“Investir na formação para garantir o futuro da Hematologia”
Maria Gomes da Silva, presidente da Sociedade Portuguesa de Hematologia (SPH), faz um balanço de seu primeiro ano à frente da organização, destacando a continuidade de projetos estratégicos, a criação de novas iniciativas de formação e investigação, e o fortalecimento de parcerias nacionais e internacionais. Em entrevista exclusiva, Maria Gomes da Silva compartilhou ainda a sua visão sobre os desafios enfrentados pela hematologia, o impacto do Congresso Anual da SPH e as prioridades para os próximos anos.
Eleita em novembro de 2023 para o triénio 2024-2026, Maria Gomes da Silva iniciou o seu mandato com um compromisso claro de continuidade e inovação. Sucedendo o cargo de vice-presidente na direção anterior, afirma manter o foco nos projetos já em andamento, ao mesmo tempo que tem implementado novas abordagens para lidar com os desafios que a área da hematologia enfrenta. “A missão da SPH é contribuir para o desenvolvimento da hematologia nas vertentes clínica, laboratorial, translacional, científica e pedagógica”, destacou a presidente, enfatizando a importância da multidisciplinaridade no progresso da especialidade.
Entre as iniciativas de destaque no primeiro ano, destaca a criação de cursos de formação para jovens hematologistas e a continuidade do apoio dado ao exame da Associação Europeia de Hematologia. “Investir na formação qualificada de novos especialistas, assegurando as competências sugeridas por sociedades europeias congéneres, é um dos pilares fundamentais para garantir o futuro da hematologia em Portugal”, afirmou.
Segundo a presidente, as áreas dedicadas aos Grupos de Interesse, que desenvolvem a sua atividade no seio da SPH, no site da Sociedade, têm sido um canal essencial para o compartilhamento de conteúdos atualizados e relevantes para os profissionais da área.
Pilares da gestão: Formação e Investigação
Quando questionada acerca das áreas de atuação, a presidente deixou bem explícito que as áreas da formação e da investigação são dois dos pilares fundamentais da Sociedade.
O apoio à Secção Jovem da SPH, que representa médicos internos e recém-especialistas, tem sido fundamental para atrair novos talentos. “Achamos que é essencial apoiar o máximo possível os nossos colegas no início de carreira, e mesmo aqueles que ainda não escolheram a carreira que desejam. Consideramos a Hematologia uma especialidade apaixonante e cumpre-nos transmitir isso a todos os profissionais”, afirma a presidente.
Consideramos a Hematologia uma especialidade apaixonante e cumpre-nos transmitir isso a todos os profissionais.
Para além da formação, a entrevista abordou também o apoio significativo à investigação, com a concessão de cinco bolsas de estudo este ano, que abrangem áreas como epidemiologia, clínica e investigação de translação, no âmbito da hematologia. “A investigação é o motor da inovação na hematologia, e é crucial que continuemos a apoiar projetos que possam trazer novas soluções para os desafios que enfrentamos, e que contribuam para a motivação e desenvolvimento das carreiras profissionais dos hematologistas”, afirmou a presidente.
Foram adicionalmente atribuídas duas bolsas em parceria com a Associação Portuguesa Contra a Leucemia e empresas farmacêuticas, ampliando a colaboração com entidades externas ao setor académico. “Estas bolsas disponibilizam um financiamento inicial para o desenvolvimento de projetos, quer na área da epidemiologia, quer na área da clínica, quer na área da translação, que se relacionem com hematologia, e privilegiam a multidisciplinaridade”, explica.
Maria Gomes da Silva não deixa de destacar a relevância de uma das parcerias que mais contribui para o pilar da investigação, e neste caso em específico, que contribuiu para suportar quatro bolsas de formação avançada na área da terapia celular. O apoio a Gilead Sciences, Inc., uma empresa biofarmacêutica que tem promovido e atingido avanços na medicina há mais de três décadas, e está comprometida com o avanço de terapêuticas inovadoras para prevenir e tratar doenças potencialmente fatais.
Também aproveitou para ressaltar a importância do Prémio Nacional de Hematologia, atribuído em anos alternados, e que reconhece grupos de investigação com trabalhos de mérito e incentiva o desenvolvimento da área.
Fortalecimento de Parcerias
Em 2023, a SPH intensificou as colaborações internacionais, ampliando a cooperação com a Associação Europeia de Hematologia (EHA) e outros grupos europeus. “Estas parcerias não só ampliam os horizontes da hematologia portuguesa, mas também nos permitem aprender com diversas realidades “, explicou, destacando ainda a participação em iniciativas formativas promovidas pela Escola Europeia de Hematologia. “Estamos também empenhados em promover plataformas de colaboração clínica e de investigação com os países de língua oficial portuguesa e com países sul americanos, e demos início a algumas dessas colaborações, mesmo já durante a recente reunião anual”
A participação da SPH em iniciativas promovidas pela Escola Europeia de Hematologia também é um exemplo recente do compromisso com a formação contínua e a integração no panorama europeu da especialidade.
