“Sobre arte, através da arte, para a arte”

A ligação entre teoria e prática e passado, presente e futuro são os elementos essenciais para garantir um ensino superior artístico de sucesso. O Presidente da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, Fernando Pereira, conta como se faz esta complementaridade do ensino, sem nunca desvalorizar a história que acompanha a arte.  

Perspetiva Atual: A Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa é a escola superior de ensino artístico mais antiga de Portugal. No entanto, este não é o único motivo do sucesso ou da grande procura que a faculdade tem por parte de jovens e adultos, nacionais e internacionais. Quais são as mais-valias desta instituição? 

Fernando Pereira: Claramente, uma estratégia bem delineada e focada nas necessidades dos estudantes, mas sem esquecer as tendências atuais e a tradição do ensino. Além das sete licenciaturas, oferecemos 14 Mestrados e dois Doutoramentos sediados na FBA, em Belas-Artes (com sete especialidades, a saber Arte Multimédia, Ciências da Arte e do Património, Desenho, Design de Comunicação e Novos Media, Design de Equipamento, Escultura, Pintura), e em Artes, ou seja, Artes Performativas e da Imagem em Movimento (APIM) e, em parceria, em Educação Artística e em Sustentabilidade. No quadro das pós-graduações estão abertas as inscrições para 17 novos cursos especializados em diferentes áreas de ensino artístico abaixo referidos. 

Ademais, privilegiamos a aprendizagem prática, baseada em laboratórios equipados com tecnologia de ponta – o Project Lab e o Heritage Lab – e em diferentes unidades de experimentação nas áreas de cerâmica, design, fotografia, gesso, gravura, madeiras, metais, pedra, prototipagem, conservação e restauro, integrados nos dois centros de investigação, reconhecidos e consolidados, no campo das artes visuais: CIEBA e VICARTE 

Complementarmente, a Escola proporciona um ambiente que combina reflexão teórica e experimentação, distinguindo-se pela qualificação artística e científica do corpo docente e pela aposta em métodos de ensino inovadores que conciliam conhecimento teórico e competências tecnológicas.  

PA: Uma escola de ensino artístico demarca-se das restantes pela sua forte ligação entre os domínios teóricos e a prática artística. É impossível ensinar Arte sem fazer arte. Como se faz esta complementaridade do ensino? 

FP: A excelência das nossas coleções artísticas e da produção artística dos nossos alunos, com constantes prémios alcançados, demonstra, claramente, a associação natural entre métodos de ensino e o exercício da prática artística na nossa Escola. Por outro lado, a adoção de modelos pedagógicos inovadores e a existência de um corpo docente de reconhecida qualidade são a garantia dessa complementaridade.  

Pela sua própria natureza, a obra de arte é intencional, foi antecipadamente imaginada, conceptualizada e depois executada; a criação suporta-se na pesquisa, na investigação e na experimentação. Esta perspetiva holística aproveita a presença das Ciências da Arte e do Património no espaço de ensino e criação das Belas-Artes (integrando as Artes, a Multimédia e o Design), num apoio tanto didático como investigativo. 

PA: Para além da relação entre teoria e prática, há outra ligação da qual não se podem desprender: o passado e o presente. A cultura e as artes estão em constante evolução e a verdade é que qualquer instituição de ensino tem como principal objetivo formar os estudantes para integrarem o mercado de trabalho atual. Como é que fazem o acompanhamento dos desenvolvimentos da cultura e dos movimentos artísticos, sem nunca desvalorizar a história da arte? 

FP: A FBA assume-se como um produtor e disseminador de discurso científico e criativo nos vários campos das artes visuais, do design e da curadoria da Arte e do Património, contribuindo com práticas e aquisições de conhecimentos ‘sobre arte’, ‘através da arte’ e ‘para a arte’. ‘Sobre arte’ é onde podemos encontrar as pesquisas em que se baseiam disciplinas como a História da Arte e do Design, a Filosofia Estética, a Cultura Visual, as Práticas Curatoriais e a Crítica, ou a Teoria da Imagem. Na abordagem ‘Através da Arte’ estão as possibilidades de intervenção, de educação e ensino, formal ou informal, geral ou vocacional, formando cidadãos ou, também, formando artistas. A formação pode ser ainda pós-graduada, avançada, e a ela podemos adicionar a criação de públicos, a educação informal e a formação do gosto, o museu e a nova museologia, as intervenções, as expressões colaborativas, e outras ainda. As artes também cruzam outros formatos comunicativos, tecnológicos, e industriais, como o Design de Produto, o Design de Comunicação, de Interfaces, e também os novos Média. Na investigação ‘para a arte’ inclui-se a salvaguarda patrimonial (a museologia, curadoria, conservação e restauro, os estudos e investigações sobre os vestígios arqueológicos e patrimoniais), assim como a permanente construção do futuro património artístico de Portugal – através da criação permanente de novas obras artísticas e culturais, da sua valorização e disseminação.  

PA: Em 2021, disse-nos que a FBAUL iria expandir a sua oferta formativa para responder aos desafios do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português. O PRR é um programa de aplicação nacional, com um período de execução até 2026, que vai implementar um conjunto de reformas e investimentos destinados a repor o crescimento económico sustentado, após a pandemia, reforçando o objetivo de convergência com a Europa ao longo da próxima década. Como é que aumentar a oferta formativa vai ao encontro dos objetivos deste programa?  

FP: O PRR tem três metas fulcrais: o aumento da participação dos jovens no ensino superior, a graduação da população e o aumento da investigação e desenvolvimento em Portugal, reforçando a convergência com a Europa ao longo da próxima década através dos programas Impulso Jovens STEAM e Impulso Adultos. A nossa oferta formativa, por via dos três ciclos de ensino universitário, das pós-graduações e da possibilidade de frequência de unidades curriculares isoladas, nas licenciaturas e nos mestrados, juntamente com a ampla participação da Escola em redes e projetos de investigação internacionais, concorre para a concretização de todas essas metas. 

