A investigação que antecede e que segue a formulação de políticas e práticas judiciais

“Compreender e dar resposta a alguns dos principais desafios com que se deparam as sociedades contemporâneas” é, segundo Maria Miguel Carvalho – diretora do JusGov -, o primordial objetivo do Centro de Investigação em Justiça e Governação, sub-unidade da Escola de Direito e Unidade de Investigação e Desenvolvimento da Universidade do Minho.

Perspetiva Atual: Qual é a principal missão do Centro de Investigação para a Justiça e Governação?

Maria Miguel Carvalho, diretora do JusGov

Maria Miguel Carvalho: A missão do JusGov é essencialmente promover a investigação avançada na área do Direito, objetivo que é prosseguido através de um programa inovador e interdisciplinar de investigação, que assenta na participação do Centro, avaliado com muito bom e financiado pela FCT, em prestigiadas redes internacionais de investigação e numa estratégia forte de disseminação dos resultados da investigação aqui realizada, nomeadamente, pela realização de encontros científicos nacionais e internacionais e pela edição de publicações com acesso aberto, incluindo algumas periódicas com peer review, como a UNIO – EU Law Journal, os anuários de

Direitos Humanos e do E-Tec, e ainda a JusGov Research Paper Series, disponível na plataforma em linha da Social Science Research Network. A missão do JusGov é ainda concretizada pelo desenvolvimento de projetos de interação com e de serviço à sociedade e pela contribuição para a iniciação científica e formação avançada de novos investigadores.

PA: Que áreas são abrangidas pelo vosso programa de investigação e como se organizam as suas equipas?

MMC: O JusGov procura explorar o papel do Direito para compreender e dar resposta a alguns dos principais desafios com que se deparam as sociedades contemporâneas, como aqueles identificados na Agenda das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável 2030. O nosso programa de investigação é desenvolvido por seis grupos de investigação, que integram equipas interdisciplinares, incluindo investigadores de outras áreas, como a criminologia, a sociologia, a antropologia, a psicologia, a economia e a informática, e contam com colaborações frequentes em várias linhas disciplinares, como a engenharia de computação e as ciências da saúde. Cada grupo tem eixos temáticos de investigação prioritários, sem prejuízo da sua interligação.

O CEDU – Estudos em Direito da União Europeia foca-se em três grandes áreas temáticas relativas à interconstitucionalidade: direitos fundamentais e cidadania; mercado interno e concorrência; e proteção judicial efetiva da União Europeia. O DH – Direitos Humanos desenvolve investigação em quatro linhas que correspondem a quatro principais preocupações na implementação de padrões de direitos humanos: igualdade e não discriminação; saúde e bioética; migração internacional e integração de migrantes; e direitos humanos numa sociedade em rede. O E-TEC – Estado, Empresa e Tecnologia centra a sua investigação em quatro áreas: Indústria 4.0, focando-se na inovação tecnológica e, em especial, na transformação digital da sociedade e da indústria; inteligência artificial e robótica; Direito da Saúde e governação, tanto para entidades públicas como para empresas. O GLOB – Globalização, Democracia e Poder promove a investigação comparativa e o conhecimento em duas áreas-chave de interesse para as nossas sociedades interconectadas: sustentabilidade ambiental e desenvolvimento humano e globalização, poder e policentrismo. O JusLab – Laboratório de Justiça foi criado para preencher uma lacuna entre a academia e a prática jurídica, funcionando como um fórum para discussão e colaboração entre juristas e outros profissionais com o objetivo de contribuir para um sistema de justiça mais eficaz e humano. A investigação desenvolvida por este grupo recai sobre três temas principais: processo de tomada de decisões judiciais; inovação no tribunal e justiça mudança social. O JusCrim – Justiça Criminal e Criminologia dedica-se à investigação no campo das ciências jurídicas aplicadas, em particular o Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, focando-se na prevenção, policiamento e segurança; nos processos e procedimentos judiciais; na penalidade; nas fronteiras do sistema judicial penal e na violência de género.

Estes seis grupos desenvolvem a sua atividade muitas vezes em conjunto, por exemplo, no projeto Direito, Sustentabilidade Ambiental e Desenvolvimento Humano do GLOB participaram investigadores do DH, do E-TEC, do JusLab e do JusCrim.

PA: Quando se pensa em investigação imagina-se, por exemplo, um cientista num laboratório a desenvolver experiências. Esta é uma imagem que não se coaduna com a da investigação na área do Direito e Justiça. Como se investiga em Direito? Como funciona o JusGov? Para que audiência trabalham, ou seja, estes projetos de investigação resolvem problemas de que público-alvo?

