
FDUC: Uma tradição jurídica ao serviço da ciência e da inovação
Com mais de sete séculos de história, a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC) mantém viva a sua tradição académica e aponta como principais prioridades a internacionalização, a renovação do corpo docente e a integração da inteligência artificial. De acordo com o Diretor, Jónatas Machado, a instituição já conta com doze centros de investigação especializados, nos quais destaca o Instituto Jurídico (IJ-FDUC), que se dedica aos desafios sociais e tecnológicos, à formação de investigadores e ao reforço de parcerias internacionais. Em 2024, o Instituto reuniu 159 investigadores de 20 países e desenvolveu 23 projetos de pesquisa.
Perspetiva Atual: A Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra tem construído um legado que atravessa gerações. Tendo em vista esta herança académica e institucional, quais são, atualmente, as principais prioridades definidas pela FDUC?

Jónatas Machado: Sem dúvida que os desafios da internacionalização, da digitalização e da adaptação às possibilidades da inteligência artificial constituem prioridades da FDUC. As coisas estão a evoluir muito depressa nestes domínios, criando grandes desafios académicos, científicos e funcionais. Igualmente importante é o rejuvenescimento dos nossos corpos docente e técnico.
PA: Na mais recente edição do QS World University Rankings by Subject, a Universidade de Coimbra voltou a destacar-se entre as melhores universidades, sendo reconhecida, em Portugal, como a melhor instituição de ensino superior nas áreas de Direito e Engenharia Petrolífera. Neste sentido, o que considera que distingue a FDUC e contribui para esta posição de destaque?
JM: A FDUC tem um nome e uma reputação que demoraram muitos séculos a construir e que criam grandes oportunidades, mas também responsabilidades. A qualidade dos docentes e a vitalidade dos seus centros especializados e do Instituto Jurídico são fatores distintivos com os quais continuamos a contar para o futuro. Igualmente importantes são as ligações que mantemos com instituições universitárias em todo o mundo, mas especialmente na Europa e nos países de língua portuguesa. Isso permite aos nossos docentes e estudantes terem muitas oportunidades para promoverem o seu trabalho científico e aprofundarem os seus conhecimentos. Os rankings não são tudo, mas são indicadores importantes que sempre temos em consideração.
PA: Em maio, realiza-se mais uma edição da Semana Aberta da Universidade de Coimbra. Além de “pensar o Direito”, como referia na última entrevista dada à Perspetiva Atual, o que podem os futuros estudantes esperar da Faculdade?
JM: O nosso objetivo é transmitir uma mensagem de identidade e relevância, mostrando que uma Faculdade tradicional como a nossa granjeou a sua reputação porque sempre esteve na linha da frente da reflexão jurídica profunda, rigorosa e exigente. Sempre procurando proporcionar a todos que a frequentam oportunidades únicas, marcantes e inesquecíveis de desenvolvimento intelectual, científico, cultural e social, numa cidade com características singulares.
PA: O Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (IJ-FDUC), em parceria com o Instituto Superior Miguel Torga (ISMT), apresenta a série Plano D – Diálogos com o Direito, «um projeto inovador que convida à reflexão e ao debate sobre alguns dos temas mais prementes da atualidade, num registo informal e acessível a todos». O que mais pode desvendar sobre esta iniciativa?
JM: A parceria com o Miguel Torga tem permitido reforçar os pontos fortes de cada Instituição. O ISMT contribui para a elaboração dos vídeos, através da sua equipa e alunos do curso de multimédia, enquanto o Instituto Jurídico dinamiza a conversa entre os participantes e seus investigadores, como forma de comunicação de conhecimento. Em cada episódio, 3 pessoas (um/a investigador/a do Instituto Jurídico, um/a investigador/a de outro centro de investigação/faculdade da UC ou do Instituto Superior Miguel Torga (ISMT), e um/a representante da sociedade civil, ONG ou empresa) encetam uma conversa informal sobre um tema de relevante interesse social, como a Ação Climática, a Saúde Mental, os Conflitos Armados e Guerra, os Desafios da Habitação, a Inteligência Artificial e Identidade de Género. O palco destas conversas é escolhido consoante a temática – podendo ocorrer em espaços da UC ou em locais da comunidade – reforçando o objetivo de levar o Direito para fora das suas paredes habituais.
