“A partilha de conhecimento é fonte geradora de progresso”
Com mais de 30 anos e 50 mil implantes colocados, João Caramês, fundador e diretor do Instituto de Implantologia®, abre o livro da sua trajetória enquanto profissional de medicina dentária e explica o funcionamento do Caramês Classication, sistema de classificação para reabilitação total com implantes do qual é autor.
Perspetiva Atual: Soube desde sempre que a medicina dentária seria o seu caminho? Que linhas o guiaram ao longo do caminho que o levou a chegar até à carreira que tem hoje?
João Caramês: Desde muito cedo desenvolvi o gosto pelas ciências médicas, em particular pela área cirúrgica aliada à vertente estética e funcional. Encontrei na Medicina Dentária o caminho para cumprir esta vocação. A Medicina Dentária não é apenas sinónimo de cuidar ou devolver um sorriso bonito aos pacientes. Para além do bem-estar psicológico que tal representa para o paciente, a Medicina Dentária garante fundamentalmente uma adequada saúde oral com impacto relevante na saúde geral. Após concluir a licenciatura em Medicina Dentária, em 1986, iniciei uma colaboração com a Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa como assistente convidado.
Neste período tive o privilégio de aprender com o exemplo inspirador do Professor Doutor Simões dos Santos, e que para sempre marcou o meu percurso enquanto clínico e docente da Faculdade de Medicina Dentária de Lisboa. Os anos que vivi mais tarde nos Estados Unidos representaram também um importante investimento profissional e pessoal, fundamentais neste longo caminho com mais de 30 anos. Se por um lado o trabalho desenvolvido em Nova Iorque obteve distinção e diferenciação, colheu também a amizade e o reconhecimento académico de outros grandes “mestres” da Medicina Dentária mundial, em particular da Implantologia como o Dr. Dennis Tarnow.
PA: Depois de completar a sua formação em Portugal, rumou aos Estados Unidos onde se tornou pós-graduado em Reabilitação Oral e Implantologia pela New York University. O que o levou a tomar esta decisão?
JC: No início da década de 90, a formação pós-graduada nas áreas em que me decidi diferenciar, Implantologia e Reabilitação Oral, escasseava em Portugal e na Europa. Aqui e ali iam surgindo colegas com experiência diversa na área, contudo, subsistia um cariz experimental em torno da reabilitação com implantes. Os Estados Unidos e em particular a escola de Nova Iorque (Universidade de Nova Iorque, NYU) representavam nesse período um exemplo ímpar de avanço e atualização. Na Universidade de Nova Iorque tive o privilégio de ser integrado numa equipa onde figuravam médicos como Dennis Tarnow, Steven Wallace, Stephen Chu ou Leonard Linkow. Estas figuras incontornáveis da história da profissão, fizeram-me crescer como clínico e como professor. A ida para os Estados Unidos foi importante não apenas pela experiência clínica e o conhecimento científico adquirido, mas também pela vivência empreendedora transmitida pela sociedade americana. A América representa um país de oportunidades, que permeia o cidadão pelo seu trabalho e pelo mérito. Revejo-me nesta forma de estar e de encarar os novos desafios.
PA: Os conhecimentos que adquiriu no estrangeiro deram-lhe a coragem e confiança que necessitava para criar a sua própria unidade de saúde?
JC: Sem dúvida. Após este período de intensa formação, a minha maior motivação foi a de trazer “know-how” para os pacientes em Portugal. O Instituto de Implantologia tem a sua génese no sonho americano que esta experiência de vida me proporcionou. Senti-me pioneiro na implementação de certas técnicas cirúrgicas em Implantologia e com a enorme determinação de promover um centro multidisciplinar único em Portugal dedicado às áreas da Implantologia, Cirurgia e Reabilitação Oral.
PA: O Instituto de Implantologia® abriu portas em 1996 e tornou-se uma referência no campo da Medicina Dentária portuguesa. Qual era a sua ambição quando criou esta unidade? Como surgiu esta ideia?