MMC: A investigação científica implica um processo ordenado e sistemático de pesquisa, de análise e de reflexão para obter conhecimentos ou aprofundar os conhecimentos já existentes numa determinada área do saber – investigação fundamental -, e/ou utilizá‑los na prática – investigação aplicada. A investigação em Direito centra-se, em boa medida, na determinação de problemas jurídicos resultantes da constante mutação da sociedade: a necessidade de regulação de um determinado ponto por existir uma lacuna na lei ou ser conveniente a alteração das leis existentes.

No plano da investigação fundamental, o JusGov visa contribuir para precisar conceitos estruturantes que se encontram no cruzamento entre o Direito e outras Ciências, como o conceito de sociedade e economia digital, bem como discutir os quadros teóricos que informam os debates académicos sobre o Estado de Direito e Democracia, Interculturalidade e Pluralismo Jurídico, Globalização e Policentrismo.

No plano da investigação aplicada, propõe-se analisar as soluções jurídicas e políticas adotadas para questões fundamentais do nosso tempo, como a proteção da privacidade em contextos híperconectados.

Em termos de metodologia, a investigação em Direito assenta, fundamentalmente, na pesquisa e análise crítica de bibliografias e de decisões judiciais. Mas, pode compreender outros, como estudo de casos, de que é exemplo o projeto Economia Colaborativa ou trabalhos de campo, como sucedeu no projeto InclusiveCourts, em que, para avaliar a jurisprudência dos tribunais portugueses em casos que envolvem minorias étnicas ou religiosas e/ou argumentos culturais, foram realizadas várias entrevistas a juízes ou ainda no projeto Smart Cities and Law, que inclui um estudo empírico em sete municípios do Norte de Portugal.

O nosso público-alvo no caso da investigação fundamental visa, sobretudo, a comunidade jurídica. Já a investigação aplicada pode destinar-se a instituições públicas, a profissionais, a estudantes ou ao público em geral. Por exemplo, o projeto C.L.A.S.S.4EU envolveu sessões de formação sobre regulamentos de direito familiar para advogados e serviços sociais transfronteiriços; o eUjust – EU Procedure and credits’ claims: approaching electronic solutions under e-Justice paradigma, incluiu ações de sensibilização junto de estudantes do ensino secundário da região de Braga, bem como a formação contínua de estudantes e operadores judiciários, e o projeto Dignipedia Global: Sistematizar, Aprofundar e Defender Direitos Humanos em Contexto de Globalização, desenvolvido com outros parceiros, visa a capacitação de alunos, escolas e universidades, agentes de educação e de ação sociocultural.

PA: O JusGov está ligado à Escola de Direito da Universidade do Minho (EDUM), pelo que uma das suas contribuições recai na formação de investigadores em fase inicial. Como é que estes jovens investigadores e alunos da U. Minho são integrados nas atividades de investigação e de que modo é realizado este acompanhamento e formação?

MMC: O JusGov conta com uma Escola de Investigadores (EI) que reúne os doutorandos e um conjunto de alunos de mestrado e de licenciatura da EDUM que demonstraram especial vocação para a investigação científica. A EI visa criar oportunidades de investigação, por exemplo, pela integração dos jovens investigadores em projetos de investigação em desenvolvimento, como o da Inteligência Artificial e Robótica: Desafios para o Direito do Século XXI; organizar eventos científicos dirigidos aos seus membros e apoiar eventos científicos que promovam oportunidades de investigação, como o Encontro de Investigadores em Ciências Jurídicas da UMinho. Uma outra iniciativa interessante é o Quid Juris Podcast – “Vamos falar (de) Direito?”, em que é convidada uma personalidade com um percurso profissional de relevo para abrir a discussão sobre temas jurídicos de destaque. Por outro lado, os próprios grupos do JusGov desenvolvem iniciativas para fomentar a discussão e participação de jovens investigadores, por exemplo, workshops como o Juniors2seniors e todos os grupos contribuem para a sua formação avançada pelos programas de Mestrado em Direito da União Europeia; em Direitos Humanos; em Direito dos Contratos e da Empresa; em Direito dos Negócios Europeu e Transnacional (lecionado integralmente em inglês); em Direito e Informática; em Direito Administrativo; em Direito Tributário; em Ciências Criminais (Justiça Penal e Criminologia); em Direito Judiciário; em Direito das Crianças, Família e Sucessões e em Direito Transnacional da Empresa e Tecnologias Digitais (no âmbito da UNISF, que integra a rede de universidades públicas da Euro região da Galiza e Norte de Portugal) e nos cursos de doutoramento em Ciências Jurídicas, nas vertentes de programa doutoral ou tutorial da EDUM.

