Cancro do Reto atinge mais jovens, mas novas abordagens terapêuticas tornam-se promissoras
O Cancro do Reto é uma patologia complexa e quem nos diz é o coordenador do Centro de Referência do Cancro do Reto do Hospital Fernando Fonseca, Ricardo Rocha, alertando para uma maior incidência em indivíduos mais jovens. Esta tendência resulta na necessidade de um maior acompanhamento psicológico e no estudo de novas modalidades terapêuticas. Neste Centro de Referência ambicionam implementar a Cirurgia Robótica e a técnica de reabilitação do pavimento pélvico.
Perspetiva Atual: Comecemos por entender melhor a patologia a que se dedica este centro de referência. O que traz o Cancro do Reto a nível de diagnóstico e a que complexidades está associado?
Ricardo Rocha: Existem cerca de 7000 novos casos por ano em Portugal de cancro colorretal. Desses, cerca de 30% são localizados no reto, sendo que a sua incidência está a aumentar.
Os centros de referência de tratamento de Cancro do Reto foram criados de forma centralizar esta resposta multidisciplinar e para se atingir uma melhoria de resultados clínicos.
Sabemos de múltiplos estudos internacionais que os resultados do tratamento de doenças raras ou cujo tratamento é muito complexo são substancialmente melhores em centros diferenciados.
O cancro do reto é uma patologia cujo tratamento é muito complexo, porque envolve multidisciplinaridade. Habitualmente são envolvidas múltiplas especialidades médicas e de enfermagem no tratamento do cancro do reto de modo eficaz.
Desde logo, o diagnóstico é complexo, envolvendo a realização de exames endoscópicos, imagiológicos e histológicos.
É muito importante uma avaliação clínica completa, estudando bem a história familiar do doente, mas também as suas condições prévias, nomeadamente a sua função esfincteriana.
Em seguida começa a fase do tratamento propriamente dito. Nesta fase pode ser preciso realizar tratamento de quimioterapia e/ou de radioterapia antes da cirurgia de resseção.
A cirurgia reveste-se igualmente de uma grande complexidade uma vez que tem impactos funcionais muito significativos, tendo consequências do trânsito intestinal, urinárias e sexuais.
Habitualmente os doentes têm um estoma temporário (ou definitivo em menor frequência), obrigando a seguimento próximo com enfermeira estomoterapeuta.
PA: O Cancro do Reto corresponde a 30% do Cancro Colorretal e a tendência é aumentar. Já existe alguma explicação para esta evolução da doença?
RR: No cancro colorretal estão a acontecer 2 fenómenos distintos no que diz respeito à sua epidemiologia.
Em primeiro lugar, a incidência de cancro colorretal nos indivíduos mais jovens está a aumentar exponencialmente.
De facto, quando vemos os gráficos da evolução da incidência de cancro colorretal, no mundo ocidental, verificamos que a incidência em geral está estável, ou seja, o número de novos casos de cancro colorretal anualmente é relativamente estável. Contudo, quando analisamos os dados de forma mais pormenorizada, percebemos que é assim porque o número de novos casos nos idosos está a reduzir enquanto o número de novos casos nos jovens está a aumentar de forma muito significativa.
Não existe ainda uma explicação clara sobre esta evolução, parecendo as questões ligadas ao estilo de vida ser a principal determinante desta variação. Falamos sobre alimentação, atividade física, entre outros.
Por outro lado, de facto a incidência de cancro do reto dentro da neoplasia colorretal está a aumentar. Também no que diz respeito a esta alteração não há certezas sobre as suas causas, provavelmente também relacionadas com fatores supramencionados.
PA: Como é que descreveria a equipa que trabalha no Centro de Referência e, de que forma, o seu trabalho tem contribuído para a evolução dos cuidados de saúde e tratamento desta patologia?
RR: A equipa que trabalha no Centro de Referência de Tratamento de Cancro do Reto da ULS Amadora/ Sintra é uma equipa de uma enorme qualidade e experiência.
A equipa multidisciplinar é constituída por oncologistas, gastrenterologistas, cirurgiões, radio-oncologistas, imagiologistas, anatomopatologistas, anestesistas, especialistas em medicina física e de reabilitação, especialistas em genética médica, especialistas em cuidados paliativos, enfermeiros especialistas em estomaterapia, enfermeiros especialistas em cuidados de enfermaria e em perioperatório, dietistas, entre outras especialidades.
“Habitualmente são envolvidas múltiplas especialidades médicas e de enfermagem no tratamento do cancro do reto de modo eficaz.”
É de facto uma equipa muito diversa e que engloba diferentes áreas do conhecimento. Tratamos anualmente mais de 70 doentes por cancro do reto, nos mais diversos estadios da doença.
