“Somos o parceiro ideal das instituições de saúde”

Ricardo Correia de Matos é o Presidente do Conselho Diretivo da Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros há 6 anos. Falou com a Perspetiva Atual sobre o papel da Ordem dos Enfermeiros, os atuais problemas do Sistema Nacional de Saúde e explicou como a implantação da metodologia Skill Mix pode revolucionar o setor e proporcionar uma maior evolução do SNS.

Formalmente criada em 1998, a Ordem dos Enfermeiros (OE) tem, desde a sua fundação, o objetivo de defender os interesses de quem procura os serviços de enfermagem no nosso país, “garantindo que encontram um contexto seguro e profissionais com qualidade de serviço, assegurados pela ordem”. Segundo Ricardo Correia de Matos, a criação das ordens profissionais obedece a um pensamento político. “A Assembleia da República delega nesta associação duas competências essenciais, a atribuição do título profissional e o poder disciplinar sobre os membros, na certeza de que garantirão a acessibilidade e os padrões de qualidade dos cuidados prestados ao cidadãos.

Para o Presidente do Conselho Diretivo, Ricardo Correia de Matos, a Ordem dos Enfermeiros é o “parceiro ideal das instituições de saúde”, uma vez que faz parte da sua missão a melhoria dos processos de prestação de cuidados e dos ambientes de prática clínica, de forma a garantir a qualidade e a segurança das pessoas que recorrem aos hospitais, centros de saúde ou qualquer outra instituição de saúde.

As políticas de saúde do governo de António Costa

Ricardo Correia de Matos deixa bem clara a sua opinião sobre o valor que o governo de António Costa atribui ao setor da saúde, em particular aos enfermeiros. “Infelizmente em Portugal a saúde ainda é usada como arma de arremesso político. O decisor ainda não atingiu a maturidade política de entender a saúde como um fator fundamental para o desenvolvimento socioeconómico. Por este motivo, as políticas de saúde não podem depender dos ciclos eleitorais e devem ser tratadas como assunto de Estado, assim como a segurança e a defesa nacional”, começa por afirmar. “Sabemos que as políticas públicas de saúde são de implementação lenta e quase sempre incrementais. No entanto, apenas em Portugal, quando comparamos com os restantes países da Europa, a sua definição é feita com base nas relações de poder e não nas necessidades da população. Estamos sempre a falar de políticas de saúde mal desenhadas, que visam apenas resolver o problema politicamente mais desfavorável. Quase sempre a resolução de um problema na saúde origina mais três ou quatro, simplesmente por não existir uma resposta integrada aos problemas estruturais.”

Quando questionado sobre o período em que Marta Temido ocupou o cargo de Ministra da Saúde, Ricardo Correia de Matos revela ter tido grandes expectativas quanto à Ministra após ler a sua tese de Doutoramento, no entanto, na prática foi bem diferente. “Penso que a Doutora Marta Temido não estava totalmente preparada para o cargo”, partilha o Presidente. “O exercício daquele cargo exige um pensamento integrado de todo o sistema de saúde, grande capacidade de negociação, mas acima de tudo, muita coragem e determinação. Este ministério não pode ser exercido por uma pessoa ideologicamente fechada.”

Ministro, garantindo à equipa do ministério, as condições necessárias para a resolução dos problemas identificados pelos stakeholders.

As políticas de saúde não podem depender dos ciclos eleitorais e devem ser tratadas como assunto de Estado, assim como a segurança e a defesa nacional.

O método usado nos países desenvolvidos que Portugal se recusa a instalar

Segundo Ricardo Correia de Matos, muitos dos problemas existentes na área da saúde seriam resolvidos caso o Sistema de Saúde Português tivesse como exemplo países mais desenvolvidos, como é o caso do Reino Unido, Holanda, Canadá, Espanha, França, Itália, entre muitos outros.

Nestes países está instalada uma estratégia de otimização de competências multiprofissionais, conhecida como Skill Mix. Um artigo científico recente pretende estudar “a associação entre o Skill Mix e a mortalidade de pacientes adultos médicos e cirúrgicos” e concluiu que uma equipa de saúde deve reunir um “número apropriado de profissionais com uma combinação adequada de formação, habilidades e experiência, para garantir que as necessidades do paciente sejam atendidas”. Esta combinação de habilidades, dentro de um contexto positivo de trabalho, pode resultar numa melhoria da qualidade dos cuidados prestados e até do funcionamento da própria instituição de saúde onde é aplicado.

De acordo com o Australian Institute of Health and Welfare, aproximadamente 62% dos custos diretos de funcionamento de um hospital estão relacionados com os custos dos profissionais. “Custos estes que também podem ser diminuídos com o Skill Mix, visto que o valor monetário que um médico custa ao estado e à própria sociedade é muito maior do que o valor monetário de um enfermeiro especializado, com a formação necessária para realizar os mesmos procedimentos”, declara Ricardo Correia de Matos.

O enfermeiro dá o exemplo da área de obstetrícia, onde Portugal tem revelado vários problemas. “Os sucessivos governos nunca quiseram integrar a diretiva comunitária que permite aos Enfermeiros Especialistas de Saúde Materna e Obstétrica exerceram as competências em toda a sua plenitude, nomeadamente fazer partos. Esta situação põe em risco, não só a qualidade dos cuidados prestados às grávidas, como também o acesso a cuidados de saúde especializados.”

“Só em Portugal é que os médicos são responsáveis exclusivamente por três processos: prescrição medicamentosa e de meios complementares de diagnóstico, ordem de internamento e de alta clínica e emissão dos certificados de incapacidade temporária para o trabalho”, continua. “Nos outros países da OCDE, não existe exclusividade nestes processos.”

