DEQ avança com novos projetos sustentáveis e reforça vínculos industriais

Alinhado com os desafios da transição ecológica e digital, o Departamento de Engenharia Química (DEQ) da Universidade de Coimbra destaca-se pela aposta em “soluções inovadoras e sustentáveis”, sendo o desenvolvimento de biofilmes de nanocelulose para a conservação de documentos históricos uma das suas iniciativas mais recentes. Marco Reis, diretor do DEQ, adianta que os próximos passos passam pelo reforço da formação avançada, o aprofundamento da investigação aplicada e a expansão da colaboração com a indústria.

Perspetiva Atual: O Departamento de Engenharia Química (DEQ) da Universidade de Coimbra tem sido responsável por várias inovações, como é o caso do desenvolvimento de biofilmes de nanocelulose para a conservação de documentos históricos. Considera esta investigação alinhada com os objetivos do DEQ em criar soluções eficazes e sustentáveis? Qual é o impacto potencial desta pesquisa na preservação do património cultural?

Marco Reis: A Engenharia Química é, e desde sempre foi, uma disciplina central para o progresso da indústria e da sociedade. A maioria dos produtos com que lidamos diariamente e respetivos processos produtivos foram projetados, desenvolvidos ou operados por equipas lideradas por Engenheiros Químicos. O caso que refere reflete muito bem a abrangência e diversidade da sua atividade, que se estende à conservação de documentos históricos. O desenvolvimento deste tipo de filmes está de facto alinhado com os objetivos e atividade científica promovida no DEQ em criar soluções inovadoras e sustentáveis.

Com efeito, as nanoceluloses podem ser obtidas a partir de recursos renováveis, como por exemplo a madeira, através de processos industriais que conduzem à obtenção de pasta celulósica, bem como à sua funcionalização química e posterior processamento mecânico. No final, estes materiais apresentam um conjunto de propriedades que permite a sua aplicação na área de conservação e restauro de documentos históricos em papel. Por exemplo, a equipa liderada pelo Doutor José Gamelas já provou que os filmes de nanoceluloses têm propriedades de resistência mecânica, barreira (ao oxigénio e vapor de água) e transparência melhoradas em comparação com o conhecido “papel japonês”, muito usado na conservação e restauro de documentos históricos.

Acreditamos que a médio prazo será possível introduzir estes materiais no mercado na área da conservação e restauro, aproveitando o importante impulso proporcionado por um financiamento europeu de grande dimensão que recentemente ganhámos, com o projeto intitulado “Exploring novel bio-based materials and their applications in conservation and restoration with a new interdisciplinary team”, no qual se vão explorar todas essas vertentes.

PA: É inegável que, como o próprio nome diz, o lançamento do Mestrado em Sustentabilidade e Plásticos pretende sensibilizar os estudantes para questões ambientais e sustentáveis. Que competências os estudantes vão poder desenvolver com este curso de 2.º Ciclo?

MR: É uma excelente questão. De facto, vamos lançar no próximo ano letivo o curso de Mestrado em Plásticos e Sustentabilidade, o qual permitirá aos estudantes desenvolver competências científicas e tecnológicas fundamentais para enfrentar os desafios ambientais associados ao importante setor dos plásticos. Ao longo do curso, os alunos adquirirão conhecimentos em síntese e caracterização de polímeros, processamento e aplicação, sempre com foco na redução da pegada de CO₂ dos processos. A formação será ministrada de forma a integrar vários conteúdos que capacitam os futuros mestres a conceber produtos e processos inovadores, sustentáveis e tecnologicamente avançados. Desta forma, os alunos adquirem uma visão crítica e prática sobre o impacto ambiental dos plásticos e como minimizá-lo de forma efetiva. Dada a elevada presença dos plásticos no nosso quotidiano, desde embalagens a dispositivos médicos, a procura por profissionais com esta formação é elevada em diversos setores industriais.

PA: O DEQ coordena cursos de Licenciatura e Mestrado em Engenharia Química, além de programas focados em Biotecnologia e Sustentabilidade. Considera que estes programas preparam os alunos para enfrentar as exigências da indústria e da sociedade?

MR: É esse o nosso foco. Os programas coordenados pelo Departamento de Engenharia Química da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, nomeadamente a Licenciatura em Engenharia Química (LEQ), e os Mestrados em Engenharia Química (MEQ), Engenharia Biotecnológica (MEBT), e Plásticos e Sustentabilidade (MPS), estão fortemente alinhados com as necessidades e desafios atuais da indústria e da sociedade, com uma abordagem estratégica segundo as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Os cursos de LEQ e MEQ seguem as recomendações da European Federation of Chemical Engineering, com um programa que confere uma formação técnica sólida e multifacetada. Os diplomados adquirem competências que lhes permitem atuar em diversos setores industriais – como o químico, farmacêutico, alimentar, ambiental e energético – com capacidades para gerir, analisar, projetar, simular, controlar e otimizar processos complexos, sempre com foco na economia circular e na proteção ambiental. Esta formação permite aos diplomados enfrentar os desafios de um setor industrial cada vez mais exigente e globalizado.

