A importância da Cirurgia Robótica na segurança e recuperação dos pacientes
Apesar da sua tardia introdução no Serviço Nacional de Saúde (SNS), a Cirurgia Robótica tem-se desenvolvido rapidamente em Portugal. Esta tecnologia permite intervenções minimamente invasivas, reduz o risco cirúrgico e melhora os resultados pós-operatórios. Kris Maes, à frente da Associação Portuguesa de Cirurgia Robótica (APCIR), não tem dúvidas de que, em 2026, será essencial clarificar a informação e acelerar a formação de médicos, cirurgiões, enfermeiros, internos e paramédicos “para que todos possam atingir o mais rapidamente possível um elevado nível de experiência”.
Perspetiva Atual: A Associação Portuguesa de Cirurgia Robótica surge num momento crucial para o desenvolvimento desta especialidade em Portugal. Quais foram os objetivos que motivaram a sua criação?

Kris Maes: É verdade que a introdução da Cirurgia Robótica em Portugal ocorreu no Hospital da Luz, em Lisboa, em 2010, mas levou cerca de seis anos até que um segundo sistema fosse instalado na mesma cidade. Apenas por volta de 2020, o primeiro robô entrou no Hospital Curry Cabral. A partir deste momento, assistiu-se a uma verdadeira explosão no número de sistemas de Cirurgia Robótica instalados em Portugal que, hoje, ultrapassam a marca de vinte.
Os objetivos que motivaram a criação da associação são diversos. Em primeiro lugar, até à presente data, não existia nenhuma associação dedicada exclusivamente à Cirurgia Robótica. Embora muitas associações científicas de diversas disciplinas tenham abordado o tema em congressos e revistas, não houve uma apresentação desta técnica num nível científico elevado. Assim, considerámos que, com a nossa direção fundadora, este era o momento propício para estruturar uma associação que defendesse e representasse a Cirurgia Robótica em Portugal.
Além disso, com a explosão de novos sistemas, é fundamental que muitos hospitais iniciem a formação de médicos nesta técnica. Assim, muitos profissionais estão a preparar-se para adquirir experiência o mais rapidamente possível, abrangendo várias disciplinas. Acreditamos que temos um papel importante na divulgação e na formação destes novos médicos, para que possam desenvolver-se mais rapidamente até atingirem um nível de experiência adequado.
Por último, uma razão que é particularmente importante para mim e para a direção da associação é que, noutros países, já existiam associações semelhantes. Pessoalmente, estou ligado à SRS, a Sociedade Mundial de Cirurgia Robótica, que partilha o mesmo conceito. Percebemos, assim, que esta poderia ser uma oportunidade para nos conectarmos ao mundo através desta entidade internacional. Com a criação da nossa associação, dispomos agora de uma ferramenta para nos representar, tanto a nível nacional como internacional, no âmbito da Cirurgia Robótica.
PA: A APCIR desempenha um papel central na saúde da população. Poderia destacar as suas principais áreas de atuação e explicar de que forma tem contribuído para a melhoria das cirurgias, beneficiando assim todos os cidadãos?
KM: É verdade que a nossa associação ainda é nova e estamos em fase de desenvolvimento de projetos para o futuro. No entanto, a ideia principal é, através da organização de congressos, webinars e cursos práticos, melhorar e acelerar a formação de médicos, cirurgiões, enfermeiros, internos e até paramédicos, para que todos possam atingir o mais rapidamente possível um nível de experiência elevado.
Além disso, almejamos representar a comunidade de cirurgiões robóticos perante a população, utilizando as redes sociais e publicações como esta para divulgar a existência da Cirurgia Robótica. Esta técnica, reconhecida por melhorar os resultados em várias disciplinas, caracteriza-se por ser minimamente invasiva, apresentar menor risco cirúrgico e oferecer melhores resultados pós-operatórios.
“O nosso grande desafio consiste, de forma objetiva, em informar a população e os pacientes sobre as novas tecnologias que realmente fazem a diferença, bem como sobre a segurança dessas inovações”
PA: Como têm as 11 secções desta associação colaborado entre si para tornar as cirurgias mais seguras, indolores, com menores incisões e recuperações mais rápidas?
KM: A nossa associação está organizada em secções específicas dentro de cada uma delas. Por exemplo, a Cirurgia Geral está dividida em secções como Cirurgia Bariátrica, Cirurgia de Hérnia, Cirurgia Colorrectal, Cirurgia de Pâncreas e Cirurgia Hepática, entre outras.
Na área da Urologia, existem secções dedicadas à Cirurgia do Rim, Cirurgia da Próstata e Cirurgia da Bexiga.
A Cirurgia Torácica, por sua vez, ainda não possui divisões definidas. A Cirurgia Ginecológica é classificada entre tratamentos benignos e oncológicos. Futuramente, esperamos incluir também a Ortopedia, Cirurgia Cardiovascular e Neurocirurgia nessa mesma colaboração.
A cooperação entre as secções e grupos baseia-se na partilha de uma plataforma comum. O robô, ou a máquina utilizada, é o mesmo, o que permite que muitos detalhes relevantes sejam compartilhados, o que inclui o uso dos mesmos aparelhos, consumíveis, instrumentos e colaboração com as mesmas equipas de enfermagem, bem como a utilização do mesmo bloco operatório. Há uma vasta quantidade de informação que pode ser trocada para otimizar processos e aprender uns com os outros, principalmente no que diz respeito à utilização da máquina, segurança operacional e eficiência.
Esta colaboração também se reflete nos nossos congressos e webinars, nos quais organizamos sessões em conjunto dedicadas à utilização da máquina, integração de imagens e modelos tridimensionais na cirurgia, utilização de fluorescência e aplicação de inteligência artificial. Estes são temas que abordamos coletivamente, tendo em vista o uso do mesmo tipo de robô. A diversidade de sistemas disponíveis atualmente aumenta ainda mais o interesse em compartilhar informações entre todas as secções.