Segundo o enfermeiro, para a implementação deste modelo ser possível, seria necessária muita coragem política para priorizar a satisfação das necessidades das pessoas, ao invés dos ciclos políticos eleitorais.

Fuga de responsabilidade ou pedido de ajuda?

No último relatório apresentado pela Ordem dos Enfermeiros, foi divulgado que, em apenas dois meses, a OE recebeu mais de mil pedidos de escusas de responsabilidade, contabilizando um total de 6500 pedidos. Para justificar este aumento exponencial, Ricardo Correia de Matos afirma que os enfermeiros têm agora uma maior consciencialização do dever jurídico para com as pessoas e para com a própria profissão.

“Sempre que um profissional de saúde não se escusa de responsabilidade por não conseguir garantir condições de segurança e de qualidade dos cuidados que presta à pessoa, família ou comunidade, está a ser conivente com o contexto”, esclarece o enfermeiro.

As equipas chegaram ao limite, estão cansadas e já não aguentam mais a inoperabilidade dos Conselhos de Administração.

Outro fator que, para Ricardo Correia de Matos, justifica este número está diretamente relacionado com o cansaço dos profissionais decorrente do exemplar desempenho durante a pandemia. “As equipas chegaram ao limite, estão cansadas e já não aguentam mais a inoperabilidade dos Conselhos de Administração. Estes pedidos de escusa de responsabilidade são também uma forma de passar uma mensagem e exigir condições de trabalho.” Este é o fator que mais explica o motivo pelo qual mais de metade dos pedidos provêm das equipas dos serviços de urgência dos hospitais de Leiria e de Caldas da Rainha. “O contexto de trabalho é realmente caótico”, admite o Presidente. “Os enfermeiros estão a trabalhar em contextos muito inseguros. Esta é a forma que têm de chamar a atenção para os problemas que estão a acontecer nestas unidades e obrigar os Conselhos de Administração a tomar medidas concretas.”

Quando questionado se estes pedidos de escusa de responsabilidade seriam motivo para os pacientes que procuram estes serviços terem menos confiança nos cuidados que lhes vão ser prestados, Ricardo Correia de Matos admite que sim. No entanto, quando um enfermeiro faz um pedido de escusa de responsabilidade e aponta o motivo, está também a informar a população do real estado dos serviços de saúde.

III Gala dos Enfermeiros

No passado sábado, dia 17 de setembro, a III Gala dos Enfermeiros teve lugar em Viseu, no Expocenter. Com o intuito de reconhecer o mérito dos seus profissionais, foram atribuídos quatro prémios aos enfermeiros e equipas que se destacaram pelo seu trabalho ao longo do último ano. Devido aos acontecimentos e à situação vivida por todos os profissionais de saúde desde o início da pandemia, o Prémio de Enfermeiro do Ano foi atribuído a todos os enfermeiros da região Centro. “Foram momentos muito difíceis para todos, era praticamente impossível destacar um enfermeiro”, explica Ricardo Correia de Matos.

Já o Prémio Carreira foi entregue ao Professor Henrique Pereira, Presidente da Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa e o prémio Investigação ao Professor Pedro Parreira, pelo seu trabalho de investigação na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.

O Prémio Equipa do Ano, considerado por Ricardo Correia de Matos o mais importante da noite, foi atribuído às equipas dos serviços de urgência de Leiria e Caldas da Rainha.

Último ano de mandato

Depois de seis anos com a pasta de Presidente do Conselho Diretivo da Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros, Ricardo Correia de Matos está prestes a entrar no último ano do seu mandato. No entanto, antes de passar o testemunho, são vários os projetos que quer ver consolidados.

“Quero consolidar o projeto da Farmacovigilância que temos em parceria com as duas entidades do Infarmed da região centro, a unidade da Cova da Beira e a unidade de Coimbra, sediada na AIBILI – Associação para Investigação Biomédica e Inovação em Luz e Imagem. Este projeto visa a formação de enfermeiros, que são delegados do Infarmed, para a notificação dos efeitos secundários medicamentosos”, informa.

Outro projeto importante para o atual Presidente é a estrutura de controlo da qualidade. “Nós profissionalizamos as visitas de acompanhamento do exercício profissional, sendo que quando existe uma exposição de um membro a identificar problemas, enviamos uma equipa especializada que vai avaliar a situação e promover soluções e propostas de melhoria.”

Está também em processo o desenvolvimento a App EuAlerto, com vários serviços disponíveis, de forma a facilitar o contacto e o trabalho dos enfermeiros com a OE.

Para 2023, último ano do enfermeiro enquanto Presidente, existem planos para um evento singular, cujo objetivo é criar um espírito de otimização e trabalho em parceria entre as várias Ordens da área da saúde da região centro. Este evento irá decorrer ao longo de uma semana, onde serão discutidos os vários desafios que Portugal enfrenta. “Penso que o legado fica criado. Serão oito anos de muita dedicação e acho que a Secção Regional do Centro já é uma referência nacional, mesmo para outras Ordens Profissionais”, conclui.

Parceria com a AGEAS
Conhecida pelas suas fortes parcerias com Ordens Profissionais e instituições financeiras de todo o mundo, a 
AGEAS Seguros é a seguradora parceira da OE há vários anos. “Para além de proporcionar seguros exclusivos a 
todos os membros da Ordem, como o seguro de responsabilidade civil e pacotes de seguros de vida a preços 
muito competitivos no mercado, é também a ‘parceira premium’ de vários eventos organizados pela OE,
nomeadamente a Gala dos Enfermeiros”, revela Ricardo Correia de Matos.

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