A arte que constrói o mundo

O Departamento de Arquitetura da Universidade de Coimbra (DARQ-UC) tem passado por uma notável transformação desde a criação da Licenciatura em Arquitetura, há cerca de 35 anos. O Diretor do DARQ, Luís Miguel Correia, destaca que atualmente o departamento vai além do ensino exclusivo de arquitetura, como era no início, passando também a integrar a Licenciatura e Mestrado em Design e Multimédia, desde há sensivelmente 15 anos, em colaboração com o Departamento de Engenharia Informática.

Presentemente, o DARQ oferece diversos programas de estudo, como o Mestrado Integrado em Arquitetura (MIA), o Mestrado em Reabilitação Urbana Integrada (mRUI) e um curso de doutoramento, o COIMBRASTUDIO.

Luís Miguel Correia, Diretor do Darq

Em anos recentes, o DARQ passou a integrar um consórcio internacional responsável pelo Mestrado ALA (Architecture, Landscape and Archaeology), um projeto europeu que envolve universidades de Itália (Roma e Nápoles) e da Grécia (Atenas). “É um programa interdisciplinar que explora a relação entre as áreas da arquitetura, da arqueologia e outras que se debruçam sobre a paisagem, proporcionando aos numerosos estudantes internacionais que frequentam o curso uma experiência sobremaneira enriquecedora da sua formação”, revela Luís Miguel Correia.

Diversidade cultural e do saber

O crescimento do DARQ ao longo dos anos tem-se evidenciado pelo aumento significativo de estudantes, com uma percentagem cada vez maior dos que chegam de fora de Portugal, em especial dos procedentes do Brasil. Segundo o diretor, tal circunstância multicultural promove o contacto com realidades e perspetivas distintas, enriquecendo, assim, o ambiente académico e científico vivido no edifício onde o DARQ reside: o Colégio das Artes. “Penso que esta convivência diversa, que nos faz crescer a todos, resulta em muito do confronto com o desconhecido. Viver tranquilamente no que conhecemos impede-nos de aprender o novo”, começa por afirmar. “Por isso, no departamento promove-se a dúvida, a relação com o que não se sabe. Constrói-se e desenvolve-se um sentido crítico sobre o que nos rodeia diariamente. O intercâmbio de docentes e estudantes é parte importante deste ambiente, que se quer multicultural e inclusivo.”

Os espaços de ensino do DARQ, situados em redor de um claustro, convidam à vida em coletivo, reforçando a ideia de proximidade e promovendo a convivência e interação entre todos. “A ideia de um corpo coletivo transmite-se em todas as valências, seja no ensino, na investigação, nas instalações ou nas muitas iniciativas que anualmente promovemos. Esta é uma característica que, creio, nos distingue”, declara Luís Miguel Correia.

O impacto das novas tecnologias na arquitetura

Num mundo cada vez mais dominado pelas tecnologias, a arquitetura não escapa às transformações por elas provocadas, que se estendem a todas as áreas profissionais. Contudo, Luís Miguel Correia revela que no DARQ se continua a defender o desenho à mão livre nos primeiros anos. “Confiamos que através da manualidade se constroem os fundamentos da aprendizagem. Manter essa raiz desperta a formação e o desenvolvimento do pensamento crítico sobre o projeto e, muito em particular, sobre a realidade.”

No entanto, o departamento reconhece a importância das novas ferramentas digitais e a sua relevância no mercado de trabalho. Foi neste sentido que se introduziu, por exemplo, a utilização do BIM (Building Information Modeling). Uma ferramenta digital obrigatória em muitos projetos hoje realizados para o Estado. O ensino de tecnologias avançadas, como o desenho computacional e outros meios digitais, é especialmente incorporado nas disciplinas em que os estudantes são confrontados com a transformação real, como a de projeto e de construção.

As necessidades reais e atuais do mercado de trabalho

Atualmente, as instituições de ensino e empresas do meio envolvente têm muito a ganhar com colaborações que fazem entre si. Todavia, o diretor do DARQ revela não ser assim tão linear na área da arquitetura.

Para superar alguns obstáculos, o departamento procura garantir aos estudantes contacto com a realidade que os rodeia, sobretudo nos quarto e quinto anos do Mestrado Integrado em Arquitetura, onde se visa explorar o futuro de lugares em expectativa ou carentes de definição. Nos primeiros três anos do curso, os estudantes recebem uma formação base, que compreende os princípios fundamentais da arquitetura, nas áreas do projeto, desenho, geometria, teoria e história, construção, urbanismo e desenho digital.

O objetivo é que, no quarto e quinto anos, os estudantes possam escolher um tema específico em que desejem aprofundar os seus conhecimentos. Para isso, são disponibilizados quatro ateliês de arquitetura e urbanismo, cada um com um tema de investigação determinado. Nesses ateliês são desenvolvidos trabalhos próximos de uma realidade material e imaterial. Convergindo, num mesmo espaço, problemas de ordem diversa, desde a escala do território ao detalhe construtivo. Com a aprendizagem dos primeiros anos, os estudantes ficam capazes de perceber que o projeto produz a síntese do conhecimento.

