“O direito humano aos cuidados nutricionais”

4º edição da Semana da Sensibilização para a Malnutrição organizada pela APNEP 

De 7 a 13 de novembro realizou-se a quarta edição consecutiva da Semana da Sensibilização para a Malnutrição. “O direito humano aos cuidados nutricionais” foi a temática do evento deste ano, uma iniciativa organizada pela APNEP (Associação Portuguesa de Nutrição Entérica e Parentérica), pela ONCA (Optimal Nutritional Care for All) e pela ENHA (European Nutrition for Health Alliance).  

Aníbal Marinho, Diretor do Serviço de Cuidados
Intensivos do CHUP e Presidente da APNEP

A ingestão correta de alimentos tem uma relação direta com o bom funcionamento do organismo do ser humano. Para um indivíduo conseguir usufruir de uma vida saudável precisa que o seu corpo receba nutrientes, minerais e vitaminas para assegurar o desempenho equilibrado da sua estrutura. Ao longo dos anos, a nutrição clínica tem-se tornado um tópico cada vez mais importante entre os profissionais de saúde. É uma área vocacionada para a gestão da malnutrição associada à doença, na sua prevenção e tratamento.

A malnutrição, ou desnutrição, é um estado patológico que se define pela insuficiente ingestão ou absorção alimentar que impossibilita atingir as necessidades nutricionais diárias do organismo.

As causas estão associadas à perda involuntária de peso devido à perda de apetite, a problemas de dentição ou de mastigação, e a alterações digestivas ou intestinais. Ou seja, uma pessoa com malnutrição é alguém que não consome a quantidade de alimentos diários que deveria e, com isso, acaba por perder peso de forma involuntária. Quando tal ocorre, o organismo começa a progredir para um estado debilitado o que aumenta o risco de infeções, e outras doenças, e a diminuição da qualidade de vida. 

Este estado é uma realidade vincada em toda a União Europeia onde se estima que um em cada quatro adultos hospitalizados estejam em risco de malnutrição. Em Portugal, o rastreio desta patologia não está presente nos Cuidados de Saúde Primários, o que não permite um diagnóstico adequado ao paciente. Devido a tal, estes doentes, identificados como malnutridos, não têm acesso a tratamentos nutricionais adequados à sua doença, indispensáveis à sua sobrevivência e ao aumento da qualidade de vida. 

A APNEP (Associação Portuguesa de Nutrição Entérica e Parentérica) está à frente da luta pela valorização e sensibilização da malnutrição em Portugal que desde 1997 tem assumido o compromisso de inserir a presença da nutrição clínica no SNS. A associação tem advertido as entidades competentes para a urgência da implementação da Norma Organizacional DGS 017/2020. Tal garante a constituição de grupos de nutrição entérica e parentérica nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde com o objetivo de garantir acesso aos cuidados necessários de nutrição clínica para os doentes. 

A APNEP tem como objetivo principal a sensibilização dos profissionais de saúde, dos doentes e dos cuidadores “para a malnutrição em Portugal, tanto a nível hospitalar e instituições de saúde similares, como no ambulatório e domicílio”, refere a direção da associação. A Semana da Sensibilização para a Malnutrição apresenta objetivos como, educar as pessoas de forma a identificarem sintomas e a realizarem tratamentos precoces da malnutrição, educar os doentes, e os cuidadores dos mesmos, para que possam discutir o seu estado nutricional com o seu profissional de saúde e aumentar a sensibilização para o papel fulcral da nutrição clínica na recuperação do doente. 

De forma a continuar a luta por estes direitos, a APNEP organiza diversas iniciativas e eventos do fórum da nutrição como é o caso da Semana da Sensibilização para a Malnutrição. De 7 a 13 de novembro, esta iniciativa decorreu sobre o mote “O direito humano aos cuidados nutricionais” com o objetivo de trabalhar com os profissionais de saúde, doentes e cuidadores para o aprimoramento dos cuidados da malnutrição. 

Este evento contou com o apoio institucional do Ministério da Saúde e com o apoio científico da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, da Sociedade Portuguesa de Cirurgia, da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar e da Associação Portuguesa de Nutrição. Também países como Reino Unido, França, Bélgica, Espanha, Dinamarca, República Checa, Países Baixos, Grécia, Itália, Áustria e Israel uniram-se a esta causa que é “um compromisso global para o reconhecimento do direito aos cuidados nutricionais otimizados”. Este ano decorreu em simultâneo com a primeira edição da ESPEN (European Society for Clinical Nutrition and Metabolism) Malnutrition Awareness Week.   

