Explorando o oceano na região dos Açores
O mar profundo cobre mais de dois terços da superfície da Terra, mas esta vastidão misteriosa e oculta permanece em grande parte por explorar. O termo mar profundo inclui a massa de água e os fundos marinhos, entre os 200 metros e a região hadal do oceano, a mais de 11.000 metros de profundidade. Nos Açores, o fundo do mar profundo ocupa mais de 99% da Zona Económica Exclusiva e engloba taludes insulares, montes submarinos, cristas oceânicas com campos hidrotermais, plataformas e taludes batiais e planícies abissais.
O mar profundo dos Açores foi estudado pela primeira vez pelas pioneiras expedições oceanográficas do final do século XIX e início do século XX. As mais relevantes foram as 13 campanhas científicas lideradas pelo Príncipe Oceanógrafo, Alberto I do Mónaco, que explorou intensamente o mar destas ilhas oceânicas, desde a superfície até aos 5.000 metros de profundidade. Os resultados dessas campanhas foram publicados em centenas de contribuições científicas, produzidas pelos melhores investigadores ocidentais da época. Os inventários de biodiversidade, então produzidos, especialmente sobre faunas do oceano profundo, mantiveram- -se dos mais abrangentes até ao final do século XX! Os investigadores estudaram milhares de amostras biológicas, o que lhes permitiu conjeturar sobre as paisagens submarinas alvo da sua exploração, na impossibilidade de verem o interior do oceano.
Depois, durante décadas, a investigação do mar profundo dos Açores só acontecia quando uma missão internacional atravessava esta região do Atlântico Norte Central.
Com o surgimento, em 1976, da Universidade dos Açores e do seu Departamento de Oceanografia e Pescas (DOP), o paradigma alterou-se. Promoveu-se um novo olhar sobre o oceano que, a pouco e pouco, foi e está a ser descodificado. Os progressos recentes na compreensão destes ecossistemas têm sido significativos.
A investigação em pescas está no âmago da entidade que, desde cedo, institui um programa de campanhas de monitorização e prospeção dirigidas a peixes demersais e de profundidade, que permitiu conhecer a diversidade, distribuição, ocorrência e ecologia destes organismos e de outros faunas associadas.
Hoje, o Instituto de Investigação em Ciências do Mar, OKEANOS, herdeiro do DOP, especializou-se na investigação do oceano profundo e do mar aberto, das bactérias às baleias. Analisa o impacto das alterações climáticas e das atividades humanas sobre a biodiversidade, a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas; aplica e desenvolve tecnologias de exploração e monitorização dos oceanos; promove a economia do mar, contribui ativamente para o desenvolvimento sustentável da sociedade e para a boa governança do oceano, a nível regional e global; e apoia a decisão, com conhecimento, para gestão sustentável e conservação do capital natural do mar profundo dos Açores
Os seus investigadores publicam nas melhores revistas científicas e participam ativamente em fóruns especializados e projetos europeus, nacionais e regionais; integram redes científicas colaborativas internacionais e multidisciplinares; cooperam com organizações e fundações ambientais filantrópicas; usam navios e outras plataformas de acesso ao mar e trabalham para a sensorização e digitalização do oceano.
A investigação do mar profundo nos Açores
Embora o OKEANOS se distinga em diversas áreas de investigação, o conhecimento do mar profundo produzido nos Açores, está na vanguarda da ciência oceânica global. Neste artigo, destaca-se o trabalho de um grupo de Investigação do Mar Profundo dos Açores (ADSR, OKEANOS) que, nos últimos anos, se tem dedicado ao projeto de caracterização e mapeamento dos habitats de profundidade na Zona Económica Exclusiva dos Açores, financiado pelo Governo Regional dos Açores.
Apesar das condições extremas, o mar profundo alberga uma extraordinária biodiversidade, incluindo inúmeras espécies de corais, esponjas, peixes e outras formas de vida adaptadas a este ambiente desafiador. As agregações destes corais e esponjas criam habitats tridimensionais usados por uma miríade de outras espécies, que aqui encontram refúgio, alimento ou local para crescer e se reproduzir. Estas comunidades, associadas a cristas oceânicas e montes submarinos, desempenham um papel fundamental no funcionamento dos ecossistemas marinhos e contribuem também para a dinâmica de espécies com interesse comercial.
