Entre a Tradição e a Inovação no Ensino Jurídico

A Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC) mantém viva a tradição de excelência e rigor que a caracteriza há séculos, adaptando-se à volatilidade do mundo jurídico contemporâneo. De acordo com Jónatas Machado, a instituição forma estudantes bem preparados para os desafios atuais, oferecendo uma oferta formativa completa e diferenciada que abre portas para uma ampla gama de saídas profissionais.

Perspetiva Atual (PA): Indubitavelmente, a Faculdade de Direito é uma das instituições com mais tradição da Universidade de Coimbra, do país, e até mesmo da Europa. Assim, considerando a herança prestigiante da FDUC, como é que o passado influencia os princípios e metodologias educativas que a Faculdade transmite aos alunos no presente?

Jónatas Machado (JM): Queremos continuar a manter os critérios de rigor e excelência que sempre nos têm caraterizado. Honrar a memória dos nossos mestres, da nossa tradição, cultura e história significa hoje continuar a estar no pelotão da frente no ensino e na investigação do direito e da administração. Isto não é fácil, embora seja entusiasmante. Tendo em conta as mudanças que ocorrem aceleradamente, é necessário estar sempre a inovar e a adaptar. Mas sem perder o norte: servir a pessoa humana continua a ser a nossa bússola orientadora.

PA: De que forma os cursos estão adaptados às tendências e evoluções do campo jurídico, preparando os estudantes para os desafios contemporâneos da profissão?

JM: Como tem sido a sua marca de sempre, a FDUC continua de olhos bem abertos em relação aos problemas que a pessoa, a sociedade e o ambiente colocam ao Direito e à Administração pública e privada. Estamos perante um mundo em mutação histórica acelerada, que demanda respostas jurídicas novas e criativas, tanto na dimensão ética-jurídica como na dimensão técnico- jurídica. Queremos continuar a ser um polo autónomo de excelência na reflexão sobre os grandes temas jurídicos da atualidade, contribuindo para que o direito continue a servir a vida, a realização autêntica da pessoa humana. Este desiderato implica que a formação de juristas integrais continue a ser um dos objetivos cimeiros da FDUC, o que obriga a uma grande preocupação com o conteúdo e os métodos acolhidos no nosso ensino. De um modo participado e responsável, queremos preservar um espaço onde professores e alunos estudem livremente as questões jurídicas suscitadas na sociedade hodierna. Por isso, no século XXI, continuaremos, certamente, a formar alunos com conhecimentos aprofundados do direito, mas onde também estará incluída uma vertente do ensino orientada para que os nossos estudantes aprendam a pensar o direito, fornecendo-lhes os quadros jurídicos básicos para enfrentar as constantes mudanças dos regimes jurídicos.

PA: Muitas vezes, ao falar de Faculdades de Direito, as pessoas assumem que apenas formam advogados. Não é assim. Que outras saídas profissionais os vossos ciclos de estudos disponibilizam?

JM: Para além da tradicional licenciatura em Direito, temos outra licenciatura recente dedicada ao Direito Luso-Brasileiro e uma terceira no domínio da Administração Público-Privada. Além de gestores de empresas privadas e públicas e de quadros para a Administração pública e autárquica, formamos licenciados em direito que podem vir a ser advogados, mas também magistrados judiciais ou do ministério público, notários, conservadores dos registos civis e comerciais, jurisconsultos, embaixadores, funcionários de organizações internacionais, professores, etc. Somos a única instituição jurídica que licencia alunos simultaneamente em direito português e em direito brasileiro. É um domínio em que estamos a dar os primeiros passos e em que depositamos grandes esperanças.

PA: Tendo o próprio Instituto Jurídico, uma unidade de investigação e desenvolvimento acreditada e financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, a FDUC assume-se como um importante polo de investigação na área. Dos projetos atualmente em andamento, quais destacaria? Além disso, que parcerias possuem para promover a sinergia entre a academia e o setor jurídico?

