O equilíbrio perfeito entre tradição e inovação

Declarada, em 2013, Património Mundial da UNESCO, a Universidade de Coimbra tem na sua composição a mais antiga faculdade do país, a Faculdade de Direito. O Professor Doutor Jónatas Machado, atual diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), explica a importância de continuar a escrever a história de uma instituição que conta já com tanto reconhecimento. Mesmo tendo um ciclo de estudos com “excelente reputação nacional e internacional”, a FDUC garante trabalhar diariamente para conseguir acompanhar “o sentido e a rapidez das mudanças sociais, culturais, científicas e tecnológicas”.

Perspetiva Atual: Tradição é uma das palavras que mais rapidamente surge quando se pensa na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. No entanto, o que o mundo mais pede nos dias de hoje é evolução e inovação. De que forma a FDUC consegue encontrar um equilíbrio que mantenha as suas bases, ao mesmo tempo que segue os desenvolvimentos do mundo moderno?

Jónatas Machado: A história diz-nos que a tradição muda ao longo do tempo, respondendo a novos desafios e circunstâncias. A FDUC tem consciência da sua longa e rica narrativa, mas a história não é só passado, é também presente e futuro, porque o passado também já foi presente e futuro. A FDUC vive no presente a pensar no futuro, mas as mudanças estão a acelerar como nunca. A principal dificuldade consiste em conseguir que o ensino do direito e da administração público-privada antecipem e acompanhem o sentido e a rapidez das mudanças sociais, culturais, científicas e tecnológicas,

atualizando os conteúdos ministrados e preparando cidadãos ativos e participativos para, no seu espaço/tempo, promoverem os valores perenes e universais de dignidade humana, liberdade, verdade, conhecimento, solidariedade, democracia e justiça que estão na base do direito.

PA: Devido à antecipação do calendário de candidaturas ao ensino superior, a preparação do próximo ano letivo também deve começar mais cedo. De que forma encara esta alteração das datas de candidaturas? Pode realmente ser uma medida positiva para a integração dos novos alunos no meio académico ou, pelo contrário, pode causar uma maior desorganização nos preparativos e no início do ano letivo?

JM: Temos que saber responder em tempo útil, simplificando procedimentos sem nunca prejudicar a nossa capacidade de prestação. É indiscutivelmente um desafio organizativo e funcional, mas os efeitos são positivos no final do dia. O não cumprimento dos calendários repercute-se na negativamente na atividade letiva e no processo de avaliação como um efeito dominó, com prejuízo para alunos, docentes e funcionários, ou seja, para todo o sistema. Tudo deve ser visto, analisado e revisto de um ponto de vista sistémico.

PA: Sobre a oferta formativa, existe alguma atualização que gostaria de apresentar?

JM: Os nossos diferentes ciclos de estudos, nas áreas do Direito, da Administração Público-Privada e do Direito Luso-Brasileiro, dispõem de excelente reputação nacional e internacional. Ainda assim, temos sempre que apostar na sua promoção. Nunca se pode esquecer o branding e o marketing, muito menos na realidade universitária diversificada e competitiva de hoje. As unidades curriculares em inglês, recentemente criadas, nas áreas da família, dos contratos, da responsabilidade e da administração pública, todas com uma perspetiva europeia, têm suscitado o maior interesse junto de estudantes, vindos de países do norte da Europa, que geralmente não nos procuravam. Também tem aumentado a mobilidade internacional dos nossos alunos. Neste momento estamos a participar, juntamente com outras faculdades da UC, em duas feiras universitárias em São Paulo e no Rio de Janeiro para promovermos os nossos ciclos de estudos, com especial relevo para a licenciatura em Direito Luso-Brasileiro – que na realidade é direito europeu e brasileiro, visto que estamos na União Europeia e muito do nosso direito é direito europeu. A cidade de Coimbra e a UC, que é património mundial da UNESCO, podem proporcionar aos nossos estudantes nacionais e internacionais uma invejável qualidade de vida académica e pessoal.

PA: Quais são as oportunidades disponíveis para os estudantes na Faculdade de Direito da UC, incluindo estágios, atividades de investigação, programas de intercâmbio e outras atividades extracurriculares?

JM: A União Europeia e as mais diversas organizações internacionais têm uma grande variedade de estágios disponíveis, muitos deles remunerados, acessíveis aos nossos alunos. Essa é mais uma razão pela qual a racionalização da avaliação nos afigura muito importante. Queremos que os nossos alunos possam tirar o maior partido das oportunidades disponíveis, impensáveis há 20 ou 30 anos. Não gostamos de os ver perder oportunidades nacionais e internacionais.