Cerimónia Solene

No dia 8 de novembro realizou-se a cerimónia solene desta quarta edição da Semana da Sensibilização para a Malnutrição, no Palácio Nacional de Queluz, em Sintra. Na abertura, o Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Basílio Horta, definiu como prioridade “assegurar que ninguém”, no concelho, “sofre de carências alimentares”.  

Seguiu-se a intervenção de Aníbal Marinho, Presidente da APNEP e Médico Intensivista na Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital Geral de Santo António, onde afirmou que é uma honra participar e encabeçar este projeto desde 2016. Agradeceu ainda a António Sales, ex-Secretário de Estado da Saúde, por ter sido quem “mais se esforçou pela nutrição clínica em Portugal”. Referiu, também, que sem o agora deputado não teria sido possível sensibilizar os profissionais de saúde, os responsáveis políticos e a população em geral para o problema da malnutrição. O presidente da APNEP concluiu o seu discurso fazendo referência a tudo o que já foi alcançado e desenvolvimento desde a criação da associação, como por exemplo o nutritionDay WorldWide. 

Rocco Barazzoni, Presidente da ESPEN, também interveio seguido de alguns profissionais de saúde que participaram com um discurso de forma remota. Discursaram ainda o Dr. Ricardo Marinho, coordenador da Medicina Interna da APNEP, e Silvia Tarantino, Manager do nutritionDay WorldWide.  

Foi também oficializado o lançamento do nutritionDay no ambulatório, uma iniciativa internacional, que existe há 16 anos, que tem como objetivo melhorar a literacia sobre a malnutrição nas unidades de saúde, de forma a aprimorar a qualidade dos cuidados nutricionais prestados. Pela primeira vez, o nutritionDay incluiu os Cuidados de Saúde Primários e Portugal fez parte do grupo piloto da implementação dos mesmos neste dia, celebrado a 10 de novembro.  


Várias associações e ordens de saúde internacionais marcaram presença na 4ª edição da Semana da Sensibilização para a Malnutrição, onde discursaram através de videochamada. Foi o caso do diretor da European Nutrition for Health Alliance (ENHA), Prof. Olle Ljungqvust; da presidente da Federação Latino-Americana de Terapêutica Nutricional (FELANPE), Dr.ª Any Ferreira; da presidente da Sociedade Dominicana de Nutrição Enteral e Parental, Dr.ª Anayanet Jaquez; do diretor do Grupo de Apoio de Nutrição Enteral e Parenteral (GANEP), Dr. Dan Waitzberg; da presidente da Associação Colombiana de Nutrição Clínica (ACNC), Dr.ª Angelica Perez; da presidente do Colégio Mexicano de Nutrição Clínica e Terapêutica Nutricional, Dr.ª Yolanda Méndez e da Bastonária da Ordem dos Médicos de Angola, Dr.ª Elisa Gaspar. 

De forma a concluir a cerimónia, foi entregue o 20.º Prémio de Nutrição Clínica aos investigadores premiados e a respetiva Bolsa de Investigação, patrocinados pela Fresenius Kabi.  

Aníbal Marinho, Presidente da APNEP

Um bom estado nutricional é um direito humano, pelo que a gestão da malnutrição deve integrar todos os profissionais de saúde, e em especial, os nutricionistas, médicos e enfermeiros. Temos o compromisso diário, de em equipa multidisciplinar, implementar o rastreio nutricional como prevenção primária da malnutrição e, assim, garantir cuidados nutricionais otimizados e atempados. Nesse sentido, e com o objetivo de promover a literacia em nutrição clínica, promovemos pelo quarto ano consecutivo a Semana da Sensibilização para a Malnutrição, sendo uma honra para toda a Direção da APNEP, e seus associados, o apoio institucional concedido pelo Ministério da Saúde do XXIII Governo Constitucional a esta iniciativa, assim como o apoio científico concedido pela Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, pela Sociedade Portuguesa de Cirurgia, pela Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar e pela Associação Portuguesa de Nutrição. Deixamos, ainda, um especial agradecimento à Câmara Municipal de Sintra pelo seu apoio incondicional à causa da nutrição clínica. O nosso compromisso na sensibilização para a malnutrição associada à doença é diário, e envolve os decisores políticos e os mais altos responsáveis pelos sistemas de saúde, com o objetivo de passarmos da teoria à prática e garantir que a nutrição clínica está acessível para a promoção do bom estado nutricional de todos os que se encontram em risco nutricional.

