
“O MED destaca-se pela multidisciplinaridade e pela capacidade de integrar saberes da agricultura, ambiente e sustentabilidade”
A partir de Évora, com raízes em Beja e Faro, o MED – Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento reúne investigadores de múltiplas áreas num propósito comum: transformar conhecimento em práticas sustentáveis e aproximar o futuro da agricultura, da floresta e do ambiente. À Perspetiva Atual, a Diretora do MED, Fátima Baptista, partilha o que distingue esta unidade, as pontes que constrói entre a ciência e a sociedade, assim como o papel que assume na preservação da identidade mediterrânica.
Perspetiva Atual: O MED – Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento afirma-se como a maior unidade de investigação nacional em temas que integram a agricultura e a floresta, a alimentação, o ambiente e o desenvolvimento rural em ambiente mediterrânico, sediado na Universidade de Évora, com pólos de investigação em Beja e Faro. O que distingue a investigação feita aqui de outras instituições no país?
Fátima Baptista: O MED é uma Unidade de I&D sediada na Universidade de Évora, com polos em Beja (CEBAL) e Faro (Universidade do Algarve), enraizada no sul de Portugal e ligada às realidades agrícolas e ambientais do Mediterrâneo. A investigação centra-se na sustentabilidade dos agroecossistemas especialmente vulneráveis às alterações climáticas e à pressão sobre os recursos naturais, procurando soluções inovadoras que nascem da prática e retornam à sociedade. Com 440 membros, o MED destaca-se pela multidisciplinaridade e pela capacidade de integrar saberes da agricultura, ambiente e sustentabilidade. O trabalho é transdisciplinar, próximo dos setores sociais. Na última avaliação da FCT, o MED manteve a classificação de Excelente, reconhecendo a qualidade e o impacto da sua investigação.

PA: Como é que os resultados da investigação do MED chegam de forma prática aos agricultores, produtores florestais ou entidades políticas? Como se realiza a transferência de conhecimento?
FB: Procuramos que os resultados da investigação cheguem aos agricultores, produtores florestais, empresas e entidades públicas, através de processos de co-construção que envolvem o setor produtivo desde o início e garantam soluções úteis e aplicáveis. Exemplos emblemáticos são as Tertúlias do Montado, plataforma de diálogo transdisciplinar com mais de 300 participantes, a iniciativa do CEBAL de promover dezenas de protocolos com PMEs regionais e ações de inovação com mais de mil participantes, ou o REVITALGARVE, da Universidade do Algarve, que cria modelos para a organização de sistemas alimentares locais, envolvendo produtores regionais. Outros exemplos poderiam ser dados, como o Plano de Sustentabilidade do Azeite do Alentejo. O MED integra ainda o Laboratório Associado CHANGE, em parceria com o CE3C (FCUL) e o CENSE (FCT NOVA), reforçando a capacidade de informar políticas públicas com base científica.

(Foto: UDIT-MED)
PA: Tratando-se de um Instituto sediado no Alentejo, de que modo a identidade alentejana influencia a abordagem científica e os objetivos do MED? Existem alguns projetos em curso que mereçam particular destaque?
FB: Embora o MED reúna investigadores de várias origens, a localização no Sul e em contexto mediterrânico molda profundamente as suas prioridades científicas. É nesta região que os efeitos das alterações climáticas são mais intensos, coexistindo biodiversidade única, sistemas agrícolas de elevado valor natural e fortes pressões sobre o solo, a água e o território. Os desafios do MED nascem da prática: garantir segurança alimentar, preservar produtos mediterrânicos, gerir recursos escassos e valorizar os serviços dos ecossistemas, agravados por alterações climáticas e pressões demográficas. Este contexto faz do Sul de Portugal um laboratório vivo de inovação científica. O painel internacional de avaliação da FCT destacou o MED como referência na interface entre ciência e sociedade para os estudos mediterrânicos. Projetos como a criação de paisagens inteligentes face ao fogo e ao clima, ou o modelo de pagamentos por resultados agroambientais para o Montado onde o MED é a primeira unidade de investigação em Portugal a coordenar e gerir cientificamente um instrumento de política da PAC, reforçam o papel na ligação entre ciência e decisão política e exemplificando a ambição que orientam a nossa investigação.

trabalho no Laboratório de Nematologia MED
(Foto: UDIT MED)
PA: O MED assenta num conceito virado para as exigências do futuro, sendo uma unidade de investigação onde a integração de conhecimento e abordagem sistémica são fundamentais. Quais têm sido as colaborações internacionais mais relevantes para reforçar este compromisso e ampliar o impacto da vossa investigação?
FB: A internacionalização é um dos pilares do MED e uma das principais razões do impacto crescente da nossa investigação. Participamos em mais de uma centena de projetos internacionais, em programas Horizon Europe, PRIMA, Biodiversa, COST, Marie Skłodowska-Curie e ERASMUS+, em colaboração com universidades, centros de investigação e empresas maioritariamente da Europa e da bacia mediterrânica. As nossas colaborações estendem-se a redes internacionais como a UNIMED, EU-GREEN ALLIANCE, ITD–Alliance, EURAGRI, EurAgEng, IUFRO, FONCIMED e ELIXIR Hub, que reforçam a abordagem sistémica e interdisciplinar do MED. Estas parcerias têm permitido organizar congressos internacionais de grande dimensão, dedicados p.e. ao restauro hídrico, à ecologia da paisagem, à agrobiotecnologia aplicada, à engenharia rural, ao Montado ou às pastagens.

