
A Física que permite “transformar descobertas em oportunidades”
No Centro de Física da Universidade do Minho (CFUM), a investigação não se limita às práticas laboratoriais. Cada descoberta científica resulta da colaboração de mais de 60 doutorados e cerca de uma centena de doutorandos, incluindo físicos, cientistas de materiais, matemáticos e especialistas em Ótica e Optometria. O Diretor, António Onofre, Diretor-Adjunto Mikhail Vasilevskiy e os Coordenadores das Linhas de Investigação Madalena Lira, Carlos Tavares e Paulo Coutinho destacam que os estudantes participam desde cedo em projetos aplicados com empresas e instituições internacionais. “A experiência acumulada é, portanto, essencial para formar novos cientistas e permite transformar descobertas em novas oportunidades de investigação”.
Perspetiva Atual: Fundado em 1994, o Centro de Física da Universidade do Minho é uma unidade de investigação multidisciplinar que integra atividades de investigação e desenvolvimento experimental com investigação teórica e modelação. Atualmente, que áreas se destacam pelo maior potencial de crescimento e inovação?
CFUM: Desde a sua fundação, o Centro de Física da Universidade do Minho promoveu investigação interdisciplinar visando aplicações concretas. Claro, isto não exclui investigação fundamental, desenvolvimentos teóricos e elaboração de modelos matemáticos e computacionais. É internacionalmente reconhecida a contribuição dos físicos do Minho à teoria das propriedades eletrónicas de materiais bidimensionais, principalmente do grafeno. A participação deles, durante 10 anos, no megaprojeto Europeu “Graphene Flagship” contribuiu para o desenvolvimento de novos fotodetetores e outros sensores à base de efeitos plasmónicos e para a melhor compreensão das vantagens fundamentais e limitações do grafeno e de outros materiais em camada quase monoatómica, candidatos para substituir os convencionais nas áreas de recolha e armazenamento de energia, (opto-) eletrónica e monitorização.
Na área da Física aplicada atualmente destaca-se a utilização de biomateriais capazes de fornecer suporte celular e estímulos ativos, importantes para a regeneração dos tecidos, atendendo à necessidade crítica de soluções eficazes na área da saúde. Paralelamente, desenvolvem-se materiais magneto-ativos para energia sustentável, deteção, atuação e biomedicina. Na área dos filmes finos, óxidos ferroelétricos estão a atrair uma enorme atenção para aplicações neuromórficas, relacionadas com energia e deteção, enquanto os novos filmes termoelétricos à base de metal-óxido transparentes têm potencial para converter desperdício de energia térmica em eletricidade.
Adicionalmente, novos sensores e elétrodos, baseados em estruturas de filme fino nanoprojetadas, são desenvolvidos para proporcionar a transdução de propriedades físicas em sinais eletrónicos, também aplicáveis na biomedicina. É ainda de referir os desenvolvimentos na síntese e estudo de nanopartículas magnéticas e plasmónicas tornadas biocompatíveis que permitem a interaçao específica com células alvo. Estes sistemas têm aplicação em entrega controlada e direcionada de fármacos bem como em terapia focada do cancro.
A área da Ótica, Optometria e Ciências da Visão desempenha um papel central, especialmente face aos desafios crescentes da progressão da miopia, considerada pela Organização Mundial da Saúde como um dos principais problemas de saúde pública do século XXI.

A investigação desenvolvida no CFUM abrange novos métodos de diagnóstico, estratégias para controlo da miopia e tecnologias óticas inovadoras, posicionando-nos na linha da frente nesta área. Além disso, há vários domínios com grande potencial de impacto: investigação sobre a película lacrimal e conforto com lentes de contacto, análise da pressão intraocular em relação às propriedades biomecânicas da córnea, estudos sobre visão das cores e perceção cromática em diferentes condições de iluminação e em indivíduos com dicromacia, e investigação em presbiopia, incluindo participação em revisões internacionais de referência como o BCLA CLEAR Presbyopia (2024). Estes trabalhos combinam inovação tecnológica com respostas a problemas clínicos e sociais relevantes.