Os episódios são lançados no final de cada mês, e os três primeiros já se encontram disponíveis no canal de YouTube do Instituto Jurídico da FDUC: https://www.youtube.com/@institutojuridicofduc O projeto é uma das 10 iniciativas apoiadas pela Promoção da Cultura Científica do Instituto de Investigação Interdisciplinar da UC, refletindo o compromisso da Universidade de Coimbra com a construção de uma sociedade mais informada, participativa e crítica.
PA: O Instituto Jurídico obteve uma classificação global de Excelente, no âmbito do Programa Plurianual de Financiamento de Unidades de I&D 2023/2024, tornando possível a concretização do programa estratégico no período de 2025 a 2029. No que consiste este programa?
JM: O projeto estratégico do IJ para o período de 2025 a 2029 tem como propósito explorar as respostas possíveis do Direito a um conjunto de cinco grandes núcleos de desafios societais, ao mesmo tempo que discute a autonomia, a instrumentalidade e os limites destas respostas. É neste sentido que convoca a tradição da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e, com esta, um espectro imenso de saberes e de experiência em todos os domínios do Direito. Que desafios nucleares são estes? (a) A experiência multiforme da vulnerabilidade (envolvendo indivíduos e grupos), (b) os «déficits» de participação e/ou inclusão (combinando a explosão das diferentes formas de vida com as crises da representação democrática), (c) as tensões entre autonomia da vontade (enquanto auto-governança), «sociabilidade» e globalização, (d) a conformação tecno-científica da sociedade, (e) as transformações climáticas e as crises ambientais. A opção por esta concentração está baseada num autêntico diagnóstico de problemas e no diálogo transdisciplinar e interdisciplinar que este exige.
Esta distribuição justificou a cinco grupos de investigação:
(a) Vulnerabilidades (Reinventando a responsabilidade como solidariedade);
(b) Democracia (Reinventando as possibilidades e limites do Estado-de-Direito);
(c) Governanças (Reinventando a autonomia e a sociabilidade); (d) Sociedades técnicas (Reinventando a(s) congruência(s) entre Direito e Ciência);
(e) Transições ecológicas (Reinventando o princípio da sustentabilidade).
A estes grupos de investigação e, de forma mais ampla, ao Conselho Coordenador do Instituto Jurídico, compete assegurar que os principais desafios societais são objeto de um tratamento e de um resultado integrador, que procurará discutir todo este conjunto (de problemas e soluções) como um autêntico “banco de ensaio” para discutir os problemas da autonomia e dos limites do (bem como das alternativas ao) Direito.
PA: Considera que a investigação realizada no âmbito do Instituto Jurídico contribui para a formação de jovens investigadores e favorece o aparecimento de novas correntes de pensamento jurídico em Portugal? Que iniciativas estão em curso?
JM: Seguindo a tradição da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra na formação dos quadros profissionais na área do Direito, o Instituto Jurídico pretende igualmente contribuir para a capacitação de futuros investigadores em Direito. Apesar de haver também iniciativas para a iniciação científica, abertas para alunos de licenciatura e mestrado, a maior parte das atividades com esse objetivo têm como público-alvo os alunos de doutoramento.
Nesse sentido, o Instituto Jurídico não só é responsável pelo programa de doutoramento (oferecendo ainda um programa complementar de pós-doutoramento), como organiza anualmente, desde 2023, o Researchers’ Camp, enquanto formação intensiva para pessoas que queiram prosseguir e avançar numa carreira de investigação. É uma atividade imersiva que renova o seu programa a cada ano, permitindo ter uma aproximação às principais atividades de investigação.
