Simulação em saúde: O futuro da formação e prática clínica em Portugal
Em entrevista exclusiva, Gustavo Norte, presidente da Sociedade Portuguesa de Simulação Aplicada às Ciências da Saúde (SPSim), partilha como a simulação está a revolucionar o ensino e a prática clínica no país. Destaca ainda todos os avanços, colaborações estratégicas e os objetivos futuros desta área em crescimento, que promete transformar a saúde em Portugal.
Perspetiva Atual: Para contextualizar os nossos leitores, gostaríamos de perceber de que forma a simulação pode impactar diretamente o ensino e a prática clínica em Portugal? E como tem a Sociedade trabalhado para aumentar o reconhecimento desta área junto do público e das instituições?
Gustavo Norte: A simulação em saúde é uma abordagem inovadora que transforma tanto o ensino como a prática clínica, ao criar ambientes seguros para o treino de competências técnicas e sociocognitivas, como a comunicação e liderança. Utilizando cenários que replicam situações clínicas reais, os profissionais podem treinar, errar e aprender sem colocar os pacientes em risco. A integração da simulação no ensino permite formar profissionais mais preparados para lidar com a complexidade da prática clínica. Para além da componente educativa, a simulação pode ser utilizada como ferramenta para planear, testar e otimizar processos, circuitos de doentes e profissionais e até instalações, minimizando os riscos e reduzindo custos associados.
A simulação em saúde é uma abordagem inovadora que transforma tanto o ensino como a prática clínica.
A SPSim tem trabalhado para promover a relevância da simulação junto de instituições de ensino e saúde, organizando eventos, workshops, e estabelecendo parcerias estratégicas e científicas. Um exemplo disso foi a recente reunião com representantes de todas as faculdades de Medicina para estabelecer um consenso sobre o uso da simulação no ensino pré-graduado de Medicina.
PA: Tendo em conta que estamos no final do ano, e respetivamente no final do mandato da direção atual, que reflexão podem fazer acerca dos marcos e objetivos atingidos?
GN: Este mandato foi particularmente frutífero, marcado por importantes avanços no reforço da simulação em saúde, tanto a nível nacional como internacional. Destacamos, com satisfação, o sucesso do congresso anual da SPSim 2024, em Faro, e a realização do Congresso anual da SESAM (Society for Simulation in Europe) em Lisboa, em 2023. Este último foi um marco especial, pois a SPSim empenhou-se ativamente para que este evento de grande relevo internacional fosse realizado em Portugal, consolidando a posição do nosso país como referência na área da simulação.
Estamos igualmente orgulhosos das colaborações internacionais estabelecidas ao longo deste período, que nos permitiram participar nos principais palcos mundiais e trazer visibilidade à simulação portuguesa. Além disso, foi possível alargar o impacto da simulação a áreas ainda pouco desenvolvidas, como a formação de técnicos de saúde, promovendo uma abordagem mais inclusiva e transversal.
Estes resultados refletem o trabalho contínuo e constante da direção, que tem pautado a sua atuação pela dedicação e pelo compromisso com a excelência. Embora estejamos satisfeitos com o que foi alcançado até agora, reconhecemos que o trabalho continua. A nossa missão de tornar a simulação uma prática acessível e integrada em todo o país ainda enfrenta desafios, mas acreditamos que os alicerces agora estabelecidos permitirão avanços ainda maiores no futuro.
PA: A Sociedade tem colaborado com diversas instituições de saúde e de ensino e contém uma vasta rede de parceiros nacionais e internacionais. Gostaríamos de perceber quais as mais relevantes e quais os resultados alcançados?
GN: Um dos grandes marcos foi a participação no Global Consensus Statement on Simulation-Based Practice in Healthcare um consenso global que envolveu mais de 50 sociedades e 67 países, que revelou as principais prioridades na adoção generalizada de práticas de simulação.
No campo da colaboração internacional, demos passos importantes com a criação do Comité Internacional de Colaboração Científica entre Associações de Simulação (CICCAS) e na formalização de acordos de cooperação com as sociedades espanhola, marroquina e argentina de simulação, além das parcerias já existentes, de forma a elevar o conhecimento científico na área e aumentar os benefícios para os nossos sócios. Outro marco relevante foi a organização do 1º Encontro Ibero-Americano de Educação Baseada em Simulação Clínica (RETS-SIM) que fomentou a troca de experiências entre países de língua portuguesa e espanhola.
Destacam-se também a realização de eventos nacionais de relevo, como o Congresso SPSim 2024, em Faro, com a participação de cerca de 150 entusiastas da simulação, e o SimUniversity Portugal 2024, na Covilhã, uma competição que reúne equipas de estudantes de diversas escolas médicas nacionais, desafiando-os a participar em cenários realistas com recurso à simulação. Adicionalmente, publicámos um artigo científico relacionado com o Registo Nacional de Centros de Simulação, um passo crucial para mapear e compreender a infraestrutura nacional existente, e facilitar a colaboração e intercâmbio de experiências entre centros de simulação (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38623142/).
