SPAIC pede comparticipação das vacinas antialérgicas e alerta para o impacto das alterações climáticas nas doenças alérgicas
Enquanto Portugal enfrenta um dilema de saúde preocupante, com a falta de comparticipação das vacinas antialérgicas deixando muitos pacientes à mercê de custos elevados, a Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) também direciona a sua atenção para outra ameaça crescente: as mudanças climáticas. Nesta entrevista abrangente à atual Presidente da SPAIC, Ana Morete, exploramos as lutas e estratégias da Sociedade para combater estes dois desafios que afetam a qualidade de vida dos pacientes alérgicos.
Fundada em 1950, a SPAIC é atualmente a maior associação científica nacional que reúne especialistas médicos, principalmente Imunoalergologistas, investigadores e técnicos dedicados ao estudo da alergia, asma e imunologia clínica. Qual é o papel atual da SPAIC na promoção da saúde em Portugal?
A nossa Sociedade científica visa contribuir para a melhoria contínua do desenvolvimento científico-profissional dos associados da SPAIC e potenciar o crescimento e notoriedade da SPAIC, quer a nível nacional quer internacional.
São nossos objetivos promover ações de formação e projetos de investigação nas diferentes áreas de interesse das doenças alérgicas em Portugal e promover a apresentação e publicação de trabalhos científicos dos associados nas reuniões e órgãos oficiais da SPAIC.
Pretendemos continuar a colaborar com as associações de doentes com patologia imunoalérgica, e consolidar o modelo de comunicação digital e mediático da SPAIC, promovendo a presença nas redes sociais da Sociedade e posicionado a SPAIC como referência em matéria de alergologia.
A SPAIC tem chamado a atenção para a falta de comparticipação das vacinas antialérgicas pelo Estado, o que pode resultar num custo anual de 400€ para os pacientes que necessitam desses tratamentos. Como se explica que Portugal seja dos poucos países da EU onde a imunoterapia não tem a comparticipação do Estado e que consequências é que isto traz aos doentes?
A SPAIC apresentou uma petição à Assembleia da República para que seja reposta a comparticipação do tratamento de imunoterapia específica com alergénios em Portugal, vulgarmente conhecido como “vacinas antialérgicas”. Durante 30 anos, entre 1981 e 2011, este tratamento foi comparticipado a 50% do custo total. Em agosto de 2011, e de forma absolutamente inexplicável, essa comparticipação foi revogada. Desde então, que esta lamentável decisão e situação se mantém, não obstante os inúmeros e sucessivos contactos institucionais com a DGS, ACSS e Infarmed, realizados pela SPAIC e pelo Colégio de Imunoalergologia da Ordem dos Médicos.
A doença alérgica é uma doença inflamatória crónica, necessitando por isso de medicação para toda a vida. As vacinas antialérgicas são o único tratamento específico porque modificam a história natural da doença alérgica. Significa que impedem a progressão e a gravidade da doença, impedem a sucessiva associação a outras doenças alérgicas, reduzem ou anulam a necessidade de medicação crónica com naturais implicações na qualidade de vida e nos custos efetivos diretos (medicação, consultas, episódios de urgência, internamentos, entre outros) e indiretos (absentismo e rendibilidade escolar ou laboral, medicação, dias de doença, outras comorbilidades, entre outras). Para além disso, em alguns doentes com formas graves de anafilaxia (reação alérgica grave) com risco de vida, a imunoterapia específica é curativa.
A persistência da política de não comparticipação constitui uma verdadeira discriminação negativa ao doente alérgico no nosso país.
Pelo exposto, apresentámos a presente petição, sendo nosso objetivo recolher mais de 7 500 assinaturas até 31/12/2023, número mínimo necessário para que a petição seja debatida em sessão plenária da Assembleia de República.
A Direção da SPAIC tem alertado para o impacto das alterações climáticas nas doenças alérgicas. Como é que estes dois tópicos estão interconectados e que medidas podem ser tomadas para enfrentar essa situação?
As recentes alterações climáticas do nosso planeta, sobretudo o aquecimento global, provocam inícios e picos de floração cada vez mais precoces e períodos de polinização mais longos com aumento dos totais anuais de pólen. Isto traduz-se numa temporada de alergias mais longa e mais difícil. Além disso, os níveis mais elevados de ozono e dióxido de carbono, aumentam a agressividade dos pólens e aumentam a dispersão geográfica dos mesmos, que dependem do vento para se disseminar.
Outros eventos climáticos, como as tempestades de areia, que recentemente atingem frequentemente o nosso país, libertam partículas finas que levam a um risco acrescido de patologia alérgica e respiratória.
A SPAIC sendo dona da Rede Portuguesa de Aerobiologia e contribuindo com todo o conhecimento nesta área dos seus associados, pretende ajudar a definir políticas públicas de saúde informando sobre as alterações climáticas e o impacto nas doenças alérgicas quer aos doentes, quer aos decisores políticos.
A 44.ª Reunião Anual da SPAIC aconteceu de 28 de setembro a 1 de outubro, com o tema “Gestão Interdisciplinar da Pessoa Alérgica”. Qual foi a motivação por trás da escolha deste tema específico?
