Leonardo Azevedo, Presidente do CERENA

Desafios sociais, ambientais e industriais no centro da investigação do CERENA

A multidisciplinariedade carateriza o Centro de Recursos Naturais e Ambiente, CERENA, um centro de investigação focado principalmente em três áreas: energia, ambiente e matérias-primas. Em conversa com o seu presidente, Leonardo Azevedo, falou-se sobre os objetivos para com o desenvolvimento sustentável, os desafios da crise climática e a ambição de reforçar a sua presença e liderança em projetos europeus.

Perspetiva Atual: O CERENA surge em 2006 através da união de três grupos que atuavam separadamente nas áreas do ambiente e recursos minerais e energéticos. Em 2013 o centro expande-se e reforça o trabalho desenvolvido nas áreas da engenharia química e de materiais. Como é que o centro se tem desenvolvido nos últimos anos e com que objetivos e ambições?

Leonardo Azevedo: O Centro de Recursos Naturais e Ambiente (CERENA) é um centro de investigação e desenvolvimento multidisciplinar, de dimensão média no panorama nacional, consolidado e com características bastantes particulares no sistema nacional de ciência e tecnologia. Desde a sua génese, e sem nunca ter perdido a sua identidade, o CERENA tem conseguido manter um crescimento sustentável em vários domínios relacionados com a engenharia de recursos minerais e energéticos, engenharia de minas e com a engenharia química e de materiais. Tivemos a nossa génese no Instituto Superior Técnico e desde há alguns anos temos também um Pólo na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e investigadores associados a outras instituições académicas e não académicas.

O centro tem hoje um maior número de investigadores, alunos de Doutoramento, de publicações científicas por ano, de captação de financiamento competitivo a nível nacional e internacional e uma ligação maior à sociedade e indústria. Este esforço comum resultou na atribuição da marca “excelente” na última avaliação da Fundação para a Ciência e Tecnologia em 2018. Apesar deste crescimento e da sua multidisciplinariedade, a investigação do centro continua focada nestas três áreas principais – energia, ambiente e matérias-primas – onde contribuímos ativamente para os objetivos do desenvolvimento sustentável e para os desafios que a crise climática nos coloca, incluindo a transição digital e energética. Para apoio à nossa investigação o CERENA possui infraestrutura laboratorial e computacional de ponta nas suas áreas de ação.

PA: O vosso trabalho desenvolve-se tanto ao nível molecular como ao nível planetário. Poderia apresentar exemplos de projetos nos dois níveis?

LA: Para além da multidisciplinaridade, outra característica do CERENA, e que também está na sua origem, é agrupar investigadores com diferentes formações e que trabalham em conjunto a diferentes escalas, quer temporais quer espaciais. O centro tem desenvolvido trabalho de excelência, e é reconhecido internacionalmente, no desenvolvimento de novos materiais à nano- -escala e com diversas aplicações alinhadas com o desenvolvimento sustentável, por exemplo a sequestração de dióxido de carbono em unidades industriais, mas também no trabalho desenvolvido no estudo e modelação da formação, constituição, morfologia e a evolução dos planetas do sistema solar, incluindo a Terra, através de imagens obtidas por satélites e outros métodos de deteção remota, como por exemplo a geofisíca. Todas as escalas espaciais intermédias são também objeto de estudo no CERENA. Olhamos para os problemas de uma forma holística em que as partes contribuem para um objetivo maior.

PA: O compromisso da CERENA é em encontrar soluções para desafios sociais. Quais os projetos de investigação atuais que estão dedicados a encontrar uma solução?

LA: O importante não será referir um ou dois projetos, que são muitos, mas sim realçar a missão global do CERENA. O trabalho de desenvolvimento, investigação e inovação, quer sejam financiados por entidades públicas ou privadas, está alinhado com os objetivos do desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, nomeadamente com os objetivos relacionados com a produção de energia renovável e energia acessível a todos, ação climática, a proteção da vida terrestre, a produção e consumo sustentáveis e ao acesso a saúde de qualidade. Em grande parte destes projetos existe ainda uma forte ligação entre a componente experimental e computacional que tem originado o desenvolvimento de nova tecnologia que é posteriormente adotada pela indústria e outras entidades relevantes.

PA: O CERENA tem três grupos de investigação: energia, ambiente e matérias-primas. Fale-nos um pouco do trabalho que desenvolvem em cada grupo e qual o principal objetivo.

LA: Como mencionei anteriormente o CERENA é um centro verdadeiramente multidisciplinar, onde os projetos desenvolvidos não são estanques a apenas um dos grupos. Posso, no entanto, descrever de forma breve a missão e cada um dos grupos.

O grupo de matérias-primas desenvolve investigação em novos métodos e tecnologias para a exploração e valorização de recursos minerais, incluindo as matérias-primas classificadas como críticas e estratégicas pela UE, de rocha ornamental e minerais industriais, de recursos hidrotermais, de biomassa e no desenvolvimento e valorização de resíduos e materiais eco-inovadores. Estes métodos e tecnologias compreendem a sustentabilidade ambiental e social num contexto de economia circular.

O grupo de Energia foca-se nos recursos energéticos convencionais, de baixo carbono, como por exemplo a geotermia e a geo-energia, nos biofuels e no desenvolvimento de novos métodos para melhorar a eficiência energética de processos.

A investigação desenvolvida resulta em novos métodos e tecnologia que permitem soluções eficientes na exploração, caraterização, produção e refinação de diferentes formas de energia.

O grupo de Ambiente dedica-se ao desenvolvimento de novos métodos e tecnologia para redução do risco natural e tecnológico, incluindo o risco associado à crise climática. As áreas de ação são variadas e compreendem os grandes compartimentos ambientais (atmosfera, hidrosfera e litosfera), a saúde humana, o património cultural, os recursos naturais e a modelação dos processos ambientais que acontecem no nosso planeta a diferentes escalas espaciais e temporais.

