Carmen Soares, Coordenadora Científica do CECH

Os Clássicos Gregos e Latinos, um Património Cultural da Humanidade e de Portugal

O Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos (CECH), foi fundado em 1967 na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. A sua grande missão continua a ser assegurar a consciência, e o reconhecimento, da presença viva e fértil, nos dias de hoje, de uma herança de origem e inspiração clássica, grega e latina, recebida, reconstruída e transformada ao longo de séculos.

As obras (escritas, artísticas e arquitetónicas) desses “antepassados”, denominados em latim patres, só podem ser consideradas património, se continuarem a “dizer alguma coisa” às sociedades atuais. Porque o principal objetivo do CECH é preservar o património cultural clássico e português, as atividades de investigação desenvolvidas fazem-se com os olhos
colocados nas pessoas de hoje, na crescente necessidade
que sentem de ter informação e conhecimento estruturante da sua identidade cultural. Na verdade o distanciamento temporal e a inacessibilidade imediata a esse conhecimento colocam-no em risco.
Constituído por um universo de 54 investigadores integrados e 87 investigadores colaboradores, oriundos de Portugal, Brasil, Espanha, Reino Unido, Itália, e EUA, o CECH tem a sua investigação estruturada em nove Projetos Complementares. Todos eles sob a alçada do projeto Projeto Geral: Estudos Clássicos e Humanísticos – Cultura e Património da Humanidade.

No sentido de contribuir para o que contemporaneamente se denomina de “salvaguarda urgente de património cultural em risco”, um dos pilares do Projeto Geral corresponde ao estudo aprofundado de autores e obras, maioritariamente escritas e artísticas, dos universos culturais grego e latino, produzidas tanto na Antiguidade Clássica como na Idade Média e no Humanismo e Renascimento.

Uma das atividades permanentes da equipa consiste na publicação de livros e revistas da especialidade, a maioria em acesso aberto. Umas com a chancela de editoras estrangeiras como a Bloomsbury, Routledge, Brill, DeGruyter, Brepols, Archaeopress, Cambridge Scholars Publishing, Classiques Gernie; outras publicadas por editoras nacionais, de âmbito académico e comercial. Trata-se, em ambos os casos, de editoras de referência nas áreas de atuação do CECH: Línguas e Literaturas Clássicas e Portuguesa, Estudos Medievais, Renascentistas e Neolatinos, Receção dos Clássicos, História Antiga, Filosofia, Música Antiga.

O Centro foi pioneiro na publicação de livros em Acesso Aberto no universo editorial académico português e da lusofonia, possuindo uma Biblioteca Digital. O total de obras da biblioteca Clássica Digitalia, fruto de uma parceria com a Imprensa da Universidade de Coimbra (IUC), ascende às centenas de títulos, inteiramente acessíveis sem encargos para os leitores. A versão impressa das obras está disponível na modalidade de print on demand, através da Loja da IUC e de plataformas internacionais, o que assegura a sua distribuição mundial. No sentido de manter vivo o património literário clássico, a publicação em língua portuguesa de textos originalmente escritos em grego antigo ou latim permanece como pedra angular da Unidade de Investigação, com a tradução para português de obras incontornáveis à compreensão de um património cultural da humanidade de matriz clássica. Diversos investigadores têm contribuído para manter vivo o conhecimento de obras maiores escritas em grego ou latim, da Antiguidade, Idade Média e Renascimento, como são os poemas épicos Ilíada, Odisseia e Eneida, modelos clássicos d’Os Lusíadas. Ao teatro trágico e cómico, à poesia lírica, prosa historiográfica de Heródoto ou biográfica de Plutarco, e a textos de filosofia grega, desde Platão a Aristóteles, têm-se juntado, mais recentemente, outras fontes inéditas em português, umas de forte impacto em várias culturas do mundo, como é o caso da Bíblia, outras alinhadas com temáticas de crescente interesse na contemporaneidade, como são a redução do consumo de carne, o vegetarianismo e a gastronomia.

O segundo pilar do Projeto Geral, centra-se na receção da matriz clássica e no contributo desta para a formação de identidades culturais na Europa. Foca-se, também, no estudo do Património Cultural Português, considerado na perspetiva das continuidades e roturas com a herança clássica. É, sobretudo, neste pilar que assentam os Projetos Complementares da Unidade.