Cerca de 56% dos doentes são submetidos a resseção do tumor diretamente, sem realização de tratamentos neoadjuvantes. Nestes casos, a resseção pode ser feita por via endoscópica nas fases mais precoces da doença (ou nas fases em que as lesões não são ainda malignas), ou pode ser feita por meio de uma cirurgia maior. Os restantes doentes são submetidos a tratamentos de radioterapia, com ou sem quimioterapia associada, e posteriormente são operados.
No que diz respeito à cirurgia de resseção, estas são feitas por via minimamente invasiva (laparoscópica) em 80% das situações, permitindo uma evolução muito mais confortável no período pós-operatório e com menor taxa de complicações.
No período peri-operatório, funcionamos de acordo com o programa ERAS, o que envolve a preparação funcional, nutricional e social antes da cirurgia, a estandardização de medidas intraoperatórias e ainda a protocolização dos procedimentos após a cirurgia.
Os resultados oncológicos têm sido muito satisfatórios. Analisámos os resultados de todos os doentes tratados no âmbito do centro de referência desde 2016, o que corresponde a um total de 571 doentes. A sobrevida global dos doentes tratados com intenção curativa foi de 71%, aos 5 anos após o tratamento efetuado.
Apenas 3,8% dos doentes tiveram uma recidiva local após a cirurgia e cerca de 13,6% tiveram metastização à distância, no decurso do seu seguimento oncológico. Os resultados estão em linha com os resultados obtidos por grandes centros internacionais de tratamento de cancro do reto, o que nos tem orgulhado e motivado a fazer melhor.
“Não existe ainda uma explicação clara sobre esta evolução, parecendo as questões ligadas ao estilo de vida ser a principal determinante desta variação. Falamos sobre alimentação, atividade física, entre outros”.
Somos um centro com um volume significativo de cirurgias exenterativas, o que significa a resseção de dois ou mais órgãos da pélvis (reto, vesiculas seminais e próstata, bexiga, útero e vagina). Nestes casos, habitualmente a equipa cirúrgica envolve cirurgiões, urologistas e ginecologistas, podendo também envolver esporadicamente a neurocirurgia e a cirurgia plástica.
Tentamos aliar à qualidade técnica a necessária empatia e conforto que são essenciais para o tratamento desta doença tão complexa.
Nesse contexto, avaliamos frequentemente a satisfação dos nossos utentes e tentamos desenvolver as medidas adequadas para aumentar a qualidade dos nossos cuidados.
PA: A longo prazo que objetivos o centro já definiu e ambiciona alcançar?
RR: Em primeiro lugar pretendemos implementar a cirurgia robótica do cancro do reto. É uma técnica cuja utilização no cancro do reto já foi extensamente estudada, havendo uma evidente melhoria de resultados, nomeadamente no que diz respeito à preservação esfincteriana e neurológica.
Por outro lado, pretendemos desenvolver o nosso projeto de reabilitação do pavimento pélvico.
A reabilitação do pavimento pélvico é, hoje em dia, essencial no seguimento de longo prazo dos doentes tratados por cancro do reto. Uma correta reabilitação permite melhorias significativas do ponto de vista de qualidade de vida dos doentes.
PA: Como coordenador deste Centro de Referência, como prevê que o tratamento do Cancro do Reto irá evoluir?
RR: O tratamento do Cancro do Reto vai sofrer modificações significativas nos próximos anos. O principal determinante destas modificações será a mudança radical de incidência de cancro colorretal que se está a verificar nos últimos anos.
Este aumento exponencial de cancro colorretal em doentes muito jovens (com menos de 50 anos) vai alterar profundamente o seguimento destes doentes. São indivíduos que têm cancro numa fase da sua vida em que se colocam questões pessoais e familiares muito significativas, mas também laborais.
Do ponto de vista profissional, estão mais frequentemente em fases mais ativas das respetivas carreiras, nas quais investiram legitimamente nos últimos anos. É, portanto, uma doença com um potencial muito disruptivo numa fase muito ativa na vida da pessoa. São, por isso, doentes que carecem de um apoio psicológico mais próximo e duradouro no tempo, tanto para si como para a sua família.
“Os resultados oncológicos têm sido muito satisfatórios. A sobrevida global dos doentes tratados com intenção curativa foi de 71%, aos 5 anos após o tratamento efetuado.”
É muito importante percebermos que serão muito provavelmente sobreviventes de longo prazo, pelo que vai ser muito importante adaptar a nossa prática a esta nova realidade.
As consequências sexuais, fecais e urinárias serão mais arrastadas no tempo, sendo necessárias medidas terapêuticas crónicas. A adaptação à mudança geracional da população de cancro do reto é, na minha opinião, a evolução mais significativa nos próximos anos.
No que diz respeito às modalidades terapêuticas, temos assistido a uma evolução muito significativa do ponto de vista dos medicamentos utilizados para quimioterapia e imunoterapia, com melhorias muito apreciáveis das sobrevidas dos doentes.