“Nenhuma descoberta é pequena”

Prevenir doenças não é tarefa fácil, no entanto, sempre será essencial para promover a saúde. Com base em três pilares fundamentais da investigação do medicamento, o iMED.ULisboa, sob direção de João Gonçalves, tem como missão estudar doenças e desenvolver medicamentos inovadores e eficazes que protejam os doentes.

Perspetiva Atual: O iMED.ULisboa é uma unidade de investigação interdisciplinar. Qual é a missão do Instituto e em que áreas estratégicas se concentra a sua atividade?

João Gonçalves, diretor do iMED.ULisboa

João Gonçalves: A visão do iMed é aperfeiçoar a integração entre a investigação dos mecanismos da doença, a tecnologia do medicamento, e a translação para o doente e para a sociedade das descobertas científicas de modo a promover a saúde e a prevenção da doença.

A nossa visão para desenvolver medicamentos inovadores e avançados resulta na união de três grandes áreas: uma investigação científica ambiciosa, uma inovação tecnológica em constante evolução e um esforço de translação constante de forma a levar os nossos avanços do laboratório para cada indivíduo ou doente. Acreditamos no iMed que nenhuma descoberta é pequena. Todas as descobertas científicas são importantes para promover a saúde e a prevenir a doença.

A nossa investigação flui entre 3 pilares: Científico, Tecnológico e Translacional.

  • No pilar Científico, visamos integrar as disciplinas biológicas, químicas e farmacêuticas para desenvolver ferramentas e técnicas de vanguarda para prevenir, detetar e tratar o cancro e as doenças neurodegenerativas, metabólicas e infeciosas.
  • No pilar Tecnológico, traduzimos o nosso conhecimento científico e tecnologias avançadas em soluções inovadoras que capacitam a sociedade a viver melhor e com mais saúde. Isto é possível graças à extensa rede de parcerias entre a nossa comunidade científica e diversas empresas farmacêuticas e de biotecnologia, que transformam as nossas pesquisas e tecnologias inovadoras em produtos úteis para a saúde humana.
  • No pilar Translacional, procuramos inovar e facilitar a investigação translacional disruptiva para benefício da saúde humana, e traduzindo as nossas descobertas científicas fundamentais em pesquisa aplicada no campo da utilização do medicamento, farmacovigilância e farmacoterapia. Trabalhamos conjuntamente com vários participantes do setor de saúde, incluindo grupos governamentais, médicos e profissionais de saúde, assim como doentes e suas organizações e associações representativas.

PA: Quais são as etapas de um processo de investigação?

JG: Na vertente de investigação mais básica, estudos inovadores envolvem uma estreita colaboração entre equipas de química, da biologia e das ciências farmacêuticas. As equipas multidisciplinares colaboram diariamente no desenvolvimento de ferramentas e técnicas pioneiras para prevenir, detetar e tratar o cancro, doenças neurodegenerativas, metabólicas e infeciosas.

Do ponto de vista tecnológico, estamos altamente empenhados em traduzir os nossos conhecimentos científicos avançados e tecnologias em soluções inovadoras de cuidados de saúde que capacitam as sociedades a viver melhor e de forma mais saudável. Isto é impulsionado pelos esforços conjuntos do nosso instituto com múltiplos intervenientes no sector da Saúde (incluindo decisores políticos e clínicos internacionais na área da saúde), bem como pelo diálogo permanente com associações de profissionais e de doentes.

PA: O iMED.ULisboa tem sede na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. De que forma os estudantes da FFUL são integrados nas atividades de investigação?

JG: A formação pós-graduada é parte integral do iMed.ULisboa. Os alunos são incorporados numa forte cultura institucional de apoio, onde não faltam eventos educativos e sociais inclusivos. A nossa filosofia permite que jovens investigadores em início de carreira se tornem independentes, e oferece múltiplas oportunidades para que cientistas em progressão de carreira se tornem líderes académicos. O iMed.ULisboa participa no Programa Doutoral em Farmácia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, que se centra na investigação translacional conducente à descoberta de alvos terapêuticos e ao design de fármacos, bem como ao desenvolvimento pré-clínico e avaliação da segurança de medicamentos. O iMed.ULisboa integra, ainda, redes doutorais Marie Skłodowska-Curie e Paul Ehrich, bem como programas pan-europeus de educação e formação IMI em ciências da segurança de medicamentos (SafeSciMet) e desenvolvimento de medicamentos (PharmaTrain). O iMed.ULisboa recebe ainda alunos de Mestrado, nacionais e internacionais, para desenvolver projetos de tese nos vários grupos de investigação.