A abordagem multidisciplinar é cada vez mais defendida em todos os campos da medicina, dada a crescente complexidade do diagnóstico e gestão, bem como a multiplicidade de novas terapias. Os encargos e os custos das doenças alérgicas em Portugal estão a aumentar rapidamente, sendo necessárias estratégias de mudança.
Os cuidados multidisciplinares que detalhem as principais etapas da abordagem ao doente, adaptados à realidade do sistema de saúde português, são atualmente uma estratégia basilar na transformação do sistema de cuidados de saúde.
Porque acreditamos que todos os doentes imunoalérgicos, especialmente aqueles que apresentam doença grave, beneficiam de uma abordagem multidisciplinar escolhemos o tema “Gestão Interdisciplinar da Pessoa Alérgica”, para foco central da nossa 44.ª Reunião Anual.
Qual é o balanço que faz deste evento e que benefícios foram retirados para a comunidade médica e para os pacientes?
Foram 4 dias intensos de elevada partilha de conhecimentos científicos nos temas imunoalérgicos escolhidos, envolvendo no total cerca de 400 participantes.
Destaco os 4 cursos pré-congresso, nos temas publicação e revisão científica, dermatite de contacto, rinossinusite com polipose nasal e imunoterapia com alergénios, eminentemente práticos, o envolvimento de palestrantes internacionais e a oportunidade de se fazer uma atualização, de acordo com as tendências e as necessidades de evolução nas diferentes áreas.
Na sexta-feira realizamos todo o dia o Curso SPAIC MGF com foco na alergia a fármacos, alimentar e alergia respiratória, envolvendo colegas dos cuidados de saúde primários, sendo focado o diagnóstico, abordagem e referenciação destas patologias.
A particularidade de envolver colegas de 12 especialidades médicas fronteira, outros profissionais e associações de doentes permitiu uma troca de experiências, uma visão complementar, por vezes muito diferente, que nos irá permitir evoluir em rede em múltiplos projetos conjuntos. Esta multidisciplinaridade esteve sempre presente nas diferentes Mesas Redondas, Workshops, Simpósios e sessão de Prós e Contras.
No domingo tivemos uma Mesa Redonda SPAIC -GEMA em que o Professor Jorge Ferreira, pertencente ao comitê executivo desta guia prática de abordagem da asma, anunciou a inclusão da nossa Sociedade na GEMA (Guía Española para el Manejo del Asma). O principal objetivo desta guia é melhorar o controle e a qualidade de vida dos asmáticos, aumentando a capacitação técnica dos profissionais de saúde, especialmente nos aspetos relacionados com a prevenção e avaliação diagnóstico-terapêutica da doença. Com início há 20 anos em Espanha é hoje um guia internacional multidisciplinar em que participam 18 Sociedades Científicas espanholas, hispano-americanas e portuguesas.
No final do ano, ocorrerá o World Allergy Congress 2023, em Bangkok, onde a SPAIC estará presente num “Sister Symposium SPAIC -WAO”. No entanto, o grande destaque é o evento do próximo ano, que acontecerá em Portugal pela primeira vez. Como é que a escolha de Portugal para sediar esse evento reflete o prestígio da SPAIC e o trabalho realizado pelos profissionais de saúde do nosso país?
A Organização Mundial de Alergia (WAO) é uma organização internacional cujos membros consistem em 108 sociedades nacionais de alergologia e imunologia clínica de todo o mundo, à qual a SPAIC pertence.
O Dr. Mário Morais de Almeida, Presidente da SPAIC entre 2004 e 2012, é atualmente o Presidente Eleito da WAO e foi com muita honra que aceitamos o convite de realizar o Congresso Mundial em Portugal do próximo ano.
Irá decorrer entre 26 e 28 de setembro de 2024, no Centro de Congressos do Estoril, e iremos reunir toda a comunidade científica Mundial que se dedica ao estudo da doença imunoalérgica.
Existe alguma outra informação relevante que gostaria de compartilhar sobre as atividades atuais da SPAIC ou eventos futuros que os leitores e a comunidade médica devem estar cientes?
Vamos organizar a 1.ª edição da Feira Nacional de Alergia que terá lugar na Cidade dos Canais, em Aveiro, e que irá decorrer nos dias 29 e 30 de junho de 2024, no Mercado Manuel Firmino e Largo envolvente, em pleno centro da cidade.
A organização da Feira parte de uma iniciativa da SPAIC com o apoio da Câmara Municipal de Aveiro, pretendendo sensibilizar, informar e desmistificar a população sobre a doença imunoalérgica.
Durante estes dois dias vamos privilegiar o contacto próximo e informal com a população, numa perspetiva de estreitar laços, divulgar atividades na promoção da saúde, consciencialização sobre a doença alérgica, falar sobre a importância de estilos de vida saudáveis, conhecimento de alergénios, e como mudar comportamentos de riscos nesta população.
O programa inclui ainda, atividades físicas, espaços de convívio, música, dança, debates interativos, workshops e a aprendizagem de alguns segredos de cozinha saudável (especialmente para alérgicos) com show cooking.
Esperamos contar ainda com parceiros institucionais, associações de doentes, e outros profissionais de saúde com presença para esclarecimento de dúvidas e distribuição de folhetos, entre outras atividades de consciencialização para a doença imunoalérgica.