Para a prossecução destes trabalhos estabelecem-se parcerias, mormente com órgãos municipais. Este modelo de colaboração permite que os estudantes trabalhem em projetos reais e articulados com as necessidades das comunidades locais. Tal abordagem já foi implementada quer em Portugal, quer em outros países.

Luís Miguel Correia destaca que a sociedade exige profissionais com visão interdisciplinar, aptos a adotar uma perspetiva crítica sobre o mundo em que vivem. No caso da arquitetura, essa perspetiva é desenvolvida no Colégio das Artes via o ensino do projeto, do desenho, da teoria e história, da construção, etc.. O que proporciona aos estudantes a capacidade de interagir com a realidade e outros protagonistas da sua transformação.

Os desafios da profissão

Como muitas outras áreas, também a arquitetura se depara atualmente com desafios importantes. Ricardo Camacho, da Ordem dos Arquitetos, considera que a arquitetura em Portugal é ainda pouco valorizada e que os arquitetos são mal remunerados. Para Luís Miguel Correia, a arquitetura é uma área apaixonante que requer compromisso e dedicação dos profissionais. A preferência de seguir este caminho deve ser motivada por essa paixão e não apenas por expectativas de ganhos financeiros imediatos.

Luís Miguel Correia reconhece que existem dificuldades estruturais e mesmo culturais que têm impossibilitado uma melhor e adequada dignificação da arquitetura em Portugal. O diretor destaca que em outros países da Europa a arquitetura é mais valorizada e respeitada, com melhores salários e condições de trabalho. Não obstante a realidade portuguesa, a valorização da nossa arquitetura é deveras reconhecida internacionalmente.

O Diretor do DARQ reforça a necessidade de a sociedade em geral e o próprio Estado reconhecerem o valor e o papel que os arquitetos detêm, ou deveriam deter, na organização do espaço. “A arquitetura não se resume ao projeto em si, aos ‘desenhos bonitos’, mas, antes, implica a transformação efetiva da realidade. Os desenhos tão-só informam um processo, produzido a diversas escalas, que conduzem à referida transformação”, explica. “Com efeito, os desenhos podem traçar a execução de um simples lancil ou lançar as fundações de uma futura cidade. Tudo com o objetivo único de melhorar a vida das pessoas e do ambiente em que vivem.”

A ligação da arquitetura com a sustentabilidade

A arquitetura tem procurado integrar-se harmoniosamente com o ambiente, indagando soluções que promovam a qualidade do ar, o conforto térmico e a eficiência energética dos edifícios. A sustentabilidade na arquitetura abrange várias dimensões, não se limitando aos aspetos construtivos.

No DARQ, são ministradas disciplinas e desenvolvidos projetos de investigação que abordam o tema da sustentabilidade de forma transversal. Segundo o diretor, incentivam-se os alunos a considerarem a sustentabilidade desde as fases iniciais do projeto até às que exploram novas tecnologias construtivas, materiais sustentáveis e soluções que promovam a eficiência energética e o conforto dos ocupantes.

Porém, reconhece-se que ainda há muito a ser feito. Na opinião do Diretor, a mudança em direção a uma arquitetura mais sustentável requer uma transformação cultural tanto da sociedade como dos próprios arquitetos. É de notar que os mais jovens tendem a manifestar uma maior sensibilidade e conhecimento sobre estas questões.

Para Luís Miguel Correia é fundamental que a sociedade como um todo se torne também mais exigente e consciente da importância que os arquitetos podem ter na construção de um mundo mais inclusivo, sustentável e seguramente mais bem desenhado. Tal fim implica investimentos consentâneos com o trabalho produzido.

O futuro do DARQ

No que diz respeito às perspetivas de expansão e desenvolvimento do departamento, o diretor afirma que existem alguns planos em curso. Um dos primeiros objetivos prende-se com a recuperação do Colégio das Artes, já em curso, o que contribuirá para melhorar o ambiente de ensino e aprendizagem.

De igual forma, o departamento está empenhado em alcançar uma outra autonomia disciplinar dentro da Universidade de Coimbra. O cumprimento deste desígnio possibilitará ao departamento posicionar-se no mercado de modo mais competitivo, sobretudo a par de instituições de referência internacional.

Em relação à oferta formativa, Luís Miguel Correia revela que o departamento não está de momento focado em aumentar a sua dimensão. Ao invés, pretende reforçar e consolidar a oferta existente, procurando estar atento aos desafios que se colocam diariamente. É também propósito do departamento continuar a estabelecer parcerias com entidades externas e aprofundar relações com demais campos do saber.

Embora não existam planos para a criação de novos cursos num futuro imediato, há a possibilidade de se considerar a abertura de algum na área do design.

A mensagem e os valores do DARQ

Quando questionado sobre a marca que o DARQ deseja proporcionar aos alunos que por lá passam, o diretor afirma sem demora que é “o compromisso” com a profissão e com os seus valores e responsabilidades.

Em suma, o DARQ ambiciona que os seus estudantes se tornem profissionais comprometidos com a construção de um mundo melhor.

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