O MEBT, por sua vez, aposta numa formação avançada e especializada nas áreas da engenharia de bioprocessos e biotecnologia industrial, com enfoque na bioeconomia circular, na produção de bioprodutos e no uso de matérias-primas renováveis. A ligação estreita com a indústria e a promoção do bioempreendedorismo reforçam a capacidade de inserção profissional em áreas de elevada inovação tecnológica, como biofármacos, biomateriais e biossensores. Em conjunto, estes programas garantem uma preparação atual, completa e direcionada para enfrentar os grandes desafios tecnológicos, ambientais e sociais do século XXI, oferecendo uma elevada empregabilidade em setores estratégicos como a indústria química, biotecnológica, ambiental, alimentar, energética e de materiais avançados.

PA: Este Departamento tem integrado a modernização e a tecnologia nas suas linhas de investigação. Estas áreas têm contribuído para o avanço das soluções aplicadas aos setores industriais, particularmente nas áreas da biotecnologia e engenharia de processos?

MR: Sim, as áreas de investigação e formação promovidas pelo Departamento de Engenharia Química têm desempenhado um papel central no avanço de soluções inovadoras e sustentáveis para diversos setores industriais, com impacto particular nas áreas da biotecnologia, engenharia de processos, inteligência artificial e sustentabilidade dos materiais. A modernização tecnológica está também plenamente integrada na abordagem formativa do DEQ, em particular nos programas dos mestrados, os quais aliam competências científicas e técnicas à capacidade de resposta perante desafios reais e emergentes da indústria e sociedade.

O trabalho desenvolvido pelos estudantes e investigadores do DEQ foca-se na criação de processos mais eficientes, seguros e ambientalmente responsáveis, impulsionando o desenvolvimento de produtos de base biológica, a valorização de resíduos, a transição para fontes renováveis, a redução da pegada de carbono e o desenho circular de materiais com menor impacto ambiental. A interdisciplinaridade entre biotecnologia, engenharia de processos e ciência dos materiais tem permitido soluções concretas para setores como o químico, farmacêutico, alimentar, energético, ambiental e dos plásticos, onde a sustentabilidade é cada vez mais uma prioridade estratégica. A aposta em ferramentas como a análise de ciclo de vida, a economia circular, a bioinformática, a simulação de processos e o desenvolvimento de materiais avançados garante que o conhecimento produzido se traduz em inovação prática e aplicável. Assim, consideramos que as linhas de investigação e a formação promovidas pelo DEQ têm contribuído de forma decisiva para a modernização da indústria, através da integração de soluções tecnológicas de ponta, com uma visão clara de sustentabilidade, impacto social e criação de valor a longo prazo.

PA: A empregabilidade dos novos engenheiros é uma prioridade do Departamento. Que iniciativas têm sido implementadas para garantir que os alunos possuem as capacidades práticas, além do conhecimento teórico, para se integrarem com sucesso no mercado de trabalho, altamente competitivo e em constante evolução?

MR: Como já foi referido, a Engenharia Química está em todo o lado, sendo muitas vezes designada como “a Engenharia das Engenharias”, dada a amplitude de áreas de possível intervenção. É uma disciplina com mais de 130 anos e que continua em constante evolução para responder aos desafios presentes e futuros. Mas como trazer a prática de Engenharia Química para as salas de aula? Fazemo-lo de diversas formas. Por exemplo, em várias disciplinas participam destacados responsáveis por empresas sobejamente conhecidas (como a The Navigator Company, Amorim Cork, ou a Bondalti) que não só partilham os seus conhecimentos na primeira pessoa, como abrem as portas das suas empresas para visitas, projetos, estágios e contactos com outros colaboradores. Como resultado, os estudantes dispõem de mais oportunidades para adquirir experiência e aumentar a sua capacidade de intervir com sucesso no mercado de trabalho, assim que transitem para ele. Estas iniciativas são reforçadas com outras, de onde destaco o Factory Lab. Trata-se de um projeto com um carácter único e inovador no panorama português. Esta iniciativa tem como objetivo formar os futuros líderes da indústria e contribuir para o avanço tecnológico e competitividade do setor industrial, através da integração do ensino da teoria com a prática e tecnologia de ponta.

Como parte do Factory Lab, estão instaladas no DEQ uma Sala de Controlo à escala real, que simula de forma fidedigna a operação de processos industriais reais e uma Sala de Realidade Virtual onde os processos em funcionamento podem ser “visitados”. Esta iniciativa é única em Portugal (na verdade poucas escolas a possuem no mundo) e tipifica, quando associada à ligação do DEQ com a indústria, a qualidade de ensino que queremos proporcionar aos nossos alunos e que ficarão ligados indelevelmente ao departamento como parte da nossa extensa comunidade de alumni, que muito nos orgulha.