PA: A unidade de desenvolvimento e investigação está sediada no Instituto Técnico da Universidade de Lisboa e na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Qual é o papel do ensino superior na investigação do CERENA?

Geo-Resources and Geo-Environment Lab (FEUP)

LA: Para além do trabalho de investigação e desenvolvimento realizado no centro, outro dos nossos pilares fundamentais é a formação académica. O CERENA está envolvido em várias iniciativas pedagógicas de ambas as instituições em que participa ao nível da licenciatura, mestrado e doutoramento. Esta é uma relação de simbiose: por um lado os alunos são confrontados com problemas reais através de problemas propostos pelos investigadores do centro que também são docentes, saindo melhores preparados para a sua vida profissional. Por outro, os alunos contribuem definitivamente para o avanço da ciência produzida no centro. O CERENA garante ainda acesso aos alunos à grande maioria da sua infraestrutura laboratorial, quer para o desenvolvimento de teses e dissertações, quer para o desenvolvimento de projetos em ambiente de investigação científica, como sejam estágios curriculares de final de licenciatura.

PA: Um trabalho desenvolvido no CERENA em conjunto com outras entidades foi distinguido com o Francisco George Public Health Award 2022 devido ao trabalho de investigação intitulado “Spatial analysis of determinants of COVID-19 vaccine hesitancy in Portugal”. Que papel assumiram durante a pandemia Covid-19?

LA: Desde as primeiras semanas de pandemia que vários investigadores do CERENA sentiram que podiam e que tinham necessidade de contribuir, de alguma forma, para minimizar os impactos da doença. O CERENA desenvolveu trabalho em diferentes áreas, como por exemplo no desenvolvimento de álcool gel, máscaras e na modelação da evolução espaciotemporal da doença em território continental. Este último trabalho foi realizado durante aproximadamente dois anos, em conjunto com a Direcção Geral da Saúde (DGS). Muito brevemente, através de técnicas de ciência de dados geo-espaciais, caracterizamos o risco de incidência para Portugal continental através de produção de mapas de risco. Os mapas, criados numa primeira fase diariamente e mais tarde semanalmente, serviram de apoio à decisão das autoridades nacionais responsáveis.

Após este período mais intenso, temos feito trabalho no desenvolvimento de métodos que permitem, através dos dados disponíveis, a caracterização dos impactos provocados pela doença a vários níveis e como fatores socioeconómicos condicionaram a evolução da doença em Portugal continental.

Este trabalho distinguido, desenvolvido por um grupo de colegas com outras instituições, resulta no seguimento destas ações, do conhecimento adquirido pelo centro na modelação da evolução espacial e temporal de doenças epidemiológicas, que é anterior à pandemia, e numa estreita colaboração que mantemos com a DGS. Acreditamos que olhando para trás podemos preparar melhor o futuro.

PA: Quando se envolvem em atividades de divulgação, como Chemical Open Labs, Ciência nas Férias, a participação na noite europeia dos investigadores, Futurália, entre outros; qual é o vosso principal objetivo?

Multi-scale Imaging Laboratory (IST)

LA: No CERENA, e para utilizar uma expressão bastante conhecida, acreditamos que não há ciência se esta não for comunicada à comunidade. A comunicação de ciência é outra das missões do centro e onde colocamos esforço diariamente. Nestas ações queremos retribuir aquilo que a sociedade nos permite desenvolver e inspirar os mais jovens para a ciência, em primeiro lugar, e para os problemas que tentamos resolver numa segunda fase.

“O rumo será fortalecer o nosso crescimento e consolidar ainda mais o nosso trabalho a nível nacional e internacional (…) enquanto contribuímos para a resolução dos vários desafios sociais, ambientais e industriais que se colocam atualmente.”

PA: O professor Leonardo é presidente do CERENA desde março de 2023. Como é que tem sido abraçar este desafio e com que perspetivas futuras o aceitou?

LA: Estou de facto a servir como presidente do CERENA desde muito recentemente, mas quem faz o CERENA são os nossos membros integrados, estudantes, colaboradores e associados. A excelência do nosso centro é resultado destas múltiplas dimensões e da sua interação. Na minha perspetiva, num centro com a nossa génese, dinâmica e multidisciplinaridade a direção do CERENA limita-se a garantir e proporcionar que todos os nossos investigadores têm os recursos e condições necessárias para desenvolver os seus trabalhos. Quando conseguimos atingir este objetivo o trabalho desenvolvido no CERENA floresce.

PA: Este ano celebram 18 anos. Quais são as principais diretrizes para o ano que acabou de começar?

LA: O ano de 2024 será desafiante por ser um ano de avaliação das unidades pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e de preparação do programa estratégico para os próximos 5 anos. O rumo será fortalecer o nosso crescimento e consolidar ainda mais o nosso trabalho a nível nacional e internacional, nas áreas anteriormente relacionadas, enquanto contribuímos para a resolução dos vários desafios sociais, ambientais e industriais (técnico e económicos) que se colocam atualmente.

PA: Quais as perspetivas a longo prazo para novos projetos de investigação e quais são os que já estão a ser planeados?

LA: Pretendemos reforçar a nossa presença e liderança em grandes projetos europeus. Para atingir estes objetivos foram criadas, no passado, condições e serviços de apoio aos nossos investigadores para o desenvolvimento de ideias e de propostas mais ambiciosas. Os resultados deste investimento são sentidos já hoje: a perspetiva é, como referi anteriormente, de crescimento e consolidação.

FCT-UIDB/04028/2020 // FCT-UIDP/04028/2020

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