JM: O Instituto Jurídico (IJ), na verdade, é um dos maiores centros de investigação Jurídica do país. É composto por de 142 investigadores. Acolhe anualmente muitos investigadores e professores estrangeiros. Promove uma formação avançada na área dos doutoramentos e pós-doutoramentos. Tem uma intensa atividade editorial própria. Os projetos em curso abrangem variadas áreas do direito e da sociedade, como, por exemplo, a da cidadania e democracia participativa europeia, a da ética, a da sustentabilidade ambiental, a dos incêndios e gestão do território, a dos direitos fundamentais, a da inteligência artificial, a da justiça, a da investigação e da inovação responsável, a da transição verde e digital, a da empresa, a das migrações, a da pobreza e exclusão, a da energia, a da paz. Entre projetos de tanta qualidade, atualidade e interesse, é difícil escolher. Todos devem ser destacados. O IJ publica uma revista científica chamada Undecidabilities and Law – The Coimbra Journal for Legal Studies (ULCJ), e organiza muitos eventos de caráter científico. Não estamos fechados na nossa investigação e ensino. Promovemos uma ligação com outras instituições ligadas ao mundo do direito e da Administração, em Portugal e no estrangeiro. Seria fastidioso enumerar aqui todas as parcerias em que estamos envolvidos e todas as manifestações de intercâmbio e cooperação com outras instituições jurídicas e administrativas. Basta referir que, entre outras, temos vindo a cooperar com tribunais portugueses, com magistrados do Ministério Público, com a Ordem dos Advogados portuguesa e brasileira. Já é pratica corrente realizar eventos conjuntos com as entidades referidas.

PA: Que parcerias possuem para incitar à mobilidade internacional do corpo estudantil e qual é a importância destas para a consolidação além-fronteiras da Faculdade?

JM: No que respeita ao “Erasmus+”, subscrevemos muitas parcerias com universidades situadas no espaço europeu, africano, asiático e latino-americano, principalmente no Brasil. É de grande importância que os nossos alunos conheçam outras instituições de ensino e outras culturas. É muito enriquecedor que alunos estrangeiros venham estudar na nossa Faculdade, trazendo experiências, conhecimentos e novas sensibilidades. Mas a nossa aposta na internacionalização não passa apenas pela promoção do programa Erasmus+; passa por atrair estudantes dos quatro cantos do mundo. Na última década, estudantes de 53 países frequentaram a nossa casa, vindos de países tão diferentes como o Brasil, Espanha, Angola, Alemanha, Timor-Leste, França, Venezuela, China, Polónia, Ucrânia, Moçambique. O desenvolvimento e intensificação da internacionalização do nosso corpo docente e não docente é também um dos nossos objetivos.

PA: Que iniciativas possuem para ajudar os recém-formados a integrarem o mercado de trabalho e estarem a um passo mais perto do sucesso?

JM: A trajetória profissional dos nossos recém-licenciados preocupa-nos bastante. Por isso, no ano passado, realizámos um questionário aos diplomados pela Faculdade nos últimos 4 anos, no âmbito da criação do novo Núcleo de Empregabilidade da FDUC, justamente para ter informação sobre o percurso de inserção profissional e o impacto da formação académica lecionada ao nível da empregabilidade dos seus diplomados. Este inquérito, assim como outros promovidos pela Universidade de Coimbra e outras autoridades oficiais, de uma forma geral, atestam a adequação do nosso programa de ensino, que se tem vindo a ajustar, com as necessidades do mercado de trabalho. Complementado o programa dos nossos ciclos de estudos, junto da FDUC existem Institutos e centros de investigação que promovem cursos focados em certas áreas específicas do Direito e da Administração, justamente para facilitar aos recém-formados a inserção no mercado de trabalho.

PA: Reconhecendo de antemão a enorme influência socioeconómica da instituição na região, de que maneira a FDUC contribui para este legado e se envolve com a comunidade?

JM: Num mundo em que as regiões enveredam por uma desenfreada competição entre si, e num país onde predominam as regiões de Lisboa e do Porto, a região centro, abafada entre dois poderosos polos, só pode afirmar-se pela qualidade a vários níveis, desde logo, ao nível do ensino e da educação. E isto apenas é possível se as instituições do Ensino Superior, pelo seu rigor, inovação, competência, abertura e abnegação, projetarem a região do centro para a esfera da sociedade em geral, mais especificamente para a do ambiente, da cultura, da justiça, da empresa, da administração, da saúde, da transição digital. No seu âmbito próprio, o do Direito e da Administração, devido à excelência do seu ensino e investigação, à preservação da sua tradição e cultura, ao seu universalismo, a Faculdade de Direito tem projetado Coimbra, a região centro e o país. O seu prestígio é reconhecido nacional e internacionalmente. Sentimos o envolvimento com a comunidade como um dever. Promovendo cursos para empresas, autarquias locais, administração e tribunais; facilitando a disponibilização de docentes para ocuparem cargos em várias instituições locais, regionais, nacionais e internacionais; dispensando docentes para colaborar com outras instituições de ensino superior; associando-nos a eventos culturais, e comemorando eventos de significado nacional, como aconteceu este ano, com a celebração dos 50 anos do 25 de Abril.

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