Ao longo do ano, o IJ também organiza sessões de formação para temas específicos e transversais à carreira académica como comunicação de ciência, ferramentas de pesquisa, preparação de candidaturas, dentre outras. Essas atividades de apoio aos alunos de doutoramento têm sido reconhecidas pela FCT como boas condições no acolhimento de investigadores alunos de doutoramento, seja na avaliação plurianual recentemente realizada, seja no concurso a bolsas de doutoramento da FCT.
PA: De que forma o Instituto Jurídico tem integrado as novas tecnologias e as tendências contemporâneas no Direito, como a inteligência artificial e o Direito digital, sem abdicar da profundidade teórica que caracteriza a tradição de Coimbra?
JM: Os desafios que o desenvolvimento científico e tecnológico coloca ao Direito são enormes e transversais, abrangendo áreas como a regulação da inteligência artificial (AI Act), a tecnologia-jurídica, a segurança nacional e internacional (cibersegurança, policiamento preditivo, armas autónomas), a proteção da democracia e dos direitos fundamentais (numa sociedade de hipervigilância), a digitalização do direito privado (plataformas digitais, contratos inteligentes, propriedade intelectual), a automatização de serviços fundamentais (medicina, transportes ou justiça), bem como a emergência de novos direitos fundamentais nos contextos da interface cérebro-máquina ou do metaverso.
Por isso, o Instituto Jurídico, no âmbito do seu plano estratégico 2025-2029 criou o grupo de investigação “Sociedades Técnicas”. O principal objetivo deste grupo é promover a monitorização contínua, a sensibilização e o pensamento crítico sobre estes temas, com ênfase na proteção dos direitos fundamentais. Esta meta será alcançada através dos seguintes objetivos estratégicos:
a) desenvolvimento de projetos de investigação, alguns deles já iniciados ou em fase de proposta no âmbito do IJ (como o “AI and Corporate Crime” ou o PROFaiLING sobre a utilização de IA para avaliação de risco, prevenção de crime e policiamento preditivo);
b) promover a criação de redes académicas interdisciplinares com áreas de conhecimento ligadas às neurociências e à digitalização (dando continuidade a colaborações anteriores em redes internacionais como a Cost Action);
c) promover a aproximação ao sector privado, em particular a empresas nacionais e internacionais ligadas às plataformas digitais, cibersegurança e IA generativa;
d) aprofundar o estudo de novas ferramentas jurídicas na realização da justiça com a emergência das chamadas legal tech.
Entre muitos, o exemplo mais próximo é a da realização do Ciclo de Seminários: Desafios das Sociedades Técnicas à Investigação Jurídica, no dia 26 de maio, sobre o tema das “Armas Autónomas e o Direito”.
PA: Os Centros de Investigação da FDUC operam, muitas vezes, em articulação com redes europeias de investigação jurídica, promovendo projetos de colaboração interinstitucional. Considera que esses centros têm contribuído para a consolidação da presença internacional da Faculdade e para o fortalecimento das relações científicas com instituições de outros países?
JM: Temos doze especializados nas mais diversas áreas do direito público e privado, nacional, europeu e internacional, com amplos contactos com a sociedade civil nacional e global e muitas oportunidades de formação abertas a todos. Contamos ainda com a associação Alumni, dos antigos estudantes, que aprofunda os relacionamentos criados nos bancos da universidade e procura maximizar as potencialidades assim criadas.
Especificamente quanto ao IJ, a sua internacionalização é feita através de muitas frentes e encontra evidências transversais às suas várias áreas de atuação, destacando-se duas frentes em particular: os eventos e os projetos. Apenas em 2024, nos eventos organizados pelo IJ, 159 investigadores estrangeiros, de 20 nacionalidades diferentes, participaram como oradores nos nossos eventos, o que permite propagar o papel do IJ além-fronteiras.
Os projetos, por seu turno, são uma possibilidade de trabalho colaborativo que abre possibilidades à internacionalização da investigação do IJ através de parcerias que são estabelecidas com entidades externas. Dos 23 projetos de investigação desenvolvidos pelo IJ em 2024, 14 contaram com parceiros internacionais. Participando de consórcios internacionais no âmbito desses projetos, o IJ está em contato com 99 parceiros internacionais, espalhados pelos vários continentes.