Além do que referi, a Reitoria da Universidade do Minho promove o Prémio UMinho de iniciação na investigação científica para aproximar estudantes da licenciatura a contextos reais de investigação científica e o JusGov tem participado em todas as edições deste concurso. Aliás, os nossos estudantes venceram as edições passadas.

PA: O Centro de Investigação para a Justiça e Governação fornece informação relevante para o governo, para profissionais ou para outras entidades interessadas. Como e em que áreas é que o trabalho realizado no JusGov pode ter impacto dentro do Governo português?

MMC: A investigação desenvolvida no JusGov tem um claro impacto na formulação de políticas e na prática judicial não apenas em Portugal, mas também na UE, sendo frequente o nosso envolvimento em estudos pedidos pela CE e pelo Parlamento Europeu e até de outros países, como sucedeu, por exemplo, com um parecer ao Comité de Justiça e Assuntos Internos do Parlamento britânico. Em Portugal, destaca-se a colaboração dos nossos investigadores com o Centro de Estudos Jurídicos (CEJ) e com o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão. No que respeita ao Governo português, o impacto do nosso trabalho prende-se sobretudo com a política legislativa, podendo recomendar alterações às leis existentes, apreciar procedimentos legislativos em curso ou mesmo legislar sobre áreas que carecem de regulamentação. A investigação desenvolvida no JusGov é igualmente relevante para outros profissionais e interessados, como resulta, por exemplo, do projeto Direito em Medicina, que visa alunos e profissionais da área jurídica e da saúde, e explorando os problemas jurídicos neste domínio, como a responsabilidade médica, contribui para um melhor exercício profissional, evitando reclamações e ações judiciais.

PA: Pode-nos revelar os projetos a que os investigadores do JusGov estão dedicados neste momento?

MMC: A título de exemplo, destaco os projetos A Aliança Luso‑Britânica: Balanço do passado e perspetivas de futuro que integra as comemorações do seu 650º aniversário no âmbito da iniciativa ‘Portugal-UK 650’ e envolve um grupo interdisciplinar de investigadores portugueses e das Universidades de Oxford e de Cardiff; O Direito Internacional Humanitário nos conflitos armados contemporâneos; Corrupção, Democracia e Direitos Humanos e Sustentabilidade financeira pública e poder judicial: Quando os Tribunais usam a falta de dinheiros públicos como argumento decisório.

PA: E em relação aos resultados de projetos recentemente publicados, consegue destacar algum?

MMC: Por exemplo, as Atas do Congresso Internacional Meios de Resolução Alternativa de Litígios Online.

PA: O JusGov envolve-se em redes de investigação nacionais e internacionais. Quem são os parceiros do Centro e como funcionam estas colaborações?

MMC: O JusGov é membro institucional do prestigiado European Law Institute, fundador da Rede de Direito Lusófono – REDIL e tem várias parcerias com centros de investigação e outras entidades nacionais e internacionais, como a Universidade Univali, no Brasil; o TJUE e o Governo de São Tomé e Príncipe. Estas colaborações assentam no desenvolvimento de investigação conjunta, ações de formação e estágios.

PA: Têm alguma outra iniciativa ou dinâmica a acontecer brevemente que gostaria de apresentar?

MMC: Por se tratar de uma distinção inédita para a U.M. e marcadamente excecional a nível nacional, destaco o reconhecimento da excelência do ensino e da investigação desenvolvidos pela atribuição de um Centro de Excelência Jean Monnet à U.M., intitulado “Cidadania digital e sustentabilidade tecnológica: prosseguindo a efetividade da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia na década digital” (CitDig), que desenvolverá a sua atividade nos próximos 3 anos.

PA: Relativamente ao próximo ano, quais são os objetivos e planos desta direção?

MMC: O nosso objetivo é manter a excelência da investigação desenvolvida e fortalecer a sua internacionalização, quer no mundo lusófono, quer pela sua projeção em todo o mundo. Este fito passa pelo incentivo a publicações em língua inglesa, a estadias de investigação dos nossos investigadores em instituições no estrangeiro e ao acolhimento de investigadores estrangeiros no JusGov.

Esta publicação é financiada pela FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., por fundos nacionais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, no âmbito do Financiamento UID/05749/2020.

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