PA: Portugal destacou-se pela realização de vários procedimentos pioneiros, incluindo o primeiro transplante hepático robótico na Europa, a descrição de uma nova técnica de prostatectomia e as primeiras cirurgias robóticas de obesidade e da parede abdominal. Que outros projetos estão em curso e pode desvendar?
KM: A resposta à pergunta número quatro é a seguinte: as primeiras cirurgias robóticas foram realizadas no Hospital da Luz, o primeiro a instalar este sistema em Portugal. Nesse hospital, diversas intervenções foram efetuadas pela primeira vez no país, nas áreas de urologia, cirurgia torácica, cirurgia geral, cardiovascular e ginecologia. Além disso, no Hospital da Luz foi desenvolvida uma técnica inovadora de prostatectomia radical, robótica conhecida como “Lisbon zero clip RARP”. O primeiro transplante hepático robótico na Europa, e um dos primeiros no mundo inteiro, foi feito no Hospital Curry Cabral.
A primeira cirurgia de parede abdominal ocorreu no Hospital de Cufro. O serviço de Urologia do hospital da LUZ recentemente efetuou, pela primeira vez na Península Ibérica e com um dos primeiros na Europa, biópsias da próstata com fusão de imagens por via robótica. Há, ainda, vários projetos em andamento que não podem ser divulgados de momento, mas que com certeza surgirão no futuro.

PA: A cirurgia robótica está a mudar rapidamente em Portugal, com a sua chegada a diferentes hospitais públicos e privados. Este crescimento exponencial gera necessidades formativas urgentes para os profissionais de saúde?
KM: A Cirurgia Robótica está a evoluir rapidamente em Portugal, e com a introdução de novos robôs em diversos hospitais, tanto públicos como privados, surge uma necessidade urgente de formar profissionais qualificados. As marcas dos robôs disponibilizam especialistas, designados proctors, que possuem vasta experiência na formação de médicos. Além disso, membros da nossa associação atuam oficialmente como proctors, com a missão de ensinar e orientar cirurgiões durante a fase inicial da sua formação em Cirurgia Robótica. Como já foi mencionado anteriormente, o APCIR desempenha um papel fundamental na aceleração desse processo de formação, visando ensinar eficazmente este elevado volume de novos cirurgiões robóticos.
“Esta técnica, reconhecida por melhorar os resultados em várias disciplinas, caracteriza-se por ser minimamente invasiva, apresentar menor risco cirúrgico e oferecer melhores resultados pós-operatórios”
PA: O I Congresso Internacional, realizado nos dias 4 e 5 de julho de 2025, no Conference Centre Pestana Palace, em Lisboa, foi um sucesso bastante reconhecido na área. Que balanço fazem deste evento e que ensinamentos ou conquistas retiram desta edição, influenciando, de certa forma, a organização do próximo evento?
KM: Na primeira edição do Congresso Internacional da APCIR, que decorreu de 4 a 5 de julho de 2025, estiveram representadas as disciplinas de Urologia, Cirurgia Geral, Cirurgia Torácica, Cirurgia Ginecológica e, pela primeira vez, a Cirurgia Ortopédica.
O congresso incluiu sessões conjuntas que abordaram temas como a responsabilidade civil médica na Cirurgia Robótica, inovações em novas tecnologias e robôs, bem como a aplicação da inteligência artificial e da realidade aumentada na cirurgia robótica.
Além disso, foram realizadas sessões específicas para cada uma das disciplinas, mas também sessões dedicadas exclusivamente à enfermagem e aos instrumentistas de cirurgia robótica, assim como secções para internos e estudantes interessados nesta área. Estamos orgulhosos por termos recebido mais de 450 inscrições, o que, para um primeiro congresso, pode ser considerado um grande sucesso, levantando a expectativa de um aumento para o próximo ano. Nesta edição, contámos também com uma participação presencial de convidados internacionais do Brasil e dos Estados Unidos; outra parte dos palestrantes internacionais apresentou-se através de webinars ou online.

