Engenharia Civil e Construção: combate ao desinteresse e à falta de reconhecimento
Após a crise financeira de 2008, o setor da construção foi fortemente impactado, sofrendo uma redução significativa nos investimentos e despertando um desinteresse cada vez maior entre os jovens. Em entrevista à Perspetiva Atual, Claudino Cardoso, diretor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro, destaca a importância de demonstrar aos mais novos, e à sociedade em geral, o papel e valor da engenharia civil e do setor da construção.
Perspetiva Atual: Considerando a importância de uma formação sólida para os futuros engenheiros civis, de que forma é que o Departamento de Engenharia Civil da UA tem desenvolvido a sua oferta formativa para atender às demandas do mercado atual e preparar os estudantes de forma abrangente e atualizada?
Claudino Cardoso: O exercício da profissão de engenheiro civil não é possível sem uma formação bastante sólida em todos os seus domínios, seja nos tradicionais, como estruturas, hidráulica, geotecnia, vias de comunicação, materiais, seja naqueles convocados pelas novas tecnologias e demanda civilizacional. Foi com esta preocupação e cuidado que a Universidade de Aveiro propôs a criação do curso de engenharia civil, que mereceu a aprovação, acreditando-o pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES).
No entanto, a formação sólida não se consubstancia só às componentes técnicas e científicas. Consideramos que a visão humanista da engenharia civil obrigatoriamente faz parte do projeto da infraestrutura a construir como contributo para o desenvolvimento sustentável das sociedades. Tendo em consideração estes valores, a Engenharia Civil da Universidade de Aveiro obteve a Marca da Qualidade EUR-ACE atribuída conjuntamente pela Ordem dos Engenheiros e pela ENAEE – European Network for Accreditation of Engineering Education.
É neste enquadramento que a nossa oferta formativa sempre se pautou, pauta e pautará, para que os seus diplomados sejam parte do desenvolvimento humano e sustentável, seguindo as práticas, hoje indicadas pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
PA: O contexto atual apresenta uma série de desafios para a Engenharia e Construção Civil, devido à falta de mão de obra e às condições de trabalho. Quais são os principais desafios notados pelo Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro atualmente, seja em relação às demandas do mercado de trabalho, às inovações tecnológicas ou a outras questões relevantes para a área?
CC: A crise financeira de 2008 teve um impacto significativo no setor da construção, resultando numa recessão da área. A redução considerável nos investimentos levou a um aumento acentuado do desemprego. Esse efeito também se refletiu na diminuição do interesse por cursos de engenharia civil. No ano letivo de 2008/2009, 1612 estudantes foram admitidos na primeira fase do sistema nacional de acesso. Esse número foi diminuindo até atingir o mínimo em 2014/2015, com um total de 158 alunos. A partir de então, o número aumentou gradualmente, mas ainda de forma tímida. No ano letivo atual, apenas 501 alunos foram admitidos na primeira fase.
A falta de confiança dos jovens e das suas famílias em relação às perspetivas de emprego nessa área, bem como os salários relativamente baixos, são fatores que contribuem para essa situação. Embora o pequeno aumento a partir de 2015, especialmente devido ao investimento privado estrangeiro, tenha trazido alguma melhoria, esse avanço não foi suficiente para mudar a perceção negativa da profissão, que deixou de ser “respeitada”.
Atualmente, é mais fácil para os jovens estarem “conectados” do que tornarem-se engenheiros civis, que têm horários rígidos e longos, além de uma grande responsabilidade relacionada ao cargo que ocupam. Além disso, como já referi anteriormente, é uma profissão pouco reconhecida, considerada pouco atrativa e mal remunerada.
Embora as universidades possam ajudar a alterar essa situação, não podem ser vistas como a solução definitiva. É necessário que a economia seja impulsionada, permitindo investimentos na construção e criando riqueza no país. Além disso, os cursos de engenharia civil precisam de se tornar mais visíveis para a sociedade, mostrando aos estudantes do ensino secundário a importância fundamental do setor da construção, bem como os avanços nos métodos construtivos, tecnológicos e científicos. Essa é uma estratégia que sempre tentamos utilizar para despertar o interesse dos alunos, destacando as atividades fascinantes de construir pontes, túneis, arranha-céus, vias de comunicação, aeroportos, canais de navegação, barragens e, acima de tudo, contribuir para a criação de riqueza, desenvolvimento e sustentabilidade ambiental global.
PA: A ligação entre a universidade e o mundo empresarial é essencial para a formação de profissionais capacitados para o desenvolvimento de soluções práticas. Qual é a importância da parceria com empresas e instituições do setor para o DECivil? Como essas colaborações têm se refletido na formação dos estudantes e na difusão de conhecimento?
CC: A ligação entre o mundo empresarial e a universidade é fundamental para dotar o futuro engenheiro de uma visão tão próxima quanto possível da realidade do mercado da construção. A prática do dia a dia numa empresa de projeto, de construção, de manutenção ou qualquer outra atividade associada à engenharia e construção deve ser transmitida ainda “nos bancos da escola”, para que os futuros profissionais não se deparem com práticas totalmente desconhecidas quando entrarem no ambiente de trabalho.
