A aposta no futuro da Cardiologia em Portugal: Inovação, Investigação e Formação

Com foco na prevenção, inovação tecnológica e cooperação internacional, a Sociedade Portuguesa de Cardiologia reafirma novamente o seu papel central na promoção da saúde cardiovascular em Portugal. Em entrevista exclusiva à Perspetiva Atual, Hélder Pereira, Presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia e a Vice-Presidente, Sofia Cabral, refletem sobre as conquistas recentes, o impacto do novo Plano Estratégico para a Saúde Cardiovascular e as prioridades para o próximo ano. Rui Batista, Presidente do Congresso Nacional de Cardiologia, revela ainda as principais novidades do Congresso Português de Cardiologia 2025, que irá decorrer de 11 a 13 de abril, na cidade do Porto.

Perspetiva Atual: A Sociedade tem desempenhado um papel essencial desde 1949. De que maneira têm adaptado as estratégias para garantir a evolução contínua da especialidade e a promoção da saúde cardiovascular em Portugal?

Hélder Pereira: A SPC promove a saúde cardiovascular, focando-se na educação médica e investigação científica. As suas principais atividades incluem o Congresso Português de Cardiologia, onde se apresenta a inovação e discute a eficiência no uso dos recursos; a Revista Portuguesa de Cardiologia, importante veículo na divulgação da investigação portuguesa em cardiologia; a Academia Cardiovascular, no Porto, que atualmente é o principal meio de formação pós-graduada em doenças cardiovasculares; o Centro Nacional de Coleção de Dados, em Coimbra, armazena registos médicos para investigação.

A SPC colabora com outras sociedades, promove a prevenção de riscos cardiovasculares e realiza missões humanitárias em países de língua portuguesa. Apesar das doenças cardiovasculares serem a principal causa de morte no Ocidente, nem sempre essa é a perceção da tutela e mesmo dos média, pelo que é necessário que a SPC amplie esforços para influenciar políticas de saúde voltadas à prevenção e tratamento eficaz destas doenças.

Hélder Pereira, Presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia

PA: Com a aproximação do término do mandato da atual direção, que balanço pode ser feito sobre as principais conquistas alcançadas este ano?

HP: Desde 1949, a SPC tem-se mostrado adaptável e bem-sucedida, ajustando-se às mudanças científicas e sociais. Recentemente, a SPC reconheceu haver necessidade de reformas estruturais para manter sua sustentabilidade a médio prazo. Isso incluiu a redução do quadro de pessoal e a revisão de processos internos para melhorar a eficácia operacional.

A sede em Lisboa está a ser remodelada para atender melhor as necessidades atuais, nomeadamente criando espaços mais funcionais para reuniões. O Centro Nacional de Coleção de Dados tem sido crucial na coleta e análise de dados cardiovasculares, encontrando-se presentemente em processo de renovação, no sentido de se adaptar às novas tecnologias.

Apesar das mudanças, a SPC continua focada na sua missão de educação, investigação e advocacia, destacando-se a elaboração de um Plano Estratégico, para as doenças cardiovasculares, e um estudo nacional sobre fatores de risco em parceria com a Sociedade Portuguesa de Diabetologia.

PA: Com o novo ano a aproximar-se, quais são as metas e projetos prioritários para a SPC? Existe algum foco específico no próximo plano estratégico?

Sofia Cabral: A SPC tem acompanhado um movimento transformador a nível europeu liderado pela Sociedade Europeia de Cardiologia, seu parceiro estratégico natural e da qual é membro fundador. Este movimento alerta para as doenças cardiovasculares serem a principal causa de morbi-mortalidade na Europa, apela para a priorização da sua abordagem à escala continental e nacional e incentiva o desenho e execução de um Plano Europeu para Saúde Cardiovascular.

As ações de advocacy levadas a cabo junto dos decisores políticos da União Europeia, com participação ativa da SPC, colheu frutos e pela primeira vez o Conselho Europeu aprovou e emitiu em 3 de dezembro de 2024 conclusões e recomendações para a priorização e abordagem da Saúde Cardiovascular com foco na prevenção, acesso, deteção precoce, tratamento e reabilitação. A aplicação destas medidas terá de ser adotada a nível de cada Estado-Membro, idealmente integradas num Plano Nacional. A SPC, alinhada com esta iniciativa, concebeu um Plano Estratégico para a Saúde Cardiovascular em Portugalonde reflete o seu posicionamento, destaca as áreas que considera serem de intervenção prioritárias e traça objetivos, metas e estratégias a implementar.