PA: Com a próxima edição já agendada para os dias 26 e 27 de junho de 2026, no Hotel Eurostars Oasis Plaza, na Figueira da Foz, já é possível revelar alguns dos convidados e palestrantes que marcarão presença? Que impacto espera da contribuição de especialistas nacionais e internacionais para o evento?
KM: A nossa Associação conta com uma comissão científica composta por especialistas internacionais de elevada reputação de cada área, provenientes de todo o mundo. Todos estão convidados a participar no nosso próximo congresso, que terá lugar de 26 a 27 de junho de 2026, no Hotel Eurostars Oásis Plaza, na Figueira da Foz, onde já temos vários confirmados.
A principal novidade desta edição será a presença de ainda mais especialistas no local, o que elevará o valor do congresso e proporcionará oportunidades para interações, convívio e discussões detalhadas sobre os diversos temas em pauta.
Esperamos, assim, que o nosso grupo de especialistas a nível nacional continue a crescer. Com a experiência de cada hospital em expansão, é natural que haja uma participação também crescente dos nossos cirurgiões nacionais.
PA: Como tem a APCIR fortalecido a cooperação com instituições, tanto a nível nacional como internacional? Quais parcerias se destacam e que impacto têm gerado na evolução da cirurgia robótica?
KM: Desde o seu início, a APCIR tem conseguido estabelecer parcerias com diversas associações científicas, tanto nacionais como internacionais. A mais significativa é a colaboração com a Society of Robotic Surgery (SRS), que é, a nível mundial, a maior associação dedicada à cirurgia robótica, e o SOBRACIL, sociedade brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva.
Entre as parcerias destacam-se também o SPCMIN, a Sociedade Portuguesa de Cirurgia Minimamente Invasiva, a Sociedade Portuguesa de Cirurgia Geral e a Associação Portuguesa de Urologia. A APCIR possui um forte desejo de aumentar a colaboração com a Ordem dos Médicos, os vários colégios de especialidades e o governo, com o objetivo de trabalhar em temas essenciais, como a responsabilidade civil médica na cirurgia robótica, a segurança do doente e a regulamentação e certificação da formação em cirurgia robótica.
“Com a criação da nossa associação, dispomos agora de uma ferramenta para nos representar, tanto a nível nacional como internacional, no âmbito da cirurgia robótica”
PA: Para finalizar, na vossa perspetiva, como esperam que a cirurgia robótica possa transmitir maior confiança e segurança a pacientes que ainda sentem receio de serem submetidos a um procedimento assistido por tecnologia? Que outros desafios pretendem superar em 2026?
KM: A perspetiva do APCIR é aumentar a comunicação direcionada à população e aos pacientes, através da divulgação de informações precisas e da promoção de sessões dedicadas aos doentes. O objetivo é incrementar a confiança e o conhecimento geral sobre esta técnica. É notável que, atualmente, já existe uma grande confiança no país e além-fronteiras em relação à cirurgia robótica, algo que era impensável há dez anos. O nosso grande desafio consiste, de forma objetiva, em informar a população e os pacientes sobre as novas tecnologias que realmente fazem a diferença, bem como sobre a segurança dessas inovações.

O intuito é ajudar os doentes, que muitas vezes se sentem perdidos neste vasto mar de informações e divulgações nas redes sociais, a encontrar a melhor solução para si e para as suas condições de saúde. É importante reconhecer que o risco de sobrecarga de informação existe; as novidades divulgadas através da televisão, da imprensa e das redes sociais, frequentemente produzidas por diversas indústrias, podem gerar confusão e desinformação entre os doentes.
Acreditamos que o nosso papel enquanto associação científica é proporcionar clareza, estrutura e veracidade a esta informação, auxiliando os doentes na sua tomada de decisão.

