OKEANOS implementa dois projetos que redefinem a monitorização e a sustentabilidade da pesca

O OKEANOS, Instituto de Investigação em Ciências do Mar, está a desenvolver projetos que prometem transformar a sustentabilidade e a segurança da pesca nos Açores e na Macaronésia. O FISHMAC pretende “medir e contar os peixes desembarcados de forma automática e precisa, sem a necessidade de manipulação física”. Com o projeto MoniPOL é possível “gerar conhecimento científico robusto que apoie políticas públicas, valorize o pescado regional e proteja a saúde dos consumidores”.

MoniPOL: Garantir a qualidade e segurança do pescado açoriano

Coordenador: Inês Martins (Investigadora Auxiliar)

O peixe é parte essencial da identidade cultural, económica e alimentar dos Açores. O que chega à mesa das famílias açorianas, mas também ao mercado nacional e internacional, representa não apenas valor económico, mas também uma dimensão crucial para a saúde pública e para a sustentabilidade das pescas. Foi precisamente para responder a esta necessidade que nasceu o projeto MoniPOL, financiado pela Secretaria Regional do Mar e das Pescas, com o objetivo de monitorizar a qualidade do pescado comercial da Região e desenvolver metodologias que possam ser aplicadas a longo prazo.

O projeto enquadra-se nos princípios da Diretiva Quadro Estratégia Marinha (DQEM) da União Europeia, que define a obrigação dos Estados Membros em assegurar o Bom Estado Ambiental. No caso dos Açores, significa conhecer de forma rigorosa e científica a qualidade do pescado e, através desse conhecimento, valorizá-lo no mercado. Para além do enquadramento europeu, o MoniPOL contribui diretamente para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, em particular o ODS 3 – Saúde de Qualidade, ao promover uma alimentação saudável; o ODS 12 – Produção e Consumo Sustentáveis, ao incentivar práticas de valorização do pescado; e o ODS 14 – Proteger a Vida Marinha, ao apoiar a gestão sustentável dos recursos marinhos.

Entre os parâmetros estudados estão os principais contaminantes regulados pela União Europeia, como metais pesados (cádmio, chumbo, arsénio e mercúrio), dioxinas e poluentes orgânicos persistentes como os PCB. Estas substâncias, quando acumuladas em excesso, podem afetar a saúde humana. Desde 2022, já foram analisadas cerca de 21 espécies de interesse comercial e os resultados são encorajadores: a maioria não ultrapassa os limites estabelecidos pela legislação. Algumas espécies, como o congro e o boca negra, devido à sua biologia e dieta, registam valores próximos do limite, mas sem risco para os consumidores. O atum, pela sua relevância no consumo interno e nas exportações, mereceu atenção especial. No atum bonito, os resultados confirmam a segurança para consumo. Já no atum patudo, registaram-se variações nos níveis de mercúrio em função do peso e idade dos exemplares, o que justifica o reforço da monitorização.

Os Açores, por apresentarem baixa industrialização, beneficiam de um ambiente marinho relativamente protegido. Ainda assim, fatores como a origem vulcânica e atividades agrícolas ou pecuárias podem influenciar a presença de metais na água e nos sedimentos, reforçando a importância de uma monitorização contínua.

Para além da segurança, o projeto avalia o valor nutricional do pescado. Espécies como veja, alfonsim, imperador, bagre e diferentes atuns revelam-se ricas em ácidos gordos ómega-3 e ómega-6, essenciais à saúde cardiovascular, mas que o corpo humano não consegue sintetizar. O peixe é igualmente uma fonte determinante de vitamina D e vitamina B12, nutrientes frequentemente em défice na população portuguesa. Cavala, sargo e peixe-porco destacam-se como espécies particularmente ricas nestas vitaminas. Ao conjugar dados toxicológicos e nutricionais, o MoniPOL oferece uma perspetiva integrada da qualidade do pescado açoriano.

O setor das pescas tem acolhido o projeto com entusiasmo. Pescadores e armadores reconhecem que a ciência é uma aliada para valorizar as espécies e aumentar a confiança dos consumidores.
A aposta na literacia científica é igualmente estratégica. Através da iniciativa Detetives Marinhos, o projeto leva a ciência às escolas, explicando de forma lúdica a importância da qualidade do pescado e da segurança alimentar. Ao envolver crianças e jovens, forma cidadãos mais conscientes e transforma-os em multiplicadores de conhecimento junto das suas famílias e comunidades.

Mas os desafios futuros são significativos. As alterações climáticas e o lixo marinho representam riscos crescentes: o aquecimento e a acidificação do oceano podem aumentar a disponibilidade de metais e afetar a base da cadeia alimentar, enquanto os resíduos plásticos funcionam como vetores de poluentes. O MoniPOL integra estas ameaças na sua análise, assegurando que o pescado açoriano continue a ser sinónimo de confiança e qualidade.
Com financiamento garantido até 2027, o projeto pretende alargar a monitorização a novas espécies, aprofundar o estudo de nutrientes e investigar de que forma os processos de confeção influenciam contaminantes e valor nutricional. O objetivo é claro: gerar conhecimento científico robusto que apoie políticas públicas, valorize o pescado regional e proteja a saúde dos consumidores.

Mais do que um projeto científico, o MoniPOL é uma ponte entre ciência, sociedade e economia, demonstrando que investir no conhecimento é investir no futuro sustentável dos Açores, no cumprimento dos compromissos internacionais e na confiança dos consumidores no pescado nacional.