JC: Como referi, a ideia surgiu ainda durante o meu período de formação pós-graduada. Quando regresso a Portugal estou ciente de que apenas a partilha de conhecimento é fonte geradora de progresso. Foi com esta ambição que nasceu o projeto Instituto de Implantologia, e que hoje conta com 26 anos de história. Ao atribuir a oportunidade (tal como me foi dada nos Estados Unidos), acolheram-se colegas que cresceram e fizeram crescer o Instituto de Implantologia®. Dando lugar a uma cultura de inquestionável mérito, promoveu-se um corpo clínico composto por médicos dentistas com assinalável diferenciação académica pós-graduada e qualidade clínica. Pela atividade clínica hoje desenvolvida, produção académica e espírito inovador quase todos granjeiam merecido reconhecimento internacional. São também eles os responsáveis por tornarem o Instituto de Implantologia® um dos principais centros de referenciação para a resolução de casos clínicos e reabilitações orais complexas. Desta forma, foi possível gerar uma equipa clínica de excelência não apenas na área da Implantologia, mas também nas restantes áreas da Medicina Dentária. A todos eles juntam-se mais de uma centena de colaboradores que diariamente procuram garantir a exclusividade ao paciente que nos procura. Infelizmente vivemos uma época em que cada vez mais se observa a desumanização do ato médico. O fator qualidade é muitas vezes preterido em face da quantidade. Em sentido contrário, o Instituto de Implantologia® tem procurado aperfeiçoar as condições de acolhimento e tratamento que conferem a merecida singularidade ao paciente e ao seu caso clínico. Entendo igualmente como dever responder pessoalmente a todos os pacientes que diariamente solicitam a minha ajuda ou opinião clínica. Quer para a resolução de reabilitações orais complexas ou de complicações pós-reabilitação com implantes decorrentes de tratamentos prévios. Apenas a centralização do espaço físico do Instituto de Implantologia®, em Lisboa, nos permite cumprir este princípio de bem-tratar.
PA: É ainda autor de um sistema de classificação para reabilitação total com implantes – Caramês Classication – focado nas características individuais de cada paciente, sendo hoje utilizado em todo o mundo. Como surgiu a ideia de criar este projeto e de que forma veio ajudar na evolução da medicina dentária?
JC: A “Carames Classification” decorre de uma longa experiência clínica de mais de 25 anos na reabilitação do paciente desdentado total ou candidato a uma reabilitação total fixa com implantes. Este sistema de classificação considera primordial as informações clínicas do paciente como base do processo de tomada de decisão terapêutica. Fatores médicos, biomecânicos, anatómicos, desenho protético e expectativas do paciente são congregadas e tomados como o ponto de partida para avaliar e classificar cada caso clínico. Todos os pacientes são únicos e necessitam de uma abordagem individual para o seu caso. Esta classificação vem, por isso, contrariar a ideia de que uma técnica cirúrgica padrão pode ser aplicável a todo o tipo de casos. Para o surgimento desta proposta analisámos retrospetivamente 3500 arcos edêntulos operados e reabilitados no Instituto de Implantologia.
Os muitos milhares de pacientes que connosco partilham a satisfação por um ‘novo sorriso’, uma maior autoestima, uma melhor saúde são a razão do presente sucesso da nossa equipa e comprovam o sentido da “Carames Classification”. A consciência deste sucesso e a postura pioneira que sempre assumimos, são a nossa maior motivação para o futuro. Em prol do paciente e da pessoa que nos procura.
PA: Não passou muito tempo desde a altura em que a medicina dentária era vista como um “extra” na saúde, a que poucos davam atenção. Na sua perspetiva, em que ponto se encontra a saúde oral em Portugal?
