Ana Novo Barros, Coordenadora do Wasteless

Portugal na linha da frente contra o desperdício alimentar

Ana Novo Barros, ex-diretora do CITAB e reconhecida investigadora portuguesa, lidera agora uma equipa multidisciplinar e internacional no combate ao desperdício alimentar, problema que tem vindo a preocupar a União Europeia. “Wasteless” é o nome do projeto que arrecadou um financiamento de 5,5 milhões de euros da própria Comissão Europeia para conseguir diminuir o desperdício alimentar em 20% em toda a UE. O CITAB da UTAD é o centro de investigação responsável pela coordenação do projeto.

O desperdício de alimentos é, há muito, um problema global que parece ter captado a atenção das grandes organizações mundiais. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura – FAO, cerca de um terço dos alimentos produzidos em todo o mundo são desperdiçados em algum ponto da cadeia de abastecimento alimentar, desde a produção até ao consumo.

De acordo com dados revelados pelo Parlamento Europeu, cada habitante da EU desperdiça, em média, cerca de 179 kg de alimentos por ano, o que resulta em cerca de 88 milhões de toneladas de alimentos desperdiçados nos 27 países que compõem a União Europeia. Este desperdício significa uma perda tanto em termos económicos quanto ambientais, visto que contribui para a falta de recursos alimentares em todo o mundo e para a mudança climática, uma vez que a produção de alimentos também requer energia e recursos naturais. A nível económico, falamos de mais de 143 mil milhões de euros “deitados ao lixo”.

Um dos grandes motivos para estes números serem tão elevados é a falta de consciencialização por parte da sociedade em geral. A fonte proveniente destes desperdícios é bastante diversificada, no entanto 40% vem do desperdício doméstico. O restante provém da indústria agroalimentar (39%), da restauração (14%) e da distribuição (5%).

A UE tem feito esforços para abordar este problema, incluindo a implementação de medidas para melhorar a eficiência no setor agrícola e alimentar, a promoção da doação de alimentos e o incentivo à compostagem, tendo também estabelecido uma meta para reduzir o desperdício alimentar até 50% até 2030.

É neste sentido que entra a ação do CITAB – Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e da equipa liderada pela Professora Ana Novo Barros. O Centro demonstrou à Comissão Europeia que detém as condições necessárias para coordenar um importante projeto europeu – Wasteless – que tem como missão diminuir em 20% o desperdício alimentar na União Europeia. O projeto é financiado pela própria Comissão Europeia com um valor de 5,5 milhões de euros.

Este Wasteless tem duração de três anos e conta com uma equipa multidisciplinar composta por investigadores de 14 países – Áustria, Bélgica, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Estónia, França, Grécia, Hungria, Itália, Portugal, Chéquia, Suíça e Turquia.

De modo a entender melhor o procedimento e estratégia desta equipa prometedora, a Perspetiva Atual encontrou-se com Ana Novo Barros para uma conversa esclarecedora.

Wasteless – Estratégia e Desenvolvimento

No final do mês de janeiro estiveram reunidos, em Vila Real, meia centena de investigadores europeus para discutir as estratégias que serão utilizadas para chegar ao objetivo de diminuir em 20% o desperdício alimentar na União Europeia.

Segundo Ana Novo Barros, a reunião foi deveras importante para perceber as diferenças e pontos de vista de cada membro. “Quando construímos o projeto, achámos que estávamos todos em sintonia, no entanto, quando chegámos à primeira reunião, percebemos que as mentalidades e as culturas são todas muito diferentes, e precisávamos de chegar a uma ideia que nos colocasse a todos em sintonia”, revela. “Mas acho que vamos conseguir levar o projeto a bom porto, até porque temos uma componente ética muito vincada.”

A ex-diretora do CITAB revelou que o grupo tem três estratégias planeadas para alcançar a meta estabelecida, sendo a primeira a realização de estudos de caso. “Estes estudos são determinantes para o avançar do projeto. Vamos ter estudos de caso em pontos-chave que consideramos que são aqueles onde existe um maior desperdício alimentar, como é o caso de cantinas, restaurantes, lares de idosos, etc.” De seguida, o processo passará para uma parte mais tecnológica, para “desenvolver ferramentas que nos permitam chegar a uma estrutura do porquê do desperdício e tentar chegar a um consenso se este desperdício é comum a Portugal, Espanha, França, ou qualquer um dos 14 países inseridos no projeto.”

