investigação. 

Por último, gostava de salientar que a SPACV suporta na íntegra os custos associados à realização do exame europeu de Cirurgia Vascular (FEBVS – Fellow of the European Board of Vascular Surgery), o qual fortalece a formação consolidada dos nossos cirurgiões e nos posiciona na comunidade vascular europeia. 

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