Este plano conceptualiza, à luz dos valores e missão da SPC, a visão da Sociedade para a abordagem dos principais desafios que hoje se colocam na área da patologia cardiovascular e alicerçou-se no trabalho de peritos dos Grupos de Estudo que integram a sua estrutura. Perfilado com as recomendações emanadas pelo Conselho Europeu, espera-se que este documento possa ser tido em consideração pela tutela na definição de políticas de Saúde na área cardiovascular nos próximos anos.

Sofia Cabral, Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia

Congresso Nacional de Cardiologia 2025

PA: “Building Bridges in Cardiology” foi o lema escolhido para o Congresso Nacional de Cardiologia, que acontecerá no Centro de Congressos da Alfândega do Porto, de 11 a 13 de abril de 2025. Quais são as grandes novidades que podemos esperar desta edição? Como é que este tema reflete os desafios e oportunidades atuais da cardiologia em Portugal e no mundo?

Rui Batista: O Congresso Português de Cardiologia 2025 marca um momento histórico ao apresentar uma mudança significativa na sua localização. Após mais de quinze anos de realização no sul do país, o evento transfere-se agora para o norte, tendo como novo palco o belíssimo Centro de Congressos da Alfândega do Porto.

O programa, criteriosamente elaborado, privilegia a interdisciplinaridade e a construção de pontes entre as diversas áreas da cardiologia e das especialidades que interagem com o doente cardiovascular, proporcionando um espaço de convergência nas várias sessões do congresso.

Esta edição destacar-se-á pela introdução de uma inovadora Training Village, dedicada ao desenvolvimento de competências práticas dos congressistas. Outra das principais novidades desta edição é a participação, pela primeira vez, de uma expressiva comitiva de médicos do norte de Espanha, com particular destaque para profissionais da Galiza. Esta participação internacional vem enriquecer ainda mais o evento, que também visa atrair e integrar médicos de outras especialidades, nomeadamente de Medicina Interna e Medicina Geral e Familiar, para os quais terá um programa específico, denominado Ciclo de Atualização em Medicina Cardiovascular, que versará de forma abrangente sobre os temas mais comuns na prática clínica do dia-a-dia.

O congresso dará ainda especial ênfase às áreas de desenvolvimento tecnológico em cardiologia, que tem sido muito vigoroso nos últimos anos, com destaque para as terapêuticas inovadoras no tratamento das dislipidemias, da insuficiência cardíaca e da hipertensão pulmonar, e os mais recentes avanços no campo das miocardiopatias, bem como em relação às novidades nos métodos de imagem e nos dispositivos, quer na área das arritmias, quer na patologia vascular e valvular, passando pelo suporte mecânico circulatório. Esta abordagem reflete o compromisso do evento com a excelência científica e a atualização constante dos profissionais de saúde, bem como esta vontade em estabelecer pontes entre as várias áreas e profissionais.

Rui Baptista, Presidente do Congresso Nacional de Cardiologia

PA: O congresso deste ano destaca-se pelas “parcerias locais, com cursos pré-congresso em hospitais da Região Norte”. Pode explicar como estas colaborações foram estabelecidas e de que forma estas ações beneficiam a formação dos profissionais e a prática clínica no campo da cardiologia?

RB: A deslocação do Congresso Português de Cardiologia para o Norte do país apresentou-se como uma oportunidade ímpar para potenciar a proximidade geográfica com os centros de excelência de cardiologia desta região. Neste contexto, desenvolvemos um abrangente programa de cursos pré-congresso, que decorrerão em vários serviços de cardiologia dos hospitais do Norte. Esta iniciativa pioneira permite que cada instituição hospitalar acolha colegas provenientes de todo o país, promovendo uma valiosa partilha de conhecimentos entre profissionais e fomentando uma aprendizagem colaborativa no tratamento de doentes cardiovasculares.

Os cursos abrangerão áreas específicas de elevada relevância clínica, nomeadamente no campo das miocardiopatias, imagem avançada em doença valvular, cuidados intensivos cardíacos, diagnóstico avançado em insuficiência cardíaca e intervenção valvular percutânea. Esta descentralização do conhecimento permite não só maximizar os recursos e a experiência dos centros a Norte do país, como também proporcionar uma formação mais personalizada e prática, em ambiente hospitalar real, beneficiando todos os participantes com a experiência acumulada destas unidades de referência.

Estamos certos de que as partilhas serão extremamente enriquecedoras e proporcionarão o estabelecimento de parcerias e colaborações no futuro entre os participantes.

PA: Sabemos que o Dr. Deepak L. Bhatt será uma das presenças de destaque. Para além desta figura de renome, que outros palestrantes ou especialistas estão confirmados e qual será o impacto para o congresso?