Outra estratégia utilizada para alcançar os 20%, será tentar valorizar os produtos alimentares que são desperdiçados por não terem o calibre certo ou o aspeto que o consumidor procura, como é o caso das frutas. “Vamos tentar dar uma mais-valia, utilizando a extração de compostos que existam nessas matrizes e utilizá-los para o desenvolvimento de outros produtos alimentar ou então tentar aproveitá-los para a indústria cosmética e farmacêutica”.

Por fim, pelas palavras de Ana Novo Barros, o grande objetivo é desenvolver uma ferramenta tecnológica, denominada de “Blockchain”, na qual “ao serem introduzidos todos os dados, já vamos conseguir saber qual a ferramenta que temos que utilizar para que consigamos evitar o desperdício em cada um dos pontos-chave dos estudos de caso”, funcionando assim como uma ferramenta de apoio à decisão. Esta ferramenta será desenvolvida a pensar na sua inserção em escolas, lares, na indústria, matadouros e até para utilização do próprio consumidor.

Apesar do projeto ser coordenado pelo CITAB, outras instituições fazem parte do seu desenvolvimento, como é o caso do CECAV – Centro de Ciência Animal e Veterinária, também da UTAD. “A participação dos nossos colegas do CECAV é muito importante para o desenrolar deste projeto. Nós, no CITAB, trabalhamos mais com a qualidade dos alimentos, já os do CECAV focam-se na parte da segurança alimentar e estes são dois conceitos que devem andar sempre de mãos dadas e devem ser complementares”, começa por explicar. Segundo a investigadora responsável, a equipa profissional do Centro de Ciência Animal e Veterinária irá trabalhar numa tarefa específica do projeto, voltada para as carnes, visto que o CITAB trabalha apenas com matrizes de origem vegetal, e, também, no desenvolvimento de uma tarefa de “utilização e criação de um revestimento comestível para valorização dos alimentos desperdiçados que não têm o calibre, a dimensão ou o aspeto desejado, para tornar esses alimentos mais apelativos ao consumidor”, inserida na estratégia de valorização dos produtos desperdiçados.

Quando questionada sobre a abertura dos governos de cada país e da própria Comissão Europeia em ajudar a colocar este projeto e as ferramentas desenvolvidas em prática, Ana Novo Barros mostra-se bastante confiante. “Sabemos que a Comissão Europeia está muito empenhada, aliás, foram eles que abriram este tópico para investigação, o que mostra o interesse e a preocupação em atingir estes valores para resolver uma parte deste problema global.” Já em relação ao governo português, a coordenadora do Wasteless admite acreditar que ainda não existe uma grande consciencialização por parte do nosso parlamento para este tópico. “Por isso é que nós queremos dar a conhecer este projeto a nível europeu, porque permite divulgar os resultados para mais pessoas e ter um maior impacto”.

Para Ana Novo Bravo e para toda a equipa envolvente, a consciencialização do consumidor é algo indispensável ao sucesso do próprio projeto, visto que para conseguirem alcançar a meta proposta é necessária a colaboração de todos os envolventes no problema, o que inclui não só a indústria, como também cada elemento individual da sociedade. “Temos 79% de desperdício alimentar, ou seja, alimentos que vão para o lixo. É um número chocante. A mudança de hábitos é necessária e tem de começar na nossa casa, nas nossas escolas, e, para isso, é necessário que a sociedade tenha a consciencialização do problema.”


This project has received funding from the European Union’s Horizon Research and Innovation Action (HORIZON-CL6-2022-FARM2FORK-01) under Grant Agreement No. 101084222.

Deixe um comentário

Outra Perspetiva

População do Alto Alentejo beneficia de cuidados de saúde de Proximidade

No Alto Alentejo, a saúde apresenta outras prioridades comparando com os grandes polos de urbanização. Com uma população reduzida, envelhecida...

Global Health Company: A cuidar da nossa Saúde e Bem-Estar

Com uma abordagem inovadora e centrada no paciente, a Global Health Company (GHC) tem- se destacado na prestação de serviços...

A primeira Unidade Local de Saúde faz 25 anos

A Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM) foi criada em 9 de junho de 1999, era então Ministra da...

A inovação em saúde ao serviço do utente

Criado em 2021, o Centro Académico Clínico – Egas Moniz Health Alliance (EMHA) é composto pela Universidade de Aveiro e...