PA: O iMed teve um importante envolvimento no combate à Covid-19, tanto a nível da investigação ligada à resposta imunitária às vacinas em diferentes condições, como na procura de alternativas mais eficazes de imunização contra o SARS-COV-2 e, também, nas campanhas de testagem. De que forma é que os investigadores encararam este desafio e como foi lidar com todas as questões que foram levantadas em relação à eficácia das vacinas?

JG: Foi muito inspirador durante a pandemia ver os investigadores do iMed a trabalhar no diagnóstico, no estudo do vírus, na resposta às vacinas e no desenvolvimento de formulações e desinfetantes. Desde os primeiros dias da pandemia, o iMed.ULisboa iniciou um programa intenso de monitorização da infeção e da resposta imunológica às vacinas da Covid19, permitindo fazer mais de 200 000 diagnósticos e para apoiar os esforços de controlo da infeção nos hospitais, lares e população em geral. Todo este esforço permitiu-nos desenvolver ferramentas e obter resultados que nos fizeram com que a opinião da ciência pudesse ser ouvida e compreendida pela sociedade e levou também a que a vacinação fosse compreendida por todos como essencial para o controlo da pandemia.

PA: Vários projetos de investigação são financiados por entidades nacionais e internacionais e/ou realizados em colaboração com outros centros de investigação. Quem são os parceiros do iMED e em que bases são construídas estas parcerias?

JG: Os investigadores do IMED colaboram com diversas equipas internacionais e nacionais, as quais pertencem a Universidades, Institutos de Investigação, Indústrias, start-ups, bem como instituições governamentais e não-governamentais, sem fins lucrativos, como Associações de Doentes. Para além dos projetos nacionais, os quais são muito importantes para garantir que as nossas estratégias sejam duradouras e desta forma possam transformar-se em soluções reais, contamos com projetos desenvolvidos a nível internacional, tais como os projetos apoiados pela Fundação Bill Gates, Fundação la Caixa, Horizon Europe. Nestes projetos recebemos alunos e investigadores juniores provenientes de vários países Europeus através de projetos ITN e Marie Curie. Além disso, as nossas equipas têm tido também a oportunidade de participar em grandes consórcios e redes europeias (EuroNanoMed, EU-Openscreen, etc), os quais certamente ajudarão a colocar Portugal no lugar que merece em termos de desenvolvimento tecnológico e científico.

PA: Quais os projetos publicados ao longo deste ano que tiveram mais impacto no desenvolvimento científico?

JG: Um dos exemplos das muitas investigações do iMed, tem a ver com a descoberta de uma pequena molécula que pode ser uma alternativa mais acessível e eficaz aos anticorpos usados no tratamento de vários tipos de cancro. Investigadores do iMed (grupos liderados pela Rita Guedes e Helena Florindo) na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, em colaboração com a Universidade de Tel Aviv. Esta equipa internacional utilizou recursos computacionais e bioinformáticos para encontrar pequenas moléculas com a mesma capacidade de inibir o PD-L1. Este estudo computacional levou a uma lista de candidatos promissores, os quais foram posteriormente avaliados em células tumorais de doentes com melanoma e cancro de mama, primários e metastáticos.

Outra área de investigação do iMed relaciona-se com o fígado gordo não alcoólico que afeta cerca de ¼ da população mundial. O fígado gordo não alcoólico acarreta sobretudo um risco aumentado de morte relacionado com a doença cardiovascular, por estar frequentemente associado a obesidade, diabetes e hipertensão. Estudos desenvolvidos no Instituto de Investigação do Medicamento (iMed.ULisboa – Cecília Rodrigues), mostraram que os níveis da proteína RIPK3 estão associados à severidade do fígado gordo não alcoólico, contribuindo para a inflamação, fibrose e desenvolvimento de cancro do fígado. Estes investigadores estão agora a procurar identificar e desenvolver novos inibidores da RIPK3 que possam eventualmente no futuro poder ser usados como terapia para a doença de fígado gordo não alcoólico.

PA: Quais os planos e objetivos da direção para o próximo ano?

JG: A investigação realizada no iMed continuará profundamente colaborativa, lançando projetos inovadores e de elevado impacto científico nas diferentes áreas de intervenção, desenvolvendo e implementando ferramentas tecnológicas e farmacêuticas, e desenvolvendo novas terapêuticas para implementação clínica. Pretendemos estimular a nossa criatividade na forma como abordamos os problemas e encontramos soluções na prevenção da doença e promoção da saúde. Os objetivos alargados do iMed.ULisboa para 2023 é garantir que os benefícios gerados sejam partilhados por todos.

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