FISHMAC: Ferramentas tecnológicas inovadoras para a sustentabilidade das pescas na Macaronésia

Coordenador: Gui Menezes (Investigador Principal)

Num mundo cada vez mais atento à sustentabilidade dos recursos naturais, o oceano continua a ser um dos ecossistemas mais vulneráveis e, simultaneamente, um dos mais essenciais à vida humana. As pescas, em particular, constituem uma fonte vital de alimento, emprego e identidade cultural para inúmeras comunidades costeiras. Na Macaronésia — que inclui os arquipélagos dos Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde — esta realidade é especialmente relevante. Com frotas predominantemente artesanais, dispersas e com recursos limitados e fragmentados, a necessidade de inovar na forma como se monitoriza e gere a atividade pesqueira torna-se premente. É neste contexto que surge o projeto FISHMAC (financiado pelo programa INTERREG MAC 2021-2027), uma iniciativa que pretende melhorar a recolha e análise de dados da pesca nestas regiões insulares.

Liderado pela Universidade dos Açores, através do Instituto de Investigação em Ciências do Mar – OKEANOS, o projeto tem como parceiros as Direções Regionajs das Pescas dos Açores e da Madeira, o Instituto do Mar de Cabo Verde, bem como a empresa tecnológica Fishmetrics, Lda. com sede na Horta. O consórcio combina experiência científica, tecnológica e operacional com o objetivo de melhorar e desenvolver ferramentas avançadas que permitam recolher e analisar dados pesqueiros com base em tecnologias de vanguarda como a inteligência artificial e a visão por computador.

Nas regiões da Macaronésia, a pesca artesanal é uma prática profundamente enraizada, mas as suas características — dispersão geográfica, pequena escala e diversidade de espécies — dificultam a recolha de dados e uma monitorização eficiente. Os portos de pesca são numerosos e dispersos e o número de espécies desembarcadas é elevado dificultando a recolha de dados e tornando a informação recolhida limitada. Como resultado, as análises de avaliação dos recursos e as decisões de gestão são por vezes tomadas de forma precaucionaria porque com base em dados incompletos ou amostras pouco representativas. Esta escassez de informação e a sua qualidade compromete tanto a avaliação rigorosa do estado dos stocks como a própria sustentabilidade económica e ecológica das pescas a médio prazo.

O projeto FISHMAC propõe uma resposta inovadora a este desafio, através da introdução de sistemas automáticos de medição de peixe baseados em imagens 3D das caixas de peixe desembarcadas e algoritmos de aprendizagem profunda e inteligência artificial. O projeto visa utilizar o sistema Fishmetrics, desenvolvido e já em operação em inúmeras lotas dos Açores, Madeira e Continente e desenvolver novas ferramentas que permitam medir e contar os peixes desembarcados de forma automática e precisa, sem a necessidade de manipulação física. Ao automatizar a recolha de dados, o sistema torna o processo mais rápido, fiável e representativo da realidade dos desembarques em cada região.

Os dados assim obtidos alimentarão os modelos de avaliação de stocks, concebidos para analisar a estrutura das populações de peixe a partir de medições reais e contínuas obtidas pelas imagens das caixas de peixe desembarcadas. Estes modelos permitirão obter de forma rápida e complementar, indicadores do estado de exploração das principais espécies comerciais e apoiar decisões de gestão baseadas em evidência científica, contribuindo para a sustentabilidade do setor.

Um dos aspetos a desenvolver pelo projeto FISHMAC será o desenvolvimento de um sistema portátil de recolha de dados, destinado a regiões ou locais onde não seja viável instalar equipamentos fixos. Este sistema móvel, que será testado no arquipélago cabo-verdiano, funcionará como um caso de estudo piloto e permitirá avaliar o potencial de replicação da tecnologia em contextos semelhantes. Técnicos locais receberão formação para operar o equipamento e analisar autonomamente os dados, reforçando as capacidades nacionais de observação e gestão das pescas.
O projeto FISHMAC pretende melhorar significativamente a qualidade e a abrangência dos dados de pesca, reduzir custos operacionais e desenvolver soluções tecnológicas replicáveis e transferíveis para outras regiões. O projeto contribuirá diretamente para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, em particular o ODS 12, dedicado à produção e consumo sustentáveis, e o ODS 14, que visa proteger a vida marinha. Para além disso, reforçará a cooperação científica e institucional os três arquipélagos, promovendo a capacitação tecnológica e o intercâmbio de conhecimentos e experiências.

O projeto representa um novo paradigma para a recolha de dados e gestão das pescas através da modernização tecnológica da recolha de dados. Num contexto global de crescente pressão sobre os ecossistemas oceânicos, o FISHMAC é um exemplo de cocriação de soluções tecnológicas entre a academia, parceiros governamentais e empresariais e como a inovação pode servir o contribuir para a conservação dos oceanos.

FICHA DO PROJETO
Nome: FISHMAC – Ferramentas avançadas para amostragem e avaliação de recursos pesqueiros na Macaronésia (1/MAC/1/1.1/0103)
Coordenação: Universidade dos Açores / Instituto de Investigação em Ciências do Mar – OKEANOS
Parceiros: Direções Regionais das Pescas dos Açores e Madeira, Fishmetrics Lda., Instituto do Mar (IMar, Cabo Verde)
Financiamento: Programa INTERREG MAC 2021-2027
Duração: 36 meses
Regiões de intervenção: Açores, Madeira e Cabo Verde

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