Reunião Anual da Sociedade Portuguesa de Hematologia
Realizado entre 7 e 9 de novembro, no Hotel Pestana Douro Riverside, no Porto, O Congresso Anual da SPH constituiu uma plataforma para partilhar e discutir inovações recentes em diversas áreas da Hematologia e ainda para apresentar as conquistas e os planos da sociedade. Com mais de 600 participantes, o evento consolidou-se como um dos principais momentos do calendário científico nacional, promovendo um espaço para a troca de conhecimento entre profissionais da área e fomentando a colaboração interdisciplinar.
Um dos pilares do congresso foi a promoção de networking, essencial para integrar diferentes centros hematológicos do país e aproximar a SPH de parceiros nacionais e internacionais. “Estas parcerias não só ampliam os horizontes da hematologia portuguesa, como também nos permitem aprender com realidades diversas, por vezes com recursos limitados, o que é extremamente enriquecedor”, destacou a presidente.
Organizado rotativamente por um dos sete grandes centros de hematologia do país, o congresso é planeado sempre com antecedência, permitindo que cada comissão organizadora e científica desenvolvam uma programação robusta.
A edição de 2024 começou com cursos pré-congresso, que abordaram alguns temas menos explorados, direcionados especialmente a internos e jovens especialistas. Um formato concebido para oferecer espaço exclusivo a discussões científicas sem interferir com a programação dos dias principais do congresso.
Durante o evento, destacaram-se as sessões educacionais, que abrangeram temas oncológicos e não oncológicos, trazendo especialistas de renome. Entre as mesas redondas, a presidente destaca uma sessão luso-africana, que promoveu um diálogo valioso com profissionais de Países de Língua Oficial Portuguesa, evidenciando os esforços de cooperação internacional da SPH.
Maria Gomes da Silva afirmou que “o Congresso foi uma oportunidade única de reunir especialistas de várias partes do mundo, promovendo um intercâmbio de ideias e experiências.”
A presidente conta ainda que um dos momentos mais aguardados do congresso foi o simpósio conjunto da SPH e da Associação Europeia de Hematologia (EHA), que discutiu síndromes mielodisplásicas e de falência medular. Moderado pela presidente, ao lado do presidente da EHA, o simpósio contou com apresentações de especialistas de renome como o professor Delfim Duarte e o professor Kordasti, do King’s College Hospital em Londres, que abordaram a imunologia associada a essas condições. “Este foi, sem dúvida, um dos pontos altos do evento, pois o debate sobre essas patologias complexas trouxe à tona novas perspetivas para a gestão dessas doenças”, destacou Maria da Silva.
Os momentos dedicados à apresentação de trabalhos científicos também se mostraram fundamentais. Esta edição, organizada pelo Serviço de Hematologia Clínica da Unidade de Saúde Local São João, contou com diversas comunicações orais e uma série de pósteres, acompanhados de discussões conduzidas pelos autores, que ilustraram o compromisso da SPH com a disseminação do conhecimento científico nacional.
Desafios enfrentados pelos hematologistas
Entre os desafios enfrentados pela hematologia em Portugal, a presidente ressaltou a limitação de recursos e de infraestrutura adequada no Sistema Nacional de Saúde, um problema que impacta a motivação dos hematologistas. “É uma especialidade exigente, com jornadas de trabalho intensas e responsabilidades urgentes. Muitos dos obstáculos encontrados na especialidade não são exclusivos de Portugal”, explicou. A dificuldade em atrair médicos recém-formados para a área também é um problema crescente, observado em muitos países europeus.
Como resposta, a SPH tem investido na aproximação com as novas gerações de médicos. A criação do Grupo de Trabalho da Escolha da Especialidade visa ouvir os jovens hematologistas e encontrar formas de divulgar melhor a hematologia como uma opção de carreira. Um dos maiores eventos nesse esforço será o “Open Day” da Hematologia, programado para o dia 19 de fevereiro, que envolverá hospitais e faculdades de todo o país. “A ideia é mostrar aos estudantes de medicina o que a hematologia pode oferecer e como ela é uma especialidade entusiasmante, versátil e cheia de desafios e compensações”, afirmou, reforçando a importância do papel dos jovens na área.
A participação no Congresso Anual Internacional Medical Students (AIMS), organizado por estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa, é outro exemplo desse compromisso. “O nosso compromisso com a formação dos futuros hematologistas está em constante evolução, e este é apenas um exemplo de como estamos a ampliar as oportunidades de aprendizagem, contacto e disseminação da informação”, declarou.
O nosso compromisso com a formação dos futuros hematologistas está em constante evolução.
Para os próximos anos, Maria Gomes da Silva delineou como prioridades o fortalecimento das parcerias científicas, o investimento na formação e investigação e a promoção de projetos em países de língua oficial portuguesa. “O futuro da hematologia depende da nossa capacidade para atrair novos talentos, promover a inovação e garantir melhores condições de trabalho para os profissionais”, concluiu, reafirmando o compromisso da SPH com a excelência e a inovação no campo da hematologia.