RB: Entre os oradores de destaque, contamos com a presença do Dr. Deepak Bhatt, uma das figuras mais influentes da cardiologia atual, que ocupa a prestigiada Cátedra Valentín Fuster no Serviço de Cardiologia do Hospital Mount Sinai, em Nova Iorque. Juntamente com ele, teremos o privilégio de contar com outros nomes de elevado prestígio internacional, dos quais se destaca o Dr. Mutiah Vaduganathan do Brigham and Women’s Hospital, uma referência incontornável na área da insuficiência cardíaca e dos ensaios clínicos nesta área, tendo liderado muitos dos mais recentes estudos nesta área. A Dra. Michelle Kittleson, cardiologista do Cedars-Sinai em Los Angeles, e primeira autora das recomendações de amiloidose e insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada do ACC/AHA também estará presente, trazendo a sua vasta experiência não só em insuficiência cardíaca e transplantação cardíaca, mas também como autora da sua influente obra The Art of Patient Care. O Dr. Eugenio Picano, investigador sénior do Instituto de Fisiologia Clínica do Conselho Nacional de Pesquisa em Pisa, Itália, é reconhecido mundialmente pelo seu trabalho pioneiro em ecocardiografia de stress. O Dr. André d’Avila, atual diretor do Departamento de Arritmias do Hospital SOS Cardio em Florianópolis, Brasil, é uma referência internacional em eletrofisiologia cardíaca. Foi pioneiro no desenvolvimento de técnicas de ablação epicárdica e na utilização de tecnologias inovadoras para o tratamento de arritmias complexas, tendo contribuído significativamente para o avanço das técnicas de ablação por cateter. O Professor Wilfred Mullens, do Hospital Oost-Limburg e da Universidade de Hasselt, na Bélgica, destaca-se pela sua abordagem integrativa entre cardiologia e nefrologia, tendo desenvolvido trabalho fundamental na compreensão das interações cardiorrenais na insuficiência cardíaca. As suas investigações sobre a congestão sistémica e o papel da ultrafiltração no tratamento da insuficiência cardíaca refratária são consideradas marcos na área. O Professor Holger Thiele, Diretor do Departamento de Medicina Interna/Cardiologia do Heart Center Leipzig, é uma referência mundial nos cuidados cardíacos agudos. É reconhecido internacionalmente pela sua liderança no estudo CULPRIT-SHOCK e pelos seus contributos fundamentais no tratamento do choque cardiogénico e enfarte agudo do miocárdio. O Dr. João Cavalcante é atualmente Diretor do Centro de Pesquisa em Imagem Cardíaca Estrutural do Minneapolis Heart Institute e Professor Adjunto da Universidade de Minnesota. É internacionalmente reconhecido pelo seu trabalho pioneiro em imagem cardíaca avançada, particularmente em TC cardíaca e ressonância magnética, com foco especial na avaliação de doença valvular aórtica e miocardiopatias.

Estes e outros especialistas trarão ao CPC2025 não só o seu vasto conhecimento teórico, mas também uma experiência prática incomparável nas suas respetivas áreas de especialização, prometendo sessões de elevadíssimo nível científico e grande relevância clínica.

PA: Com os avanços contínuos na área da saúde, como está a Sociedade a integrar temas emergentes como inteligência artificial, sustentabilidade e acessibilidade no contexto do congresso? Que reflexões podemos esperar destas discussões para o futuro da especialidade?

RB: A Inteligência Artificial assumirá um papel de destaque no congresso, com particular ênfase na aplicação dos grandes modelos de linguagem (Large Language Models) na interpretação de dados clínicos e exames complementares de diagnóstico. A cardiologia, pela sua natureza intrinsecamente técnica e pela quantidade significativa de dados que gera, apresenta-se como um campo particularmente fértil para a implementação destas metodologias inovadoras, prometendo benefícios substanciais na gestão clínica dos doentes.

Para além da vertente tecnológica, o congresso dedicará um espaço especial – a Ágora – à discussão de temas transversais à medicina contemporânea. Neste fórum, serão abordadas questões fundamentais como o equilíbrio entre vida profissional e pessoal dos médicos, estratégias para a gestão eficiente da consulta médica, gestão financeira, a promoção da literacia em saúde e desafios atuais dos sistemas de saúde. Esta abordagem holística reflete a preocupação do congresso em não só avançar o conhecimento técnico-científico, mas também em promover o desenvolvimento profissional integral dos médicos e a melhoria dos cuidados de saúde na sua globalidade.

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