O papel fundamental dos Enfermeiros especializados na área da Endoscopia e Gastrenterologia
O Presidente da Associação Portuguesa de Enfermeiros de Endoscopia e Gastrenterologia destaca-nos as mais recentes práticas inovadoras destas duas especialidades. Nesta entrevista, Rafael Oliveira fala-nos ainda do papel da APEEGAST na formação e atualização técnica dos seus associados.
Perspetiva Atual: Como nasceu a APEEGAST e qual a sua missão?
Rafael Oliveira: A APEEGAST nasceu em abril de 2014, dando continuidade a um projeto que nasceu em 2000, na altura a Associação Nacional de Enfermeiros de Endoscopia Digestiva (ANEED).
Como o nome indica, surgiu da necessidade de dar resposta às crescentes e frequentes solicitações na área da Gastrenterologia. Abrangendo todas as suas valências (como as técnicas endoscópicas digestivas, os Hospitais de Dia e o Internamento), com o objetivo de sustentar o crescimento e a importância da Enfermagem, num contexto tão especializado, inserido numa equipa multidisciplinar.
Temos como missão principal, a valorização técnica e científica dos enfermeiros deste contexto profissional ao promover, realizar e apoiar a formação contínua, permanente e sustentada. Tanto no intercâmbio de ideias, boas práticas, experiências e conhecimentos técnico-científicos com organismos congéneres nacionais e internacionais, como na investigação, na área da endoscopia digestiva e gastrenterologia, contribuindo para a melhoria da qualidade dos cuidados de saúde na nossa área de intervenção.
PA: Que serviços são prestados na Associação Portuguesa de Enfermeiros de Endoscopia e Gastrenterologia?
RO: No seu âmbito de intervenção, a APEEGAST prioriza a formação e atualização técnica dos seus associados, assim como a conceção e a divulgação de guidelines referentes às boas práticas desta especificidade profissional.
A Associação incentiva, ainda, a comunicação entre profissionais na partilha de conhecimento e no apoio e promoção de eventos científicos, e apoia financeiramente a divulgação internacional de trabalhos de investigação realizados pelos nossos associados, representando Portugal a este nível.
Sempre que solicitado, presta apoio técnico e orientação ética e deontológica em questões legais e práticas surgidas em contexto profissional no exercício de funções.
PA: Que técnicas inovadoras recentes, dentro da área da Endoscopia e da Gastrenterologia, destaca?
RO: Esta é uma área que tem tido um crescimento exponencial, não só pela evolução tecnológica, como pela evidência científica demonstrada na grande capacidade do diagnóstico precoce e no tratamento curativo e paliativo. Este é realizado a partir de programas como o rastreio do cancro colorretal.
É difícil indicar uma técnica específica pois, além de existir uma variedade de intervenções possíveis, a grande maioria delas são complexas e altamente diferenciadas. Estas vão desde a excisão de lesões neoplásicas, como por exemplo a Disseção Endoscópica da Submucosa, passando pelas modernas técnicas cirúrgicas endoscópicas, como Divertículo de Zenker até à terapêutica endoscópica da obesidade, exemplificativamente o Sleeve Endoscópico.
Tivemos, também, uma grande evolução a nível da Colangiopancreotografia Retrógrada Endoscópica (CPRE) e da Eco Endoscopia, com um papel de primazia no tratamento de dor crónica com impacto significativo na qualidade de vida dos clientes.
Não podemos deixar de evidenciar os avanços a nível da Doença Intestinal inflamatória que, devido ao surgimento de várias terapêuticas biológicas e biossimilares, trouxe qualidade de vida aos portadores desta patologia.
A nível da Hepatologia, a hepatite B e C surgem como um problema de saúde pública, havendo vacina e tratamento para hepatite B e cura para a hepatite C. Estes antivíricos, proporcionam a cura e muitas vezes interrompem a evolução da doença (Cirrose Hepática e Hepatocarcinoma) e têm-se traduzido numa mais-valia para a saúde e para a qualidade de vida.
Portugal assumiu uma meta ambiciosa junto da Organização Mundial da Saúde (OMS), a de contribuir para a eliminação das hepatites virais até 2030. Neste âmbito, destacamos o trabalho autónomo do enfermeiro a nível dos Hospitais de Dia, onde a Consulta de Enfermagem constitui um apoio técnico e emocional imprescindível no cuidar do cliente e da família.
PA: Relativamente a parcerias nacionais e internacionais, quem são os parceiros da APEEGAST e qual a importância de se estabelecerem estas cooperações?
RO: O nosso parceiro principal tem sido a Ordem dos Enfermeiros que, num contexto de valorização profissional e melhoria contínua da qualidade em endoscopia digestiva, nos apoiou e validou a Certificação Acrescida de Competências em Endoscopia Digestiva.
Parceiros como a SPED (Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva), a SPG (Sociedade Portuguesa de gastrenterologia) e a APEF (Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado) têm contribuído para o nosso crescimento enquanto associação nacional que, desde 2014, fruto do protocolo, passou a estar integrada na Semana Digestiva, o principal congresso científico nacional na área da Gastrenterologia.