Rocco Barazzoni, Presidente da ESPEN

“É uma grande honra poder participar em mais uma edição da Semana da Sensibilização para a Malnutrição. Já trabalhamos com a APNEP há alguns anos e esperamos continuar a fazê-lo, pois é uma parceria que valorizamos muito. Temos bastante orgulho em poder partilhar ideias e conhecimentos com esta associação e, dessa forma, conseguirmos promover uma Europa cada vez mais forte no ramo da medicina. Pretendemos, juntos, aprimorar o acesso aos cuidados nutricionais e aumentar os benefícios destes nos seus pacientes. Em Portugal, a ESPEN tem sido um exemplo de NEMS (Educação Nutricional nas Escolas de Medicina) ao promover este modelo nas Faculdades de Medicina das universidades de todo o país. A nutrição é um direito do ser humano essencial para a sua sobrevivência. Este não deve ser negado nem ignorado e para tal é necessário aumentar a promoção aos acessos a estes cuidados nutricionais.”

Silvia Tarantino, Manager do nutritionDay WorldWide

“É muito gratificante poder participar nesta cerimónia solene da 4ª edição da Semana de Sensibilização para a Malnutrição. A colaboração do nutritionDay WorldWide com a APNEP é bastante composta e esta é para nós, sem dúvida, a semana mais importante do ano. É uma se- mana para relembrar o quanto a malnutrição afeta os pacientes e é importante aumentar a educação e o conhecimento em relação aos sin- tomas deste problema que afeta tantas pessoas. Este é o primeiro ano que o nutritionDay vai estar integrado nos cuidados de saúde primários e isso é um desenvolvimento excelente para a qualidade dos cuidados nutricionais prestados. Um projeto que começou em 2004 e até agora foi implementado em 71 países, em 15 mil unidades de saúde, ajudou 282 mil pacientes e 45 mil residentes.”

Paulo André Lopes, Coordenador do Grupo de Estudos de Nutrição Clínica para os Cuidados de Saúde Primários da APNEP

“É a primeira vez que participo na Semana da Sensibilização para a Malnutrição e sinto-me muito honrado por fazer parte de um projeto tão importante. O objetivo desta semana é, tal como o nome indica, aumentar a sensibilização do problema, tanto a nível de instituições de saúde como a nível de instituições políticas. Queremos que este tema seja abordado e trabalhado. Como sou Coordenador do Grupo de Estudos de Nutrição Clínica para os Cuidados de Saúde Primários da APNEP sinto que o nutritionDay vai revolucionar os cuidados nutricionais nos Cuidados de Saúde Primários. É um privilégio gigante poder participar neste estudo e é uma mais-valia enorme para o nutritionDay WorldWide e para os Cuidados de Saúde Primários.”

Ricardo Marinho, Coordenador da Medicina Interna da APNEP

Ricardo Marinho revelou que o seu maior objetivo é resolver o problema de falta de dados relativos à malnutrição existente em Portu- gal. “Se virmos o risco nutricional como uma doença que deve ser avaliada e tratada a nível hospitalar, o risco nutricional é a patolo- gia mais frequente que existe nas enfermarias hospitalares e a malnutrição grave é a quinta mais frequente”. Revelou ter iniciado, em 2018, um estudo que comprova que “51% dos doentes internados apresentavam risco nutricional, sendo que 73% destes doentes estariam com uma malnutrição classificada como moderada a grave”. Em continuação desse trabalho, atualmente está envolvido num projeto piloto inovador avançado pelo Centro Hospitalar da Universi- dade do Porto. Este estudo confirmou novamente os dados alcançados em 2018. Desde fevereiro de 2022, foram avaliados mais de dois mil doentes, tendo-se confirmado que 50% dos doentes internados na medicina interna apresentam risco nutricional. Segundo Ricar- do Marinho, o estudo avalia também os resultados clínicos destes doentes. “Não basta dizer que estes doentes têm um risco nutricio- nal, é preciso ver quais as implicações que estes doentes têm por ter risco nutricional”, defende. Desta forma, será possível que os doentes sejam diagnosticados mais precocemente, “quer na parte do risco quer da parte da malnutrição em si e vamos tentar atacar esse problema de um ponto de vista multidisciplinar”. Refere ainda o impacto que estes números têm a nível económico. “O internamento de um doente sem risco nutricional gasta uma mé- dia de 3457 euros, enquanto que os custos do internamento de um doente com risco nutricional aumentam para quase seis mil euros.”

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