O Bando de Surunyo, laboratório musical do projeto Mundos e Fundos
Investigadores – Dia do CECH ( julho 2022)

Que problemáticas pertinentes para a atualidade são abordadas nestes projetos?
• O papel da diversidade étnica e ética, do diálogo entre o local e o global, na formação da identidade cultural europeia: “BioRom – Roma nosso lar: tradição (auto)biográfica e consolidação da(s) identidade(s)”, projeto em que o modelo de Roma serve para perceber como uma identidade (romana ou europeia) se constrói sob o signo da ‘integração’. Incorporando, desde a sua génese, a multiplicidade e a diferença, Roma demonstrou, com isso, a capacidade de acolher e incluir diversas culturas distintas, sem perder uma identidade comum e agregadora. [Projeto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia – FCT].
• A articulação entre bem-estar, alimentação, meio ambiente e saúde: “DIAITA Heritage: Food, Environment and Well-being”, projeto em que as questões relativas a estilos de vida saudáveis e articulação entre o bem-estar de pessoas, animais e planeta são objeto de uma investigação que remonta ao início dessa discussão no séc. V a.C., mas que visa
compreender perceções e formas de agir das sociedades atuais. Dá especial atenção aos domínios do Património Alimentar e da Gastronomia em Portugal e no Brasil. [Projeto financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela FCT].
• A comunicação científica, quer nas áreas de pesquisa cobertas pelo CECH, quer no campo mais lato das Ciências Sociais e Humanidades, com especial incidência sobre a valorização do multilinguismo científico: “Classics & Open Science”. Projeto apostado na criação de mecanismos promotores de produção e disseminação de conhecimento científico em ambientes abertos e colaborativos, ultrapassando barreiras linguísticas e económicas, ganhou forte projeção internacional, através da integração de membros do CECH em quatro projetos europeus financiados. [PALOMERA: HORIZON-WIDE-RA-2022-ERA-01 project 101094270; OPERAS-PLUS: HORIZON-INFRA-2021-DEV-02 project 101079608; TRIPLE: EU Horizon 2020 project 863420; OPERAS-P: EU Horizon 2020 project 871069].

• A recuperação e divulgação de legado musical preservado em arquivos e bibliotecas: “Mundos e Fundos. Mundos metodológico e interpretativo dos Fundos Musicais”. Projeto assente num trabalho de análise filológica dos textos musicais, tendo em vista a sua interpretação para o público, goza de um forte reconhecimento por parte de entidades financiadoras tanto nacionais como estrangeiras. Tem investigadores envolvidos na coordenação de dois projetos Semente de Investigação UC-Santander, um na área da música e outro da dança antiga, e assume a coordenação de um consórcio europeu, financiado pela União Europeia através do programa Europa Criativa (projeto europeu “Bridging Musical Heritage”).

• Os fundamentos e as práticas dos regimes políticos democráticos: “Crises (staseis) e mudanças (metabolai): a democracia ateniense na contemporaneidade”. Projeto luso-brasileiro em que se busca compreender como é que as soluções e estratégias da democracia ateniense dos séculos V e IV a.C. ainda contribuem para refletir sobre os desafios sociais, intelectuais e ético-políticos da democracia contemporânea. [Projeto financiado pela FCT e CAPES-Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação do Ministério da Educação brasileiro].

• O papel do legado cultural e linguístico grego e latino na educação escolar da atualidade: “Artes docendi: Investigação e Formação em Didática dos Estudos Clássicos”. Projeto com a atenção focada tanto nas necessidades de conhecimentos atualizados de professores, como de formas de acessibilidade dos estudantes do ensino pré-universitário ao legado clássico, em formatos que envolvam, por exemplo, a promoção do Festival de Teatro Clássico (FESTEA) ou a participação em ateliers, no âmbito da iniciativa “Jogos de Coimbra” (Ludi Conimbrigenses), com oficinas de escrita, mitologia, línguas antigas e gastronomia, entre outras, abertas à comunidade escolar dos Ensinos Básico e Secundário.

• As razões do uso de motivos, figuras e ideias da Grécia e da Roma antigas para ‘dizerem’ a atualidade: Reescrita do Mito. Projeto em que se exploram as relações entre as fontes clássicas e os sentidos que adquirem em contextos/autores hodiernos, fortemente empenhado na aproximação da investigação realizada no espaço científico ibero-americano.

