Contribuir para o desenvolvimento da Matemática e da Ciência

Num mundo cada vez mais orientado por algoritmos e equações, o Centro de Análise Matemática, Geometria e Sistemas Dinâmicos (CAMGSD), iniciado em 1991, dedica-se à investigação da matemática nas suas vertentes mais fundamentais e aplicadas. Como explica o Diretor do CAMGSD, Pedro Resende: “A matemática abstrata voa nos nossos aviões, ajuda a projetar pontes e redes de telecomunicações e torna possível a transação segura de informação”, uma influência discreta, porém indispensável, em quase todos os domínios da vida. Com mais de 190 colaborações internacionais e um novo ciclo de financiamento da FCT, o Centro pretende “manter e fazer evoluir este património”, garantindo que Portugal continua a ter lugar nas grandes redes científicas nacionais e internacionais.

Perspetiva Atual: Fundado em 1991, o Centro de Análise Matemática, Geometria e Sistemas Dinâmicos é uma unidade de investigação e formação científica dedicada ao estudo da matemática. As suas áreas de atuação incluem análise não linear, sistemas dinâmicos, geometria e topologia, em articulação com diferentes áreas da ciência, da engenharia e as suas aplicações. Tendo em conta esta ampla abrangência científica, qual é a missão que orienta o Centro?

Pedro Resende: A matemática é uma expressão fundamental da capacidade humana de descobrir factos surpreendentes a partir de hipóteses distantes. Embora abstrata, a base da matemática está na relação com o mundo físico através de capacidades cognitivas como contar e visualizar formas. A matemática de hoje é uma expansão enorme dessa base, tornou-se a linguagem da ciência e da tecnologia, presente em quase todas as áreas da sociedade moderna, muitas vezes ao nível de conceitos sofisticados, muito para além da familiar matemática elementar do nível pré-universitário.

Embora os conceitos e a investigação em matemática surjam muitas vezes de forma livre e motivada pelo próprio contexto da área, ao longo da história revelaram aplicações em diversos domínios, onde assumem um papel estruturante. A matemática abstrata voa nos nossos aviões, ajuda a projetar pontes e redes de telecomunicações, organiza a logística de grandes aeroportos e torna possível a transação segura de informação confidencial na internet. Podemos pensar na matemática como um grande iceberg que debaixo de água tem as áreas mais profundas da chamada matemática pura, enquanto que fora de água surgem as aplicações visíveis em diversas outras áreas. Esta estrutura foi desenvolvida ao longo de milhares de anos com contribuições de várias civilizações. É um património da Humanidade que é preciso manter e fazer evoluir de forma saudável. A missão do Centro é contribuir para este esforço, sobretudo nas áreas da análise, sistemas dinâmicos, geometria e física matemática, bem como contribuir para aplicações destas áreas na ciência em geral e na sociedade. Todas as grandes instituições científicas têm centros de matemática de excelência, verdadeiros guardiões da matemática.

PA: O Centro apoia bolsas e estágios para os estudantes de pós-graduação e cria condições para que os seus membros desenvolvam atividades de investigação a nível nacional e internacional. Acreditam que a criação de condições de pesquisa “além fronteiras” influencia a eficácia do estudo científico e alicerça o CAMGSD enquanto Centro?

PR: Sim, sem dúvida. A ciência de alta qualidade hoje é uma atividade profundamente colaborativa a nível internacional. Aliás, o desenvolvimento da ciência sempre transcendeu fronteiras entre países e continentes. Atualmente, graças às ferramentas quase instantâneas de comunicação, quer escrita quer de imagem viva dos interlocutores, a conectividade internacional da ciência foi ainda mais reforçada. No entanto, e em especial numa área como a matemática, o contacto presencial entre investigadores é fundamental. É possível desenvolver projetos com colaboradores à distância mas, em certas fases do processo criativo, a colaboração presencial é crucial. É frequente que nalguns dias de colaboração presencial se consigam desbloquear problemas que persistiram durante meses. É a natureza humana.

Criar condições para que os estudantes possam desenvolver parte da sua investigação no estrangeiro promove o acesso a redes internacionais, facilita a troca de conhecimentos e potencia a resolução de problemas científicos de forma mais rápida e robusta. Ao incentivar a mobilidade de estudantes e investigadores, o CAMGSD reforça a sua posição enquanto centro de excelência e aumenta a sua visibilidade internacional.

PA: Quais parcerias ou colaborações o CAMGSD tem estabelecido para alcançar os seus objetivos?

PR: O CAMGSD tem consolidado uma vasta rede de colaborações nacionais e internacionais, fundamentais para alcançar os seus objetivos de investigação. Atualmente, o Centro mantém cerca de 190 colaborações internacionais, com institutos de investigação de grande prestígio, como o IMPA (Brasil), o MIT (EUA), o ETH (Suíça) ou as universidades de Cambridge e Oxford (Reino Unido). Estas parcerias reforçam a visibilidade internacional do CAMGSD e asseguram uma troca contínua de conhecimento científico ao mais alto nível.