PA: E quanto aos projetos e infraestruturas de investigação do DEQ – acha que eles também têm auxiliado na formação dos alunos?

MR: Sem dúvida. Desde cedo, os alunos que revelem interesse são integrados em equipas de investigação em curso e podem desenvolver competências dimensionadas para o seu nível de conhecimentos e maturidade científica. Os melhores alunos têm frequentemente acesso a bolsas que usufruem durante o seu percurso académico (bolsas para iniciação à investigação ou bolsas para licenciados), e que recompensam o seu desempenho e qualidade. A proximidade alunos/docentes promovida pelo DEQ muito facilita estes encontros, sendo um dos aspetos muito positivos reconhecidos pelos nossos estudantes. O DEQ acolhe o centro de investigação, CERES, e os grupos Polysic e Bio-Mark, que oferecem aos alunos oportunidades de investigação em áreas e aplicações tão diversas como: energias renováveis, processos sustentáveis, síntese e caracterização de polímeros, tecnologias ambientais, digitalização e inteligência artificial para a indústria, biotecnologia, processos e produtos para a indústria farmacêutica e cosmética, bio/nanosensores, entre outras.

Esta investigação produz continuamente resultados com aplicações práticas muito relevantes, como tecnologias para a produção da nova geração de vacinas, sistemas de purificação de água e de remoção de microplásticos, novos processos circulares para a indústria têxtil, desenvolvimento de materiais avançados para aplicações biomédicas e para a indústria aeroespacial, algoritmos de inteligência artificial e big data para a indústria, biossensores para a prevenção e diagnóstico de doenças, entre muitos outros. Algumas das ideias levam mesmo à criação de spin-offs e start-ups, como são os casos da Adventech, Envitecna, TimeUp, e Ineye Pharma. E os alunos podem fazer parte destes projetos e aprender muito com eles.

PA: O Departamento de Engenharia Química oferece também oportunidades de intercâmbio e mobilidade internacional. Acredita que essas experiências potenciam o desenvolvimento académico e profissional dos alunos, preparando-os para desafios do futuro? Ou até para a melhoria do cenário da empregabilidade?

MR: A experiência de intercâmbio e mobilidade internacional, especialmente no contexto do programa Erasmus+, permite aos nossos alunos conhecerem novas realidades académicas, diferentes metodologias de ensino e culturas. Permite que os alunos saiam da sua zona de conforto, o que contribui para o seu crescimento pessoal e académico. Os testemunhos dos alunos que participaram em programas de mobilidade em países como a Chéquia, Polónia, Reino Unido, Áustria, Itália, Espanha, Bélgica ou Holanda, são muito positivos. Descrevem a experiência como inesquecível e aconselham os colegas a que façam o mesmo. No que respeita à empregabilidade, estas experiências conferem uma vantagem clara: desenvolvem competências transversais como a adaptabilidade, autonomia, resiliência e capacidade de comunicação. Para além disso, demonstram coragem em arriscar e partir para realidades desconhecidas, o que é um fator distintivo no mercado de trabalho atual.

PA: Para que possamos compreender melhor os passos seguintes do DEQ, quais são os próximos objetivos?

MR: Os próximos passos do Departamento de Engenharia Química passam pelo reforço da consolidação dos seus cursos e programas, tendo como eixo central a formação avançada, alinhada com os desafios tecnológicos e as reais necessidades da indústria e da sociedade. O DEQ tem vindo a afirmar um perfil distintivo, baseado na melhoria contínua da sua oferta formativa, com a reformulação e atualização sistemática dos seus cursos para garantir a sua relevância, qualidade e transversalidade. Esta estratégia permite integrar de forma coerente os avanços científicos e tecnológicos nas áreas da engenharia de processos químicos, materiais, sustentabilidade, e inteligência artificial, bem como uma real transformação para uma indústria cada vez mais biotecnológica, formando profissionais altamente qualificados, capazes de atuar em ambientes complexos e em constante evolução.

Mais do que responder pontualmente a tendências, o DEQ antecipa transformações estruturais nos setores industriais, desenvolvendo programas formativos que preparam os seus diplomados para liderar a inovação, com competências técnicas sólidas, pensamento crítico e capacidade de integração multidisciplinar. A criação recente de cursos como os Mestrados em Engenharia Biotecnológica e em Plásticos e Sustentabilidade exemplifica esta estratégia, ao abordar um tema crucial com uma abordagem sistémica e orientada para soluções práticas. Assim, os próximos objetivos do DEQ passam por reforçar esta lógica de integração, aprofundando a ligação com a investigação aplicada, com os parceiros industriais e com a economia do conhecimento, consolidando-se como um polo de excelência na formação de engenheiros preparados para os grandes desafios da transição tecnológica, digital e ecológica.

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