Valter Amorim alerta para crise silenciosa na profissão de enfermagem

Em entrevista à Perspetiva Atual, o presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros, Valter Amorim, denuncia o desgaste físico e emocional a que os enfermeiros estão sujeitos diariamente, apontando a escassez de recursos, a insegurança na prestação de cuidados e a desvalorização social como os principais entraves ao exercício com qualidade, segurança e motivação. A Ordem dos Enfermeiros apela à melhoria das condições de trabalho e ao reconhecimento do papel essencial que os enfermeiros ocupam no setor da saúde.

Perspetiva Atual: Antes de mais, é essencial refletirmos sobre uma das questões mais importantes: Quais são os principais desafios que os profissionais de enfermagem enfrentam diariamente na sua profissão?

Valter Amorim: A área da saúde é, por natureza, exigente e complexa, onde convergem múltiplas profissões e interesses, muitas vezes em conflito. No centro de tudo está o serviço prestado às pessoas que necessitam de cuidados, sendo a qualidade e segurança desses cuidados uma prioridade absoluta. Os enfermeiros assumem diariamente a responsabilidade pela vida e pela saúde dos utentes, enfrentando desafios constantes: desde a escassez de recursos humanos e materiais, até condições estruturais deficitárias e a pressão constante do exercício profissional. Esta realidade exige uma resiliência extraordinária por parte destes profissionais, que continuam a prestar cuidados com dedicação, mesmo perante contextos adversos.

PA: A Ordem dos Enfermeiros tem procurado melhorar as condições de trabalho dos enfermeiros e a qualidade dos cuidados prestados. Neste sentido, coloca-se a questão: Que condições de trabalho são precisas para aumentar a satisfação dos enfermeiros na região centro?

VA: A SRC da OE tem desenvolvido a sua atividade com a preocupação única de cumprir com a sua missão, defendendo os interesses dos beneficiários dos cuidados de enfermagem e a representação e defesa dos interesses dos enfermeiros. Não prescindimos de o fazer sempre em proximidade com os enfermeiros e os contextos. As nossas intervenções foram direccionadas nesse sentido, de forma responsável e cooperante com os profissionais, as organizações e demais stakeholders. Temos atitude de parceria com diálogo franco e aberto com os responsáveis das instituições sinalizando os problemas, sem descurar fornecer propostas e soluções que incrementem mudanças e correcções. Existem inúmeros problemas nas diversas entidades da nossa região como em todo o país, sendo a principal adversidade referenciada as dotações inseguras e o que geram nas equipas. A insegurança na prestação de cuidados pelo volume de necessidades a satisfazer, o receio pelo risco de errar, as horas de trabalho a mais nos horários vertidos levam a um desgaste físico e mental extremo e não raras vezes sofrimento ético. A conciliação da vida pessoal com a profissional e a disponibilidade para formação são razões identificadas para a insatisfação dos enfermeiros que urge corrigir.

PA: De que forma as reuniões semestrais, entre a Ordem dos Enfermeiros e as Escolas Superiores de Saúde e de Enfermagem da Região Centro, contribuem para a melhoria contínua da formação em Enfermagem? A articulação entre instituições pode fortalecer a prática profissional e garantir cuidados de saúde de maior excelência?

VA: É fundamental existir diálogo, proximidade e parceria com as Escolas. Tem um papel vital para o futuro e o sucesso da profissão e da disciplina de Enfermagem. O caminho para a evolução e a afirmação da enfermagem não se faz sem as escolas. A melhoria dos cuidados a prestar com qualidade e segurança, a atualização dos conhecimentos, o desenvolvimento de capacitações e diferenciação profissional passa sempre pelas escolas. Daí que tenhamos desenvolvido um fórum de discussão já nos mandatos passados, onde reunimos semestralmente com as escolas da SRC da OE públicas e privadas, abordando temáticas de interesse comum. Da mesma forma permitiu desenvolver intervenções nas escolas, quer com os estudantes do curso base quer com os enfermeiros que frequentam os mestrados e pós-graduações, destacando-se os seminários realizados em praticamente todas e o seminário Não Vais Estar Sozinho efetuado no Convento de São Francisco em Coimbra que junta todos os finalistas da região, ações essas que visão dotar os profissionais e futuros enfermeiros de competências e soluções que fortaleçam a prática e a busca da excelência profissional.

PA: O enfermeiro é, frequentemente, o primeiro profissional de saúde com quem o utente tem contacto, o que torna a sua proximidade essencial para o bem-estar do paciente. Na sua opinião, o papel do profissional de enfermagem é desvalorizado no setor de saúde?

VA: O que fazemos não pode ser desvalorizado. Os enfermeiros são o pilar do SNS, essenciais em todo o setor e absolutamente vitais para a segurança das pessoas. Mas esse reconhecimento apenas se verifica quando precisam ou são cuidados pelos enfermeiros. Isto deve-se ao facto de, ao longo dos tempos, termos falhado na comunicação e visibilidade externa do que fazemos e a nossa importância social bem como na sucessiva desvalorização a que fomos sujeitos pelos diferentes governos.

PA: Recentemente, a Ordem dos Enfermeiros convidou todos os Enfermeiros que completaram 25 anos de inscrição, a participar na Cerimónia de Entrega de Medalhas Comemorativas. Estes momentos são momentos únicos para homenagear a dedicação, a competência e o impacto que a profissão tem na sociedade?

VA: Indiscutível. Trata-se de uma homenagem justa e merecida. Esta cerimónia tem como objetivo agradecer e reconhecer o percurso profissional, a dedicação e o contributo inestimável destes enfermeiros para a saúde pública e para a sociedade. Celebrar 25 anos de profissão é valorizar o compromisso com as pessoas e com o país. A Gala dos Enfermeiros, que realizamos anualmente, partilha deste mesmo propósito: enaltecer o mérito e a dedicação dos profissionais de enfermagem dando-lhes visibilidade.

PA: O que gostaria de dizer aos futuros profissionais de enfermagem e ao país?

VA: Aos futuros profissionais, desejo que sejam felizes no exercício do ofício que escolheram e que acreditem num futuro mais valorizado para a profissão. Que não se esqueçam que ser Enfermeiro é praticar a nobre arte do cuidar.  
À sociedade e ao país, deixo um apelo: que reconheçam e valorizem os enfermeiros portugueses, tal como o fazem os países que os acolhem e onde são amplamente respeitados. Quando se tem tanto só se valoriza quando se perde.

About Post Author

Deixe um comentário

Outra Perspetiva

Investigadores do Porto exploram soluções sustentáveis através da química verde

Enquadramento da investigação O Grupo de Reação e Análises Químicas (GRAQ) é uma Instituição de Gestão e um Pólo da...

“O MED destaca-se pela multidisciplinaridade e pela capacidade de integrar saberes da agricultura, ambiente e sustentabilidade”

A partir de Évora, com raízes em Beja e Faro, o MED - Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e...

OKEANOS implementa dois projetos que redefinem a monitorização e a sustentabilidade da pesca

O OKEANOS, Instituto de Investigação em Ciências do Mar, está a desenvolver projetos que prometem transformar a sustentabilidade e a...

O futuro da investigação em Matemática na visão do CMUP

No Centro de Matemática da Universidade do Porto (CMUP), a Matemática traça os caminhos do futuro. Nesta entrevista, Helena Reis,...

Fazer ciência diferente: Explorar a matéria em todas as suas formas

O Instituto de Física para Materiais Avançados, Nanotecnologia e Fotónica da Universidade do Porto (IFIMUP) transforma ciência fundamental em soluções...