PA: Em que ponto se encontra esta expansão? 

FP: A FBAUL reforça, já no próximo ano letivo, a ampla e inovadora formação especializada destinada não apenas aos alunos da Escola que complementam o 1ºCiclo e que optam pela aquisição de competências específicas antes de seguirem para o 2º Ciclo, mas também para todos aqueles que vêm de outras áreas disciplinares e que procuram, aqui, uma capacitação de excelência em artes visuais, no design e nos Estudos do Património. Por outro lado, a nossa oferta responde, igualmente, a todos os que já estão inseridos no mercado de trabalho e que procuram atualizar-se e adquirir novas competências. 

PA: Uma das grandes apostas é a abertura de novas pós-graduações. O que faz com que haja tanta procura de pós-graduações nestas áreas? Quais são os novos cursos que vão passar a constituir a vossa oferta formativa? 

FP: As pós-graduações da Faculdade de Belas-Artes visam a formação continuada, o aprofundamento ou a aquisição de técnicas e de conhecimentos em áreas profissionalizantes muito exigentes em especialização. A Escola proporciona uma oferta de novos domínios científicos e na transmissão de competências práticas ou tecnológicas em áreas especializadas e necessitadas de capacitações técnicas bastante elevadas, designadamente: Art’Ásia: análises artísticas, sociais e científicas para trabalhar a Ásia no século XXI; Arte e Natureza; Artes Sonoras: práticas e tecnologias de criação; Azulejo e Cerâmica: Produção, História, Confluências, Colecções, Exposições e Conservação; Concepção e Implementação de Exposições Monográficas Individuais; Design Circular: Modos culturais, sistémicos e materiais; Design de Serviços para Negócios Sustentáveis; Digital Experience Design; Discursos da Fotografia Contemporânea; História Técnica da Arte; Ilustração e Narrativa Visual; Introdução à conservação e exibição de acervos fotográficos; Performance/Instalação; Práticas Artísticas: mediação e criação de comunidade; Práticas de Investigação Artística; Reintegração cromática de bens culturais; Wayfinding Design: Sistemas de informação, orientação e sinalização para o espaço público

PA: Entre as várias opções de licenciaturas, mestrados, doutoramentos e pós-graduações que já têm em vigor, quais são as que têm maior procura? 

FP: Duas áreas disputaram, nas duas últimas décadas, o maior interesse por parte dos candidatos ao Ensino Superior: Design de Comunicação e Arte Multimédia. Mais recentemente, Desenho passou a ser o curso com 100% de primeiras opções desses candidatos. Esses três cursos e, ainda, o de Pintura, têm médias de acesso superiores a 17. Contudo, na FBAUL a média de acesso é superior a 16 em qualquer uma das outras licenciaturas. Ao nível dos Mestrados, os cursos ministrados pelos Departamentos de Design de Comunicação, de Arte Multimédia, de Pintura, de Desenho, de Design de Equipamento, de Ciências da Arte e do Património e de Escultura preenchem sempre as suas vagas, na totalidade ou muito próximo disso, o mesmo acontecendo com os dois Doutoramentos sediados na FBA, Belas Artes e APIM. 

PA: Disse também em 2021 que o objetivo principal é obter os fundos necessários para financiar a recuperação integral dos novos espaços que lhe foram atribuídos com a extinção do Governo Civil (edifício virado para a Rua Capelo, vizinho do Museu do Chiado). Em que ponto de situação se encontra esta recuperação? 

FP: Neste momento, encontramo-nos a realizar os últimos trabalhos de estudo arqueológico e, logo após a sua conclusão, a breve prazo, será lançado pela Reitoria da Universidade de Lisboa o concurso para a realização dos trabalhos de recuperação desse edifício contíguo, uma vez que os projetos de execução estão concluídos e entregues e a maior parte das licenças necessárias já foram concedidas ou sê-lo-ão muito em breve. 

PA: Como vê o futuro da Faculdade de Belas-Artes no plano nacional e internacional de formação e investigação? 

FP: A longa tradição das Belas-Artes permite-nos traçar um futuro consolidado, de crescimento controlado, integrado e com aprofundamento das suas várias dimensões artísticas e científicas e da sua influência à escala nacional e internacional. 

Em termos nacionais, além de sermos a mais antiga, a maior e a melhor escola de arte de Portugal, somos a única Escola que integra todas as áreas científicas e disciplinares mencionadas, possibilitando inovadores cruzamentos e desenvolvimentos inter e transdisciplinares potenciadores da criatividade artística e da reflexão e aprofundamento científico sobre todos esses domínios. Em dois domínios artísticos, Pintura e Escultura, só a FBAUL, em todo o país, oferece Licenciatura, Mestrado e especialidade de Doutoramento. À escala internacional, muito poucas escolas têm o nosso número de alunos e disponibilizam a diversificada oferta formativa e científica que nos distingue. Por isso, já fomos convidados por Academias congéneres em Itália e na Noruega a ajudar essas antigas e prestigiosas escolas a lançarem os seus Programas Doutorais. 

Formámos, igualmente, muitos dos quadros docentes e de investigação de outras escolas de arte, no país e fora dele. É, sobretudo, através da inovação no âmbito da Arte, do Design, da Educação Artística e dos Estudos do Património (envolvendo as dimensões da Museologia, Curadoria e Conservação) que a FBAUL procura dar resposta às necessidades que vão emergindo na vida cultural e artística da sociedade portuguesa, estabelecendo parcerias e protocolos com escolas, fundações, empresas, autarquias e demais atores de todo o país. 

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