PA: Os investigadores do MED trabalham com a ambição de encontrar soluções para questões do mundo real, cruzando seis grupos de investigação. Quais são os maiores desafios, e também as maiores oportunidades, de trabalhar de forma tão interdisciplinar?
FB: Esta forma de trabalhar, estruturada por áreas disciplinares e metodológicas, que convergem em linhas temáticas comuns permite cruzar saberes, integrar dados e analisar os problemas a partir de múltiplas perspetivas, enriquecendo a compreensão e a capacidade de resposta científica. Naturalmente, conciliar diferentes visões, metodologias e linguagens disciplinares constitui um desafio. No entanto, esta diversidade tem sido uma fonte de criatividade e aprendizagem, resultando em projetos e publicações de elevado impacto, com forte relevância científica e social.

no Polo da Mitra – Universidade de Évora
(Foto: UDIT MED)
PA: O vosso trabalho abrange práticas locais e também impactos mais amplos e globais. Poderia dar exemplos de projetos em que se interligam abordagens em pequena escala, como a produção agrícola ou a saúde animal, com desafios globais, como alterações climáticas ou conservação da biodiversidade?
FB: O trabalho do MED parte de realidades concretas — o campo, os produtores e as explorações agrícolas — mas procura que esse conhecimento tenha impacto global, contribuindo para enfrentar as alterações climáticas, conservar a biodiversidade e impulsionar a transição energética. Projetos financiados pelo PRR ilustram bem esta ligação entre o local e o global. O Pegada 4.0 testa tecnologias digitais que ajudam os agricultores a monitorizar a biodiversidade e a adotar práticas mais sustentáveis. O Montados Net Zero atua em ecossistemas do Sul de Portugal com uma perspetiva de neutralidade carbónica e regeneração ambiental. Outros projetos, como o Revitalgarve, o INOVCIRCOLIVE e o WINE&VINE, promovem sistemas alimentares locais e economia circular, valorizando recursos endógenos e reduzindo a pegada ecológica.
PA: Este Instituto acolhe Doutoramentos e Mestrados em vários domínios. Quais são as experiências mais marcantes que um estudante pode viver no MED, para além da investigação em si?
FB: Uma das marcas do MED é a proximidade entre estudantes, docentes e investigadores, que favorece a integração, a colaboração e o desenvolvimento de investigação aplicada. Desde o início, os estudantes são envolvidos em projetos em curso, têm acesso a laboratórios e recursos de ponta, e contam com orientação científica e apoio financeiro para desenvolver os seus trabalhos. Um exemplo emblemático é o Encontro de Estudantes de Doutoramento em Ambiente e Agricultura, que em 2025 chega à sua 10.ª edição. Este evento consolidou-se como um espaço dinâmico de partilha e interdisciplinaridade, reunindo mais de 100 participantes de várias unidades de I&D. Outra iniciativa marcante é o ciclo “MED às 4as”, encontros bimestrais que promovem a troca de conhecimento entre investigadores, estudantes e stakeholders, aproximando a ciência da sociedade.

PA: Com o intuito de promover a investigação, o MED organiza tertúlias, congressos e encontros científicos. Que papel têm estas atividades na criação de uma verdadeira comunidade académica e na preparação dos estudantes para o mercado de trabalho?
FB: Essas atividades são fundamentais para criar uma comunidade académica aberta e colaborativa, reforçando a identidade do MED e aproximando investigadores, técnicos e estudantes. Ampliam a visibilidade da ciência feita no Instituto e funcionam como um motor de partilha e inovação. Para os estudantes, representam uma formação complementar essencial, desenvolvendo competências de comunicação, trabalho em equipa e interação com stakeholders, fundamentais para a integração no mercado de trabalho e para a valorização profissional em investigação e inovação.

PA: Imaginando o futuro daqui a 20 anos: como gostariam que fosse vista a contribuição do MED para a sustentabilidade agrícola e ambiental?
FB: Daqui a 20 anos, desejamos que o MED continue a ser um centro de I&D de excelência, com impacto real na ciência e na sociedade. Queremos ser reconhecidos por contribuir para práticas e tecnologias inovadoras que melhorem a qualidade de vida, reforcem a resiliência às alterações climáticas e promovam a sustentabilidade dos sistemas de produção alimentar, bem como a conservação da natureza e da biodiversidade. Apesar dos progressos, persistem desafios: a transição para sistemas resilientes, sustentáveis e justos exige conhecimento, cooperação e confiança entre cientistas, agricultores, comunidades e decisores políticos. O nosso compromisso é continuar a unir ciência, inovação e sociedade, consolidando o papel do MED na liderança da investigação mediterrânica. Acreditamos que no MED estamos a trabalhar na direção certa!
“O nosso compromisso é continuar a unir ciência, inovação e sociedade, consolidando o papel do MED na liderança da investigação mediterrânica”