PA: Considera que a diversidade de competências do CFUM é uma das características que contribui para melhorar a investigação e potenciar parcerias e colaborações com outras instituições nacionais e internacionais? Podem dar exemplos de parcerias recentes que resultaram em avanços significativos?
CFUM: Sem dúvida. O facto de reunir físicos, cientistas de materiais, matemáticos e especialistas em Ótica e Optometria torna o CFUM particularmente atrativo para parcerias. Essa diversidade permite, por exemplo, que investigadores da área da visão colaborem com especialistas em materiais ou em modelação matemática para desenvolver novas lentes, dispositivos óticos ou ferramentas de análise de desempenho visual. Ao longo de anos estabelecemos colaborações com muitas instituições académicas, portuguesas e estrangeiras. Podemos destacar a nossa colaboração com o International Iberian Nanotechnology Laboratory (INL) em Braga, na forma de co-orientação de teses, projetos e seminários conjuntos, que resultaram em avanços nas áreas dos materiais bidimensionais, termoelétricos e bio-nano-conjugados.
Desde 2021 o Centro é parte do Laboratório de Física para Materiais e Tecnologia Emergentes (LaPMET), um Laboratório Associado que também envolve centros de investigação do Porto e de Lisboa com os quais temos estreita colaboração no desenvolvimento de novos materiais e tecnologias para aplicações nas áreas de energia, computação quântica, saúde e ambiente. Paralelamente, participamos em redes internacionais, como a OBERON, que liga equipas de diferentes países na área da opto-biomecânica e da visão, e desenvolvemos projetos com empresas através de programas de financiamento da ANI e do PRR. Esta multidisciplinaridade é fundamental para avançar em problemas complexos como a progressão da miopia.

PA: Certamente, ao longo destes 40 anos, esta unidade científica atravessou períodos de desafios e limitações. Que obstáculos se impõem, atualmente, à progressão da investigação na área da Física e como acredita que podem ser superados?
CFUM: Os principais obstáculos passam por questões de financiamento e de gestão de recursos humanos. Temos assistido a atrasos na atribuição de fundos e a limitações administrativas na contratação de investigadores, num contexto em que também há pressão associada às reformas. Adicionalmente, a inexistência de programas de reequipamento científico nos últimos 20 anos tem prejudicado imenso a investigação, por falta de fundos para a manutenção dos equipamentos existentes, atualização e renovação, sendo em algumas áreas de investigação muito difícil de competir com outros laboratórios estrangeiros.
No caso particular da área da visão, acrescenta-se a necessidade de garantir recursos suficientes para estudos clínicos de longo prazo, fundamentais para avaliar a eficácia de intervenções no controlo da miopia ou no estudo da película lacrimal, entre outros. Apesar destas dificuldades, conseguimos manter um nível que nos permite publicar artigos científicos em boas revistas e criar jovens investigadores que fazem sucesso em instituições académicas de renome internacional. Acreditamos que os desafios acima mencionados podem ser ultrapassados através da aposta em candidaturas internacionais, nomeadamente europeias, e em políticas mais ágeis de contratação e retenção de jovens investigadores e talento científico.
PA: O CFUM tem vindo a desenvolver, ao longo dos anos, diversos projetos de investigação para dar resposta aos desafios da ciência e da tecnologia. Entre os atuais projetos em curso, quais se destacam pela sua relevância?
CFUM: Na área da investigação em novos materiais destacam-se os que têm aplicações biomédicas, como na regeneração de tecidos e biossensorização. Adicionalmente, temos projetos em curso para produção de energia limpa e monitorização ambiental, envolvendo o desenvolvimento de materiais ferroelétricos, magnetoelétricos, termoelétricos e plasmónicos. Na área da visão, destacam-se os projetos dedicados ao controlo da miopia, à avaliação do desempenho visual e ao desenvolvimento de novas soluções óticas, que têm um impacto direto na qualidade de vida da população.