Considero que uma relação entre empresa e universidade deve promover a participação mútua em modelos de formação. A crescente complexidade dos projetos, a aplicação de novas técnicas construtivas fruto da evolução tecnológica, a maior necessidade de interação multidisciplinar e preocupação com o ambiente obrigam a partilha de conhecimentos. As empresas e as universidades são um enorme centro de conhecimento. Nesse sentido, acredito que o futuro depende do fortalecimento dessas parcerias, em que o ensino precisa ser repensado para que surjam práticas orientadas para a adaptação, agilidade, iniciativa e inovação.
No DECivil da UA, a colaboração com empresas de engenharia e construção tem-se refletido na participação de alunos em estágios e projetos em ambiente de trabalho. Essas colaborações têm contribuído significativamente para a formação adequada dos nossos estudantes.
PA: A igualdade é um dos temas mais relevantes dos tempos modernos, o que torna a participação das mulheres na Engenharia Civil um assunto pertinente para abordar. Ainda se nota uma grande disparidade entre os números de estudantes femininos e masculinos no DECivil? De que forma é que o Departamento tem trabalhado para promover a igualdade de género e incentivar a participação das mulheres nessa área?
CC: Na Universidade de Aveiro, em todas as suas Unidades Orgânicas, onde obviamente se inclui o Departamento de Engenharia Civil, não é admissível tratamento diferenciado de quem quer que seja. A igualdade de género faz parte da cultura e dos seus valores da instituição. A admissão, a oportunidade de carreira e apoio na formação, e até mesmo após formação (alunos Alumini), não distingue género, qualquer que ele seja. Não podia ser diferente numa instituição em que o seu lema é: theoria, poiesis praxis.
A “disparidade” entre estudantes femininos e masculinos no DECivil tem sido a mesma ao longo de vários anos. É de notar que a sua percentagem é significativamente mais equilibrada que em outros departamentos de engenharia. A promoção dos cursos de engenharia no Departamento de Engenharia Civil é feita de forma igual e com tratamento equitativo para todos os candidatos.
PA: A pesquisa e a investigação científica são fundamentais para o avanço da Engenharia Civil. Como é vista a vertente de investigação pelo DECivil?
CC: O DECivil inclui na sua estrutura uma Unidade de Investigação (UI) com a designação de “Riscos e Sustentabilidade na Construção – RISCO”. Esta unidade desempenha um papel fundamental tanto para o departamento quanto para a Universidade. Esta UI possui uma classificação FCT de “Muito Bom” e está alinhada com a estratégia científica do Departamento. É aqui que todos os docentes e investigadores contratados desenvolvem a sua atividade centrada nas vertentes de avaliação e mitigação de riscos no ambiente construído, soluções sustentáveis para o ambiente construído e reabilitação e conservação do património construído. Esta preponderante atividade tem significado o desenvolvimento de projetos de investigação de grande mérito com envolvimento de vários parceiros externos à Universidade e estrangeiros.
Com foco nessas áreas, a unidade de investigação RISCO tem o objetivo de promover o desenvolvimento de cidades sustentáveis e resilientes, através de construções seguras, duráveis e amigas do ambiente.
PA: A construção civil é uma área que promove a integração de diferentes nacionalidades, sendo que a internacionalização é também cada vez mais importante no contexto académico. Como é que o DECivil promove a internacionalização dos seus estudantes e quais são os benefícios dessa abordagem para a formação dos alunos?
CC: A internacionalização dos nossos estudantes reveste-se de uma importância muito grande e com benefícios consideráveis. O DECivil incentiva-os e apoia-os no concurso a posições em universidades estrangeiras. Consideramos que a troca de experiências com colegas de outras origens, hábitos e culturas são fundamentais para a integração nos mais variados contextos profissionais e humanos. Entender e viver experiências deste tipo são enriquecedoras tanto na troca de conhecimentos quanto na forma de encarar o mundo.
PA: Tem alguma novidade relativamente ao próximo ano letivo que gostaria de apresentar?
CC: No próximo ano letivo iniciaremos uma nova etapa da vida do DECivil. Estamos a promover cursos de curta duração não conferentes de grau, a que chamamos Microcredenciais. Nestes cursos estarão envolvidas empresas do sector da construção que vão participar na lecionação e também nas matérias a serem ministradas. São cursos que têm por objetivo a captação de um público, que estando no mercado do trabalho, pretende atualizar os seus conhecimentos numa determinada área e num curto prazo.
Vamos também oferecer, para um público idêntico, cursos de especialização, como “Arquitetura e construção em terra” e “Reabilitação da construção”.
Os cursos Microcredenciais e de Especialização são cursos pós-laborais com métodos de ensino mais apropriados para o público desejado, permitindo assim a sua participação.