Muitos organismos de profundidade, particularmente os corais e esponjas de águas frias, têm um crescimento muito lento, podendo atingir uma longevidade que, no caso dos corais negros, pode ultrapassar os mil anos. São estes os habitats que estão a ser mapeados e estudados de forma sistemática e sem precedentes pela equipa ADSR, recorrendo a tecnologias de exploração vídeo, por plataformas tripuladas e não tripuladas, sofisticadas e eficazes, para ver o interior do oceano.
A investigação assenta no trabalho desenvolvido a partir do início do século. O banco de imagens de milhares de horas, agora obtido, em cerca de 140 montes submarinos e taludes insulares, até aos 1000 m de profundidade, está a permitir mapear, com detalhe acrescido, a biodiversidade e a distribuição dos habitats da região dos Açores. Os mais de 4000 exemplares de espécies batiais, recolhidos e preservados na coleção de referência COLETA do OKEANOS, permitem identificar, por técnicas clássicas e moleculares, as espécies observadas nos vídeos. A análise de imagem, o conhecimento da biologia e ecologia das espécies, a experimentação e a modelação ecológica, dão informação sobre o funcionamento de uma parte essencial dos ecossistemas profundos desta região do Atlântico Norte Central. Hoje sabemos que os Açores são um hotspot de biodiversidade oceânica, às escalas do Atlântico e global.
Principais ameaças ao mar profundo
São também estudadas as comunidades do mar profundo na perspetiva da sua vulnerabilidade aos impactos globais. As espécies de profundidade são particularmente vulneráveis aos impactos das atividades humanas, devido à sua complexidade estrutural, fragilidade, baixo potencial de recuperação e singularidade ou raridade.
A pesca de fundo e a eventual extração mineral que poderá ocorrer no futuro, constituem ameaças à integridade dos ecossistemas de profundidade. A pesca modifica a morfologia dos fundos marinhos e as suas propriedades físicas e remove a fauna estrutural bentónica e espécies associadas, incluindo as de interesse comercial. A mineração oceânica poderá gerar plumas de partículas potencialmente tóxicas. As alterações climáticas provocam o aquecimento, a acidificação e a desoxigenação do mar profundo, afetando não apenas a biodiversidade e a abundância de espécies, mas também as redes alimentares marinhas e o funcionamento destes ecossistemas marinhos vulneráveis.
A informação recolhida permite avaliar o estado ambiental de numerosas áreas afetadas pela pesca, contribuindo com conhecimento para suportar as melhores decisões políticas dos órgãos de gestão.
Azor drift-cam: Da exploração lenta e elitista à democratização da exploração do mar profundo
Historicamente, a exploração do oceano profundo tem sido um exercício lento e altamente dispendioso, executada apenas pelas elites científicas, com os melhores meios tecnológicos à sua disposição ou em missões pontuais e de frequência insuficiente. Conscientes das limitações inerentes à complexidade e aos custos elevados dessas expedições, ao longo dos últimos anos, o ADSR, OKEANOS desenvolveu uma tecnologia destinada a tornar esta exploração acessível a todos, superando as barreiras financeiras e tecnológicas das campanhas de exploração do mar profundo.
A Azor drift-cam nasceu “feia” em 2018 e ficou com a configuração atual em 2019. Trata-se de uma ferramenta de baixo custo e fácil manuseamento, que possibilita a captura de imagens e o acesso a áreas remotas e inóspitas do planeta, viabilizando a obtenção de dados cruciais sobre o mar profundo. Esta ferramenta de baixo custo e de fácil manuseamento permite realizar avaliações rápidas dos ecossistemas abaixo dos 200 metros de profundidade.
Foram realizados 1000 mergulhos e explorados 140 montes submarinos nos Açores. Registaram-se novos biótopos e centenas de espécies de corais, esponjas, peixes, crustáceos, entre outros – algumas desconhecidas da ciência.
A Azor drift-cam proporciona o acesso a regiões do planeta nunca exploradas pelo homem, contribuindo para os objetivos de Década dos Oceanos das Nações Unidas.
Grupo de Investigação do Mar Profundo dos Açores
Falamos de uma equipa de cientistas dedicados à exploração do fundo do mar, com especial ênfase nas ilhas dos Açores. A sua principal missão é compreender os ecossistemas do mar profundo, num mundo em constante mudança, sensibilizar a sociedade e dar apoio à decisão das autoridades responsáveis pela gestão do Oceano.