JC: Quando há 26 anos senti necessidade de emigrar, a realidade era bem diferente dos dias de hoje. Durante estes anos desenvolveu-se uma importante e experiente “massa crítica” de clínicos que contribuíram para elevar a qualidade da Medicina Dentária praticada em Portugal. Como exemplo disso, observámos o alargamento e a introdução de novos colégios de Especialidade em Medicina Dentária. No panorama internacional, a Medicina Dentária Portuguesa é hoje reconhecida pela presença frequente de colegas em prestigiados congressos ou sociedades científicas nas diversas áreas da Medicina Dentária.
Apesar dos recursos humanos estarem ao nível do melhor que se encontra noutros países da Europa, devemos reconhecer que uma parte significativa da população continua sem acesso aos cuidados primários e secundários de saúde oral. A percentagem de pacientes com pelo menos a ausência de um dente, segundo o Barómetro de Saúde Oral 2022, continua alta e próximo dos 68%. Este e outros indicadores colocam-nos ainda abaixo da média europeia. No contexto maioritariamente privado do exercício da profissão, a maioria dos colegas tem procurado a formação contínua e assumido um papel crucial na promoção da saúde oral.
Infelizmente, o elevado crescimento do número de médicos dentistas em Portugal tem permitido o surgimento de práticas concorrenciais nem sempre saudáveis, alguma permeabilidade a situações de publicidade enganosa e à intervenção de grupos empresariais que nem sempre demonstram o superior interesse de bem tratar o paciente. Este cenário deve ser partilhado com a sociedade e gera nos médicos dentistas uma postura coesa e proactiva para uma crescente literacia em relação às boas práticas de saúde oral.
PA: O que falta na medicina dentária em Portugal para que seja possível uma maior evolução?
JC: Partindo da conclusão à resposta anterior, é fundamental a chegada de uma correta literacia para boas práticas de saúde oral junto da população. Pois não é possível conceber uma boa saúde geral, sem uma adequada saúde oral. A Medicina Dentária em Portugal acompanha a nível dos tratamentos prestados os mais significativos avanços tecnológicos. Contudo, é ainda se necessário reforçar os cuidados de prevenção. O alargamento sustentável da rede de centros de saúde prestadores, a prestação de tratamentos num justo equilíbrio que defenda a qualidade e a dignificação do ato médico por parte dos profissionais ou o reconhecimento e inclusão do médico dentista na carreira do SNS são alguns dos desafios que se deveriam perspetivar no futuro para reforçar a ligação do médico dentista a toda a população.
PA: Que técnicas lançadas nos últimos anos mudaram o paradigma da saúde oral mundialmente? Quais dessas técnicas são utilizadas no Instituto que dirige?
JC: O futuro da Medicina Dentária orienta-se no sentido de proporcionar ao paciente cada vez mais conforto e uma menor invasividade nos tratamentos prestados. O rápido desenvolvimento da era digital veio prestar um importante contributo. Potenciar a tecnologia disponível com a nossa experiência clínica parece ser a fórmula para continuarmos pioneiros na prestação de tratamentos em todas as áreas da Medicina Dentária. Provavelmente a Medicina Dentária constitui um dos expoentes da era digital na Saúde. Pelo surgimento e aplicação da tomografia computorizada por feixe cónico (CBCT) no estudo radiológico a três dimensões dos ossos faciais e arcadas dentárias que sujeita o paciente a uma considerável menor dose de radiação por comparação com a tomografia computorizada.
Mas também pelo comum recurso à radiografia intra-oral digital no diagnóstico ou na área da Prostodontia e Implantologia pelo surgimento ao longo dos últimos anos de softwares de planeamento virtual da reabilitação cirúrgica e protética baseado na tecnologia CAD, Computer Aided Design. Validou-se igualmente o acesso à produção laboratorial mais precisa de componentes protéticos e próteses unitárias (coroas e facetas) ou múltiplas a partir de materiais cerâmicos de alta resistência (de que é exemplo a zircónia) com recurso à mesma tecnologia em associação à tecnologia CAM, Computer Aided Manufacture.
