“Projetamos com o conhecimento real de quem constrói e construímos com o rigor técnico de quem projeta”

Antes de falar em edifícios, Pedro Pais fala em tempo. Tempo enquanto origem da sua relação com a construção e como variável que orienta a evolução do setor. Dando continuidade a um legado com mais de 50 anos, fundou em 2014 a Escalas & Croquis, onde reúne arquitetura, construção e promoção imobiliária. O Porto, com o Résidence Vendôme como referência, Bragança e os Açores fazem parte das regiões em que a empresa realiza projetos atualmente.

Perspetiva Atual: Para começar a entrevista, gostaríamos de conhecer melhor a história por detrás da sua trajetória profissional, como descreveria a sua abordagem à arquitetura? Sempre teve a convicção de que este seria o rumo que ambicionava para a sua carreira?

Pedro Pais: A minha ligação à arquitetura começa muito antes da universidade, nasce dentro da construção. Venho de uma família cuja empresa, fundada pelos meus pais, se dedicou durante décadas à obra real, ao desenvolvimento imobiliário e à responsabilidade de construir cidade. São mais de 50 anos de história, atravessando duas gerações, guiadas sempre pelo mesmo princípio: “Longe dos holofotes, mas perto da excelência, há 50 anos”.

Cresci a ver edifícios nascerem do zero, desde o primeiro ferro ao último acabamento. Essa relação direta com o estaleiro moldou a forma como penso: para mim, a arquitetura não é apenas desenho; é responsabilidade, rigor e futuro. Foi isso que me levou, anos mais tarde, a escrever a dissertação “Gestão da Arquitetura em Tempo de Crise”, onde concluí que a sustentabilidade, económica, ambiental e tecnológica, é o único caminho sólido para enfrentar os ciclos de instabilidade que o setor vive.

É com essa herança e essa visão que nasce a Escalas & Croquis, fundada em 2014, como continuidade natural do trabalho da primeira geração, mas com a maturidade técnica e conceptual da segunda. Hoje, unimos arquitetura, construção e promoção imobiliária de forma integrada: projetamos com o conhecimento real de quem constrói e construímos com o rigor técnico de quem projeta. Utilizamos sempre os sistemas mais avançados disponíveis e antecipamos aqueles que ainda virão.

PA: Embora esteja envolvido em diversos projetos, a ESCALAS & CROQUIS Lda, criada em 2014, é aquela que mais se destaca no seu percurso. Poderia explicar em que consiste, na prática, a atividade da empresa e quais os projetos que a distinguem no setor?

PP: O projeto que melhor sintetiza esse percurso é o Résidence Vendôme, no Porto. A sua conceção nasce da consciência das crises que marcaram o setor, económicas, energéticas, sanitárias e tecnológicas, e da necessidade de criar edifícios preparados para acompanhar a evolução dos tempos. Mas nasce também de um lugar simbólico: a Porta da Vandoma, um dos mais antigos emblemas templários da cidade. O Vendôme está implantado em frente ao novo Mercado da Vandoma, junto à Estação de Metro de Nasoni, a poucos metros da Estação de Comboios de Contumil e integrado no futuro eixo do TGV. É literalmente um edifício na porta da cidade, no ponto onde passado e futuro se encontram. A linguagem arquitetónica reflete essa identidade: verticalidade, cheios e vazios rigorosos, estrutura assumida, luz como elemento central. É uma arquitetura contemporânea com romantismo portuense, uma arquitetura que reconhece a memória da cidade e a prolonga.

No plano técnico, o Vendôme é pioneiro: cada piso tem uma sala técnica nas zonas comuns, onde se concentram as infraestruturas essenciais das frações. O acesso faz-se pelo exterior das frações, evitando qualquer intrusão no interior das habitações. Se for necessário substituir um sistema por avaria ou integrar tecnologia futura, isso acontece sem obras dentro da casa do proprietário. O Vendôme foi pensado para evoluir com a tecnologia, não para lhe resistir. É um edifício preparado para 2050, não apenas para 2025.

Edifício Residence Vendome – Alçado Principal – Rua Estação de Contumil
Edifício Residence Vendome – Alçado Frontal – Rua Estação de Contumil
Edifício Residence Vendome – Alçado Frontal – Rua Estação de Contumil

Nos últimos anos, desenvolvemos projetos muito diferentes entre si. Um deles foi completamente fora da nossa escala habitual: o Edifício do Bom Jardim, apenas com quatro frações, um exercício de detalhe e contenção. Optámos por materiais de longa duração: azulejo cerâmico artesanal, cobertura integral em zinco, e uma verticalidade rigorosa nos vãos. Pequeno em dimensão, grande em precisão.

Edifício Bonjardim – Rua do Bonjardim – Porto
Edifício Bonjardim – Rua do Bonjardim – Porto
Edifício Bragança – Vale D’Alvaro – Bragança

Em Bragança, desenvolvemos dois projetos particularmente marcantes, e o primeiro, pela sua escala e presença urbana, merece destaque. O primeiro é um edifício de grande dimensão, marcado pelo conceito volumétrico das caixas deslizantes, que gera cheios e vazios profundos e um contraste expressivo entre o branco das fachadas e a caixilharia escura. Optámos por duas entradas, reforçando funcionalidade e conforto. Tecnologicamente, reforçámos tudo: bomba de calor, piso radiante, isolamento térmico e, sobretudo, um cuidado acústico absoluto, porque Bragança tem algo único para oferecer ao mundo: o silêncio.