• O impacto da “Escola de Coimbra” na educação mundial: Cursus Aristotelicus Conimbricensis, projeto dedicado ao estudo, transcrição e tradução, numa primeira fase para português, seguida da sua divulgação em inglês, do “Curso Aristotélico de Coimbra”, curso originalmente publicado em latim entre 1592 e 1606, como material didático usado no ensino e estudo da filosofia aristotélica no Colégio das Artes de Coimbra e na Universidade de Évora. Trata-se de um legado de extremo relevo, na medida em que veio a ser utilizado em Colégios e Universidades dentro e fora da Companhia de Jesus, tendo-se espalhado por toda a Europa e também pela América e Oriente, incluindo a Índia e a China. O seu impacto e influência internacional marcaram a configuração do pensamento filosófico moderno (em figuras como Descartes, Leibniz, Espinoza, Locke, Hobbes, Marx e Peirce). [Projeto financiado pela Reitoria da Universidade de Coimbra].

• As manifestações da racionalidade em diferentes esferas humanas (política, ética prática e ambiental, linguagem, mito, conhecimento, história, corporalidade): Racionalidade Hermenêutica, projeto em que são tratadas questões filosóficas atuais, em diálogo com a matriz da Filosofia Antiga e com os clássicos da filosofia, atendendo a uma dimensão prática materializada no Laboratório de Racionalidade e Ética Aplicada, espaço de debate interdisciplinar de casos práticos ilustrativos de situações eticamente complexas, sobretudo nas áreas da ética hospitalar e da ética institucional. O CECH acolhe jovens investigadores, em particular através da articulação dos seus projetos de investigação de mestrado, doutoramento ou pós-doutoramento com cursos que, na Faculdade de Letras, são dirigidos ou contam com investigadores seniores, tanto no âmbito dos Estudos Clássicos e Humanísticos, como do Património Alimentar, da Filosofia e da Música.

“O que fazer com Alceste?”, peça
pelo Thíasos, grupo de teatro
associado ao CECH
Oficina de jogos romanos (Ludi Conimbrigenses)

Alguns exemplos de atividades em fase de conclusão ou a arrancarem em 2023:
• Base de Dados Online Thespis-CECH, uma plataforma com informações sobre os espetáculos de teatro grego e latino produzidos e encenados no teatro contemporâneo português;

• Desenvolvimento de teses de doutoramento em contexto empresarial, assente na investigação aplicada a processos de patrimonialização nacional e UNESCO do âmbito de atividades, rituais e técnicas alimentares portuguesas. Além da atribuição de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento por parte do CECH, com financiamento da FCT, estes trabalhos de investigação também colhem o interesse privado, com empresas a contratarem os nossos jovens investigadores para desenvolverem investigação aplicada, caso da PTPT (Produtos Tradicionais Portugueses);

• Ainda no âmbito da internacionalização, acaba de ser lançado um Erasmus Mundus Joint Master (EMJM), sobre o tema “Religious Diversity in a Globalised World (ReD Global)”, em conjugação com as Universidades de Groningen e de Córdova, financiado pela União Europeia e fortemente atrativo para candidatos de topo de todo o mundo, em cuja criação, gestão e lecionação estão envolvidos vários investigadores do CECH.

A unidade de investigação e os seus investigadores gozam de um elevado reconhecimento por parte da comunidade científica internacional, visível nomeadamente na sua escolha para acolher encontros científicos mundiais, com centenas de oradores envolvidos, e no exercício de cargos de liderança europeus.

É parceira oficial da Convenção Internacional Celtic Conference in Classics, o que confere ao CECH a responsabilidade de organizar, de dois em dois anos, um dos maiores encontros científicos mundiais na área dos Estudos Clássicos, com o evento de 2023 a ter lugar em Coimbra nos dias 11 a 14 de julho de 2023.

Em termos de posições de confiança dos seus membros, refiram-se: Presidência do Conselho Científico do Instituto Europeu de História e Culturas da Alimentação (Carmen Soares), Comissão Executiva da infraestrutura europeia OPERAS (Delfim Ferreira Leão).

Congresso Internacional (julho 2023)

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