Em Portugal, o CAMGSD colabora com vários centros de investigação e universidades, incluindo a Universidade do Minho e o ISCTE, em Lisboa. Os seus investigadores desenvolvem colaborações com outros centros de investigação inseridos no ecossistema científico do Técnico, como o Centro de Astrofísica e Gravitação (CENTRA), o Centro de Matemática Computacional e Estocástica (CEMAT) e o Grupo de Física Matemática (GFM). Estas sinergias potenciam competências complementares, fortalecem a investigação interdisciplinar e ampliam o impacto científico do CAMGSD.

PA: Em relação ao setor empresarial, de que maneira os trabalhos desenvolvidos pelos investigadores do Centro podem influenciar a atuação de empresas em diferentes áreas?

PR: A investigação do Centro foca-se, sobretudo, a montante do processo de aplicação direta aos meios empresariais ou industriais — recorrendo à metáfora do iceberg, situa-se maioritariamente no enorme volume que é invisível fora de água. Como mencionámos acima, este processo de desenvolvimento científico ao nível da matemática e das suas aplicações deve ser entendido a médio e longo prazo. Aliás, uma visão imediatista do progresso científico é extremamente perigosa para o desenvolvimento da ciência e das suas aplicações tecnológicas, e logo para o bom desenvolvimento da sociedade em geral, para além de ser também historicamente incorreta.

Não obstante, o Centro desenvolve também atividades com impacto mais imediato noutras áreas do conhecimento. Por exemplo, membros do Centro participaram recentemente em estudos sobre a morfologia da zona da Ria Formosa e no estudo matemático da aprendizagem automática, uma área essencial no desenvolvimento tecnológico atual e que é uma componente essencial da inteligência artificial.

Obviamente, o Centro acolhe e estimula fortemente estas iniciativas que, não é demais reforçar, utilizam essencialmente ferramentas avançadas da matemática. Apesar do perfil do Centro se situar sobretudo na investigação fundamental, mantemos uma atenção constante a áreas aplicadas onde possam surgir novas colaborações, incluindo tópicos de grande interesse societal como as alterações climáticas ou a transição alimentar.

PA: O CAMGSD e os seus membros consideram muito importante o envolvimento em programas de extensão dirigidos a jovens interessados em Matemática. Como é que as pessoas podem ficar a conhecer as iniciativas organizadas pelo CAMGSD?

PR: As atividades de divulgação da matemática, e da ciência no seu todo, junto dos jovens e do público em geral são de uma importância vital. O Centro participa ativamente em eventos como a “Noite Europeia dos Investigadores”, o “Dia Aberto do Técnico” ou em atividades em escolas básicas e secundárias, promovendo o contacto direto dos membros do Centro com estudantes e outro público. O Centro tem ainda participado em programas nos media como o “CNN Inovação” e “90 minutos de Ciência”. Estas atividades de divulgação podem ser consultadas na página web do Centro.

PA: De que forma é que os estudantes das instituições de ensino onde está inserido têm um papel ativo na investigação realizada no CAMGSD?

PR: É frequente que teses de mestrado e de doutoramento orientadas por membros do Centro resultem em publicações científicas de excelência, elevando ao mesmo tempo a qualidade científica do CAMGSD e destes programas académicos. É também frequente que alunos orientados por membros do Centro prossigam depois as suas carreiras académicas em instituições científicas internacionais de topo, graças à excelente rede de ligações científicas que o Centro tem a nível global através dos seus membros.

PA: Convidamo-vos agora a fazer uma retrospetiva deste ano que termina daqui a 3 meses. O que foi alcançado pelo Centro e deixou a comunidade mais orgulhosa?

PR: O ano de 2025 marca o início de um novo ciclo de financiamento de 5 anos, no que toca ao financiamento do Centro suportado diretamente pela FCT. Embora muitos membros do Centro tragam ainda fundos adicionais através de projetos próprios, nacionais e internacionais, este financiamento direto pela FCT é de importância nuclear para as atividades do CAMGSD. Para além dos inúmeros resultados científicos de excelente qualidade que foram obtidos este ano, devemos orgulhar-nos do nosso programa de qualificação de recursos humanos. Através do nosso programa de bolsas e de contratos de investigação, continuamos a apoiar o desenvolvimento académico e das carreiras científicas de alunos de Licenciatura, Mestrado, Doutoramento e também de Investigadores, e a contribuir para a fixação de emprego científico em Portugal, cuja importância para a investigação e a inovação é crucial para a nossa sociedade.