PA: Para os profissionais de saúde, que iniciativas de formação e capacitação têm sido promovidas e merecem o seu devido destaque?
GN: Desde 2017 que realizamos o nosso Curso Básico de Instrutores de Simulação, contando com mais de 25 edições e formado cerca de 250 instrutores em todo o país. Este curso é desenhado para qualquer profissional de saúde que pretenda utilizar a simulação como metodologia de aprendizagem e treino, é baseado nas melhores práticas internacionais e adaptado às necessidades formativas dos participantes. Para além deste curso, a SPSim concede Patrocínio Científico a eventos, cursos, congressos e workshops de outras entidades, relacionados com ou que utilizem simulação, garantindo que os participantes atendam aos mais altos padrões de qualidade.
PA: O Congresso de Simulação que ocorrerá na cidade do Porto, de 3 a 5 de abril de 2025, é um marco importante para a Sociedade. O que nos podem revelar acerca dos principais objetivos, e o que podem esperar os participantes ao nível de temas, formações e workshops?
GN: O Congresso SPSim 2025 tem como lema “Investir em Simulação e Promover a Saúde”, refletindo a nossa convicção de que o investimento nesta área tem um retorno direto na qualidade dos cuidados prestados. Os participantes poderão desfrutar de um programa amplo e dinâmico, com temas que vão desde tecnologias emergentes, como realidade virtual e inteligência artificial, até à aplicação prática de métodos como simulação com atores, debriefing estruturado e simulação interprofissional. Será também dada ênfase à capacitação de formadores e à análise dos impactos clínicos da utilização da simulação.
O evento terá uma forte componente interativa, com workshops práticos e sessões hands-on que permitirão aos participantes experimentar diretamente as ferramentas e metodologias mais inovadoras. Além disso, empresas líderes no setor da simulação estarão presentes para exibir as suas soluções mais recentes, proporcionando aos participantes a oportunidade de explorar tecnologias de ponta que podem transformar tanto a formação como a prática clínica.
O Congresso promete ser um ponto de encontro para a troca de ideias, partilha de boas práticas e criação de redes de colaboração, reforçando a posição da SPSim como um ator central na simulação em Portugal.
O Congresso promete ser um ponto de encontro para a troca de ideias, partilha de boas práticas e criação de redes de colaboração.
PA: Que perfil de convidados e palestrantes marcarão presença no Congresso de 2025, e de que forma essas intervenções contribuirão para o avanço da simulação na área da saúde?
GN: O Congresso SPSim 2025 contará com um painel de convidados de alto nível, reunindo líderes e especialistas nacionais e internacionais na área da simulação em saúde. Entre os palestrantes confirmados, teremos o atual presidente da SESAM e três ex-presidentes desta prestigiada organização, que trarão uma visão abrangente sobre as tendências globais e o futuro da simulação.
Além destes, outros palestrantes internacionais reconhecidos pela sua experiência em áreas como inovação tecnológica e debriefing enriquecerão o programa com perspetivas valiosas e baseadas em evidência. No plano nacional, destacados profissionais portugueses irão partilhar as suas experiências e boas práticas, destacando os avanços nos seus centros de simulação e atividades formativas.
Estas intervenções contribuirão para o avanço da simulação em saúde ao promoverem a partilha de conhecimentos, o debate sobre novos desafios e oportunidades, e a inspiração para a implementação de iniciativas inovadoras em diferentes contextos.
PA: Quanto ao futuro, que planos estratégicos tem em vista a Sociedade, para os próximos anos? Há alguma iniciativa planeada que possam partilhar com os nossos leitores?
GN: O futuro da SPSim passa por consolidar os avanços já alcançados e expandir a utilização da simulação a nível nacional. Dos nossos objetivos estratégicos, salientamos a promoção da simulação pelas instituições de ensino em saúde a nível nacional e a expansão da colaboração nacional e internacional com outras instituições e sociedades científicas de modo a aumentar a oferta de mais-valias aos nossos sócios. Planeamos também investir na digitalização, explorando o potencial da formação online e híbrida para as nossas iniciativas.
Claro que estas iniciativas estarão a cargo da nova direção que empossará após o nosso Congresso SPSim 2025 sendo, no entanto, uma visão concertada dentro da SPSim e comunidade de simulação portuguesa.A simulação é uma ferramenta poderosa e acreditamos que, com o apoio de todas as partes interessadas, conseguiremos transformar a saúde em Portugal para melhor.