A participação na rede OBERON, focada em desafios de opto-biomecânica e visão, amplia a nossa capacidade de dar respostas inovadoras e de formar especialistas nesta área. Podemos destacar projetos que atravessam várias frentes: estudos clínicos e laboratoriais sobre miopia e ortoqueratologia, lentes de foco estendido e biomarcadores. Estes exemplos mostram como o CFUM integra investigação fundamental, tecnológica e clínica, explorando múltiplas áreas com relevância social e científica.
PA: A investigação científica depende, acima de tudo, das pessoas que a conduzem, dado que sem investigadores qualificados, os projetos e descobertas não teriam existência, nem impacto. De que forma o conhecimento e a experiência dos investigadores se refletem na formação de novos cientistas e na capacidade de obter financiamento para o desenvolvimento de novas iniciativas?
CFUM: Atualmente, o CFUM integra mais de 60 doutorados e dezenas de pós-docs, que supervisionam quase uma centena de doutorandos. A maioria dos estudantes têm bolsas atribuídas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, mas alguns deles têm outras fontes de financiamento (redes de formação avançada europeias, projetos ou empresas privadas). A massa crítica do corpo de investigadores experientes garante que os estudantes participam ativamente em investigação de ponta e, em simultâneo, permite ao CFUM apresentar candidaturas competitivas a financiamentos nacionais e internacionais. A experiência acumulada é, portanto, essencial para formar novos cientistas e permite transformar descobertas em novas oportunidades de investigação (o que subentende, também, de financiamento).
PA: A Física tem um impacto direto na sociedade, através de inovações tecnológicas e novos entendimentos científicos. Quais são, na sua opinião, as principais contribuições do CFUM para a sociedade em termos de inovações e soluções tecnológicas aplicáveis? Que exemplos de projetos de colaboração com empresas ou startups podem destacar?
CFUM: Durante quatro anos uma equipa de membros do CFUM (físicos e matemáticos) e estudantes de investigação participaram no grande projeto cooperativo levado ao cabo pela Universidade do Minho e a Bosch Portugal, na área de condução autónoma de veículos. Os trabalhos de investigação foram dedicados ao objetivo de aumentar as capacidades do LiDAR, um dos sensores usados para recolher a informação necessária para a condução autónoma dum carro, usando luz polarizada. Estes trabalhos na área de Ótica, com recurso a algoritmos de “machine learning”, deram origem a patentes e publicações em jornais. Na área da física aplicada aos materiais, são as aplicações na área da biomédica e de captação e transformação de energia num modo mais sustentável.
Em particular, estamos envolvidos num grande projeto dedicado à investigação de novas soluções para baterias de lítio. Na área da visão, as contribuições do CFUM centram-se no desenvolvimento de métodos para o controlo da progressão da miopia, avaliação e melhoria do desempenho visual em diferentes contextos clínicos e digitais, e soluções óticas para presbiopia. Investigamos também a película lacrimal, o impacto das lentes de contacto, a pressão intraocular e as propriedades biomecânicas da córnea, bem como a perceção cromática em condições reais de iluminação e em indivíduos com dicromacia. Estes trabalhos têm aplicação direta em clínica, ergonomia visual e prevenção de síndromes como o “computer vision syndrome”.
Muitos destes projetos resultam de colaborações com empresas nacionais e internacionais, apoiadas por programas da ANI e iniciativas de inovação, demonstrando a capacidade do CFUM de combinar investigação científica de ponta com soluções tecnológicas de relevância social e económica.

PA: O Centro de Física da Universidade do Minho disponibiliza, aos estudantes de pós-graduação e bolseiros de investigação, o acesso a instalações de pesquisa avançadas, promovendo a sua participação ativa nos projetos. Que oportunidades se encontram disponíveis para os estudantes?
CFUM: Os estudantes do CFUM têm acesso a laboratórios de última geração e são integrados desde cedo em projetos nacionais e internacionais, incluindo redes europeias. Participam em investigação aplicada e em parcerias com empresas, desenvolvendo competências práticas e experiências em consórcios multidisciplinares. Esta integração em investigação de ponta permite aos estudantes publicar em revistas internacionais de elevado impacto e adquirir competências que os preparam tanto para carreiras académicas como para a indústria ligada a materiais funcionais, ótica, optometria e tecnologias visuais, fotónica, imagiologia e terapia médicas.