A um nível complementar verificou-se um considerável “boom” tecnológico que fez surgir scanners intraorais de alta resolução e impressoras 3D capazes de acompanhar o fluxo de trabalho nas várias etapas da reabilitação oral do paciente. Este último passo veio abrir novos horizontes de diagnóstico, planeamento e tratamento até então inexistentes e que dão hoje possibilidade a um fluxo de trabalho exclusivamente digital. Um scanner intraoral de alta resolução realiza milhares de pequenos registos através de uma pequena câmara. Sem qualquer desconforto para o paciente, esta captação de imagem necessita apenas da sua moderada abertura bucal. Para além do paciente visualizar a sua situação inicial, mais facilmente ser-lhe-á explicado o plano de tratamento a realizar. O ficheiro informático (que designamos por STL) gerado pode ser aplicado para tratamentos tão diversos como executar a coroa de um dente ou de vários dentes, produzir uma guia cirúrgica de elevada precisão para a colocação de implantes, ou conceber uma série de alinhadores transparentes capazes de corrigir o mal posicionamento dentário. No Instituto de Implantologia empenhámo-nos em adquirir e formar os médicos para a utilização destas ferramentas. A sua utilização permite comunicar melhor com o paciente, mas também planear e executar o tratamento com maior conforto e precisão.
PA: Para além de todo o trabalho que realiza enquanto médico, soma também o cargo de Diretor da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa. Como é que o ensino entra na sua vida? Qual é a sua visão e missão enquanto Diretor de uma instituição como a FMDUL?
JC: A Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa foi das primeiras escolas de Medicina Dentária a formar médicos dentistas em Portugal. O sucesso alcançado na sua fundação deve-se muito ao papel empreendedor e inovador do Professor Doutor Simões dos Santos. Como referi anteriormente, foi pelo seu convite que ingressei na FMDUL como assistente convidado da unidade de Oclusão. Desde então, procurei sempre atribuir importante e humilde contributo à consolidação do prestígio académico nacional e internacional da FMDUL, nesta área, mas também na Cirurgia Oral e Implantologia. Tive a honra ser nomeado Diretor da FMDUL num período particularmente difícil e condicionado pela crise pandémica, como o do triénio 2020-2023. Encarar as dificuldades como desafios, dosear a ambição com sustentabilidade e procurar congregar o esforço e o mérito de todos os que compõem a comunidade da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa foram princípios que estabeleci como necessários para o sucesso da instituição no presente e futuro. Nos últimos anos observou-se a expansão, modernização e crescimento da FMDUL. Não obstante um plano de gestão rigoroso, não abdicamos desta modernização e inovação da Faculdade. Por isso, um dos mais recentes e aliciantes projetos em curso, e que decorreu da obtenção de financiamento externo foi o da “cidade digital”. Este tem por objetivo associar uma diversidade de tecnologias que permitirão criar o paciente virtual e aumentar a previsibilidade dos tratamentos. A criação desta plataforma de trabalho é fundamental para o ensino universitário de ponta, pois permitirá ao aluno simular e planear todas as fases do tratamento de uma forma virtual, adquirindo e treinando competências adicionais antes da intervenção clínica.
PA: O que ainda falta fazer para se sentir 100% realizado a nível profissional?
JC: O meu maior projeto futuro será garantir a continuidade deste sentido de liderança e pioneirismo pela minha equipa, quer pela inovação no exercício clínico, quer pela promoção da investigação na área da Cirurgia Oral e Implantologia. Pretendo gerar gradualmente um legado de conhecimento aos colegas mais novos da nossa equipa. Serão também eles o futuro da Implantologia, Cirurgia Oral e Reabilitação Oral em Portugal. Os mais de 30 anos de exercício da profissão, humildemente geram esta consciência e responsabilidade.