Edifício Praça da Sé – Rua dos Combatentes da
Grande Guerra – Bragança

O segundo é o edifício da Praça da Sé, implantado entre a Rua Abílio Beça e a Rua Combatentes da Grande Guerra. Colmatámos as duas empenas, retomando a verticalidade dos vãos tradicionais e utilizando materiais profundamente enraizados na identidade local: aço corten, telha em barro, pedra e o branco característico. No remate superior, um gesto que dialoga com o Museu Graça Morais, devolvendo coerência ao centro histórico.

Mercado Municipal de Mirandela

Desenvolvemos ainda um estudo conceptual para o Mercado Municipal de Mirandela, cujo conceito nasce da festa da cidade, a Noite de Bombos. Dessa celebração coletiva retiramos a essência, transformando o bombo em objeto arquitetónico que se abre para o público e para a cidade. O edifício enaltece as tradições da terra, os bombos, o azeite, o comboio e a tradição do barro, de forma contemporânea. O ritmo dos bombos inspira a estrutura, a tonalidade do azeite inspira a luminosidade e ambiência do edifício, a modularidade das carruagens do comboio dão origem aos módulos das lojas e a argila dá materialidade aos cóbogos da fachada. Estes integram um sistema cool-ant, assegurando um comportamento bioclimático ajustado à região, proporcionando refrigeração natural durante o verão e respondendo com eficiência às elevadas temperaturas.

Estamos também a desenvolver um projeto especial fora do continente: um edifício com 85 frações na primeira linha do mar da Ilha Terceira, nos Açores. O conceito nasce da pedra vulcânica e dos muros das vinhas que moldam a paisagem açoriana. A arquitetura emerge da geologia: volumes que se fragmentam como basalto e paredes que reinterpretam a divisão agrícola tradicional. Uma obra onde a natureza não é cenário, é origem.

Edifício S. Mamede – Rua Godinho de Faria – Porto
Edifício Azenha – Rua da Azenha – Porto
Edifício S. João I – Rua da Asprela – Porto

Outro projeto muito especial para nós é o conjunto Living S. João, cuja Fase 1 acolhe hoje o nosso ateliê. As três fases foram construídas com quase uma década de diferença, mas articuladas como se fossem um único organismo arquitetónico. A Fase 3, que iniciaremos em 2026, concluirá esse ciclo.

Cobertura Edifício Giestal – Rua do Giestal Porto
Edifício Giestal – Rua do Giestal – Porto

“O Vendôme foi pensado para evoluir com a tecnologia, não para lhe resistir. É um edifício preparado para 2050, não apenas para 2025”

PA: Quais são os objetivos da empresa para 2026?

PP: Para 2026, estabelecemos três objetivos claros:
— Iniciar a construção dos edifícios Vendôme;
— Avançar com a Fase 3 do Living S. João;
— Concluir o projeto do Gestal, talvez o mais ambicioso de todos.

Maquete Edifício Giestal – Alçado frontal
Maquete Edifício Giestal – Alçado tardoz

O Gestal é um edifício com aproximadamente 40.000 m² de construção, uma escala excecional que exigiu um plano urbanístico específico elaborado pela Câmara Municipal do Porto. Na frente urbana, o edifício desempenha um papel estruturante: numa zona onde a malha era orgânica, rural e desordenada, o Gestal cria, pela primeira vez, uma frente urbana contínua, com a escala de uma avenida, capaz de organizar o território e lhe dar identidade metropolitana. E essa presença torna-se coerente pela força da zona envolvente: ali convergem o novo Parque, o futuro TGV, o Estádio do Dragão, o Shopping Alameda e um conjunto de infraestruturas que sustentam a escala do edifício e permitem a sua afirmação urbana.

No tardoz, concebemos um grande pulmão urbano, pensado para aliviar e equilibrar uma cidade densificada. Aproveitámos o desnível natural do terreno para criar taludes suaves, evocando discretamente as vinhas do Douro, mas numa escala humana, habitável e integrada.

O edifício recorre a sistemas sustentáveis e autossuficientes, introduzindo um modelo pioneiro: será o primeiro edifício em Portugal onde cada condómino assume a sua responsabilidade ecológica e energética individual, medida através de inteligência artificial. Quem demonstrar maior eficiência ambiental e uma utilização mais responsável dos recursos terá benefícios diretos no condomínio, criando uma verdadeira microeconomia ecológica dentro do edifício, onde se valoriza quem contribui mais para a redução da pegada carbónica coletiva.

O programa integra ginásios, restaurantes, uma superfície comercial com 6.000 m², áreas de trabalho e um grande jardim posterior que funciona como praça e elemento respiratório da cidade. Não é apenas um edifício, é uma nova centralidade urbana, preparada para o futuro.

O projeto está a ser desenvolvido com investidores do Qatar, reforçando a internacionalização da Croquis Capital e posicionando o Gestal como porta de entrada da cidade e do mercado internacional.

Será também em 2026 que abriremos caminho para a internacionalização da Croquis Capital, levando esta visão construtiva, sustentável, silenciosa, tecnológica e humana para outros mercados.

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