Na área da Física aplicada aos materiais, tem havido publicações de grande impacto científico, como por exemplo na área dos biomateriais, materiais ferroelétricos e bidimensionais, o que é importante para a futura empregabilidade dos estudantes envolvidos nestas publicações. Na área de Ótica e Ciências da Visão, muitos artigos publicados em 2024 resultaram de trabalhos de mestrado e doutoramento, em temas como miopia, película lacrimal, aberrações oculares, presbiopia e visão das cores.
PA: Tendo em conta o perfil científico dos alunos de Física e Engenharia Física, de que forma distinta é que contribuem para o mercado de trabalho?
CFUM: Os alunos de Física tendem a integrar mais facilmente equipas de investigação teórica, computacional e de modelação, áreas em crescimento ligadas à ciência fundamental e à computação avançada. Em geral, têm tendência para carreiras académicas em universidades e instituições de investigação, muitas vezes internacionais. Já os alunos de Engenharia Física possuem uma forte componente experimental e tecnológica, o que os torna muito procurados em setores industriais ligados a sensores, materiais avançados, energia e instrumentação. No entanto, há um ramo do Mestrado em Engenharia Física que é dedicado à Física de Informação.
Estes estudantes, com boa formação nas áreas de Informação e Computação Quântica, encontram empregos na indústria de ponta que desenvolve quer “software” quer “hardware” de computadores quânticos. Infelizmente para nós, estas empresas encontram-se baseadas fora de Portugal.

PA: Como vê a integração da Física com outras áreas emergentes, como a Inteligência Artificial e a Computação Quântica? O CFUM já tem projetos interdisciplinares nestas áreas?
CFUM: Sim, já temos vários projetos ativos. Em Computação Quântica, há vários projetos de doutoramento (alguns já concluídos, outros em curso) em que são desenvolvidos trabalhos teóricos em simulação e algoritmos quânticos, bem como experimentais, em arquiteturas fotónicas para processamento quântico. Estes trabalhos são desenvolvidos em estreita colaboração com o INL.
Aproveitamos para convidar os potenciais interessados ao evento que vai decorrer na Escola de Ciências da Universidade do Minho no próximo dia 3 de novembro, intitulado “A segunda Revolução Quântica: investigação fundamental e novas tecnologias”, que vai comemorar o “International Year of Quantum Science and Technology” declarado pela UNESCO.
Na área da Inteligência Artificial, para além do projeto dedicado à condução autónoma com a Bosch Portugal, acima mencionado, há projetos no Centro que exploram as suas aplicações em Astrofísica, Ótica e Física da Matéria Condensada, na análise de grandes volumes de dados experimentais. Acreditamos que esta integração vai continuar a crescer e será um dos motores de inovação científica nos próximos anos.
PA: Por último, o que torna o CF da Universidade do Minho diferente de outros centros de Física do nosso país?
CFUM: O CFUM distingue-se pela combinação única de áreas científicas: desde a investigação fundamental em Física teórica e materiais, até à investigação aplicada em Ótica e Optometria. Esta diversidade permite criar pontes entre ciência fundamental, tecnologia e aplicações clínicas, potenciando a transferência de conhecimento para a sociedade e consolidando o CFUM como um núcleo de excelência científica de referência nacional e internacional.
O Centro beneficia ainda de uma forte internacionalização, com uma rede de colaborações que inclui nomes de relevo mundial, como o Prémio Nobel Konstantin Novoselov, que integra o nosso Conselho Consultivo, e o Prémio Nobel Alain Aspect (a quem a Universidade do Minho atribuiu o título de Doutor Honoris Causa no ano passado). Esta ligação reforça a visibilidade do CFUM e da Universidade do Minho e promove a participação em projetos de alto impacto científico e tecnológico.