Internacionalmente, representando Portugal, somos associados da European Society of Gastroenterology and Endoscopy Nurses and Associates (ESGENA) e integramos o ESGENA Education Working Group (EEWG).
Não podemos esquecer a Indústria especializada que nos tem apoiado técnica e cientificamente na realização de diversos eventos.
Citando Vreede e Briggs (2005), a APEEGAST vê toda esta cooperação como uma “articulação de um esforço comum em direção a um objetivo”. A união de esforços permite-nos alcançar a compreensão e um nível de competências que, em termos de Associações e Sociedades científicas, melhoram a qualidade em saúde esperada e exigida pela sociedade em geral. É grande a sua importância no desenvolvimento pessoal e profissional ao tornar possível a divulgação de boas práticas e a realização de projetos e eventos científicos.
Para a APEEGAST, esta “cooperação é a convicção plena de que ninguém pode chegar à meta se não chegarem todos” (Virginia Burden).
PA: Qual é a importância de termos cada vez mais enfermeiros especializados?
RO: A certificação de competências acrescidas e especializadas é uma tendência internacional e a Enfermagem em Portugal deverá acompanhar esta tendência, dotando os enfermeiros de conhecimento e competências, que lhes permitam desempenhar atividades cada vez mais complexas, ultrapassando o domínio dos cuidados gerais.
É um processo que responde à evolução das necessidades, no que diz respeito aos cuidados de saúde, e que se traduz em ganhos de eficiência e efetividade em saúde, como a diminuição do erro e taxa de internamento. Este proporciona ganhos institucionais para o próprio enfermeiro, pelo impacto positivo que tem na sua valorização profissional, melhorando os seus índices de satisfação e de motivação, pois permite a prestação de cuidados de saúde de qualidade.
PA: Ainda existe o preconceito de que os enfermeiros não estão aptos para várias tarefas, sendo que na verdade têm a devida formação para as cumprir?
RO: Não nos revemos nesta linha de pensamento. Após a par da sua formação de 4 anos, têm disponíveis Pós-Graduações, Especialidades, Mestrados e Doutoramentos, e em verdade, todos os Enfermeiros efetuam um percurso formativo ímpar de acordo com os serviços em que se inserem, com as necessidades de formação individuais e das próprias especificidades assistenciais nas quais participam.
A saúde é um dos mais complexos e adaptativos sistemas, encontrando-se em constante atualização. Neste ambiente tão desafiante e único, apenas um trabalho multidisciplinar responderá às necessidades dos nossos clientes.
Todos os profissionais de saúde são igualmente relevantes, o que não exclui a premência da diferenciação, a contínua atualização, e foco no cliente e sua família, alguns dos pilares pelo qual a Enfermagem se rege.
PA: Quais são os seus objetivos para o futuro da APEEGAST?
RO: Num presente em constante mudança, os objetivos futuros da APEEGAST refletem-se num caminho traçado pela sua Direção que tem ganho cada vez mais importância para a Enfermagem. Nisto a promoção e o reconhecimento do enfermeiro em Endoscopia Digestiva e Gastrenterologia serão fundamentais e uma garantia para a qualidade assistencial em Enfermagem em Endoscopia e Gastrenterologia. Uma constante atualização nesta área de especialidade onde a partilha do conhecimento e a discussão de experiências nos eleva como elementos ativos e inseparáveis de uma equipa multidisciplinar.
A formação especializada será, certamente, um dos caminhos mais importantes a seguir, onde a constituição de Pós-Graduação em Enfermagem em Endoscopia Digestiva apresenta-se como a validação desta tão importante necessidade em Enfermagem para o desempenho assistencial de qualidade.
O futuro transporta-nos também pelo caminho da Hepatologia e da Doença Intestinal Inflamatória, áreas de vital importância e intervenção do enfermeiro no contexto da Gastrenterologia, onde o reconhecimento como competência acrescida deverá ser validado e a formação Pós-Graduada uma realidade no ensino em Enfermagem.
Num futuro mais longínquo, mas esperando estar próximo, uma especialização em Enfermagem em Gastrenterologia, aglutinadora de todas estas áreas especificas, validada e reconhecida pela Ordem dos Enfermeiros à semelhança das existentes atualmente.
A manutenção das parcerias nacionais e internacionais são também de vital pertinência para o nosso crescimento e validação da importância do enfermeiro em endoscopia e gastrenterologia.
Por fim, torna-se imperativo o investimento na investigação, na necessidade sentida pelos enfermeiros de desenvolver o seu conhecimento científico e aplicabilidade prática a nível dos cuidados prestados. A produção de conhecimento torna-se no garante de uma enfermagem especializada, de um processo assistencial seguro e de qualidade em todas as suas dimensões.
A Investigação é, sem quaisquer dúvidas, um caminho que tem de se manter e de ser percorrido.