PA: Sente que o perfil de estudante da FDUC tem vindo a alterar-se ao longo dos anos? Quais são as principais características que diferem os alunos dos tempos de hoje e os alunos de há 10 anos?

JM: Os nossos alunos têm claramente uma formatação mental diferente da que nós tínhamos com a idade deles. Talvez não tenham os hábitos de leitura que nós tínhamos, mas são mais digitalizados e globalizados. São muito bons e capazes quando as matérias e os métodos de ensino lhes interessam. Também são saudavelmente exigentes e reivindicativos do ponto de vista pedagógico, organizativo e funcional. Mas são igualmente colaborantes e razoáveis. Têm iniciativa para a dinamização de eventos de grande interesse académico e, através dos seus núcleos representativos, mostram-se muito solidários uns com os outros, especialmente com os colegas mais vulneráveis. No entanto, vemos que encaram a realidade que os cerca e o futuro que os espera com perplexidade e apreensão. As políticas públicas nacionais têm que procurar respostas para as suas questões concretas como, por exemplo, o alojamento universitário hoje e o trabalho e a habitação amanhã. A investigação académica deve, também, contribuir nesse sentido.  

PA: Como vê o futuro da educação jurídica em Portugal e qual é o papel que a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra desempenhará nesse futuro?

JM: Na sequência da resposta anterior, penso que a educação jurídica tem que preocupar-se com os problemas reais dos jovens e com o seu futuro. Disso depende o futuro do país. Não queremos apenas ensinar um qualquer quadro normativo, numa perspetiva meramente técnica. Queremos problematizar as normas e os processos existentes e avaliar, do ponto de vista jurídico e administrativo, em que medida é que eles servem e protegem os interesses das pessoas reais, oferecendo perspetivas de desenvolvimento político, jurídico, social, cultural e ambientalmente saudável e sustentável. Os jovens são muito importantes, porque deles vai depender em boa medida a sorte do nosso país nas próximas décadas. Uma educação jurídica orientada para o futuro deve acompanhar a digitalização do funcionamento da justiça e da administração. A digitalização e desmaterialização do funcionamento da FDUC – amplamente potenciadas pela UC depois da pandemia – são importantes se contribuírem para capacitar os jovens para uma melhor operacionalização da justiça e das políticas públicas.

PA: Relativamente ao seu mandato e às metas que se propôs a alcançar, que objetivos já foram concluídos e quais são os próximos da lista?

JM: A função da equipa da direção não é a de reformar sozinha a FDUC. Ela tem que estar alinhada com a equipa Reitoral e com os demais órgãos da UC e da FDUC. O trabalho desenvolvido pelos centros especializados e o Instituto Jurídico também é relevantíssimo, mas temos trabalhado bem em conjunto. Penso que temos conseguido dar sinais importantes de que valorizamos e apoiamos as iniciativas dos docentes e alunos, otimizando recursos escassos. No caso dos primeiros, queremos fazer tudo ao nosso alcance para facilitar o enriquecimento curricular, a progressão na carreira e a irradiação nacional e internacional do seu trabalho. Também queremos que prestem mais serviços especializados, disseminando, operacionalizando e testando os seus conhecimentos no confronto com os problemas concretos. Estamos a trabalhar com a Reitoria para renovar e rejuvenescer o corpo de docentes e funcionários e a rever procedimentos administrativos, tendo em vista a sua maior eficiência e eficácia. Aos alunos, queremos proporcionar uma formação sólida e cheia dos nutrientes normativos, sociais, éticos e participativos que lhes permitam ser bem-sucedidos como profissionais, cidadãos e agentes de transformação no nosso país e no mundo.

1 thought on “O equilíbrio perfeito entre tradição e inovação

Comments are closed.

Outra Perspetiva

População do Alto Alentejo beneficia de cuidados de saúde de Proximidade

No Alto Alentejo, a saúde apresenta outras prioridades comparando com os grandes polos de urbanização. Com uma população reduzida, envelhecida...

Global Health Company: A cuidar da nossa Saúde e Bem-Estar

Com uma abordagem inovadora e centrada no paciente, a Global Health Company (GHC) tem- se destacado na prestação de serviços...

A primeira Unidade Local de Saúde faz 25 anos

A Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM) foi criada em 9 de junho de 1999, era então Ministra da...

A inovação em saúde ao serviço do utente

Criado em 2021, o Centro Académico Clínico – Egas Moniz Health Alliance (EMHA) é composto pela Universidade de Aveiro e...