O valor da matemática na economia, na engenharia e na vida quotidiana
O Centro de Investigação em Matemática e Aplicações (CIMA), liderado atualmente pelo Professor Feliz Minhós, tem manifestado a sua evolução tanto em termos quantitativos, quanto qualitativos. Segundo o Diretor, a investigação em Matemática, para além de “fornecer métodos e competências específicas para a formação de quadros em áreas tão vastas, como as engenharias, economia (…), entre outras”, pode, também, atuar ao nível do cidadão comum.
Perspetiva Atual: O CIMA é uma unidade de investigação e desenvolvimento, formado por três polos sediados em diferentes instituições de ensino: Universidade de Évora, Universidade da Madeira e Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. Como surgiu este encontro entre as três escolas e que vantagens são retiradas desta divisão pelo território nacional?
Professor Feliz Minhós: O aparecimento do CIMA deveu-se, inicialmente, à necessidade de estruturar a investigação matemática realizada na Universidade de Évora, coordenar os investigadores das várias áreas científicas dentro da Matemática e dar-lhes dimensão e massa crítica que permitisse o acesso a financiamentos globais e a projetos que requeressem interdisciplinaridade.
O sucesso desta iniciativa e a dispersão pelo país, quer dos quadros iniciais, quer dos investigadores entretanto doutorados, exigiu um outro patamar: a afirmação e a divulgação nacional e internacional da investigação realizada pelo CIMA. Isto que parece ser algo elementar, não é fácil de executar, pois durante muito tempo a Ciência em Portugal pareceu desenvolver-se a duas velocidades, entre o litoral e o interior.
Professor Feliz Minhós: O aparecimento do CIMA deveu-se, inicialmente, à necessidade de estruturar a investigação matemática realizada na Universidade de Évora, coordenar os investigadores das várias áreas científicas dentro da Matemática e dar-lhes dimensão e massa crítica que permitisse o acesso a financiamentos globais e a projetos que requeressem interdisciplinaridade.
O sucesso desta iniciativa e a dispersão pelo país, quer dos quadros iniciais, quer dos investigadores entretanto doutorados, exigiu um outro patamar: a afirmação e a divulgação nacional e internacional da investigação realizada pelo CIMA. Isto que parece ser algo elementar, não é fácil de executar, pois durante muito tempo a Ciência em Portugal pareceu desenvolver-se a duas velocidades, entre o litoral e o interior.
Atualmente, à exceção de Lisboa, o CIMA é o único centro de investigação em Matemática no país abaixo do Tejo, incluindo as Regiões Autónomas. Realço, contudo, que temos investigadores de norte a sul do país, bem como membros espalhados internacionalmente pelos vários continentes.
Esta dispersão confere ao CIMA a possibilidade de integrar e analisar várias realidades, de modo a atuar e intervir em projetos ao nível regional, nacional e internacional.
PA: Podemos afirmar que o CIMA é ainda um Centro jovem, tendo sido fundado apenas em 1994. Com que missão foi fundada esta instituição e como funciona na atualidade?
FM: A rapidez com que a Ciência, em geral, e a Matemática, em particular, evoluem, com milhares de novos resultados publicados todos os meses, evidencia a senioridade de um centro de investigação em Matemática com cerca de 30 anos, como o CIMA.
Significa que, durante três décadas, o CIMA, não só tem acompanhado a evolução vertiginosa da Matemática e da Ciência, como tem contribuído para o seu desenvolvimento, em termos do estudo e solução de problemas concretos, da obtenção de novos resultados, e da criação de novos paradigmas. Toda a estrutura e ação do CIMA podem ser consultadas em https://www.cima.uevora.pt/
Em resumo, o CIMA, atualmente, tem 67 investigadores, incluindo estudantes de doutoramento, em atividade por quatro Grupos de Investigação (que cobrem todas as áreas da Matemática) e duas linhas de investigação interdisciplinares, vocacionadas para problemas concretos e aplicados: uma relacionada com as Ciências da Vida e outra vocacionada para a Tecnologia e Indústria.
Independentemente dos contatos estabelecidos ao nível do Seminário semanal e das colaborações individuais, o CIMA realiza um encontro Anual onde os investigadores dos três polos podem apresentar os seus resultados mais recentes e discutir possibilidades de colaborações. O próximo encontro de 2023 irá decorrer no ISEL, Lisboa, em Julho.
PA: Em que aspetos é mais notória a evolução do CIMA desde a sua criação?
FM: A evolução tem-se manifestado em termos quantitativos e qualitativos. Por um lado, o CIMA tem aumentado o número de investigadores e colaboradores, com base numa admissão criteriosa e seletiva. Neste momento, temos membros de todas as regiões do país, da Europa, América e Ásia.
Por outro lado, a investigação realizada tem vindo a ser reconhecida internacionalmente pelo prestígio dos seus investigadores, da acutilância dos resultados apresentados, do número e da qualidade dos projetos em que os investigadores do CIMA participam.
Estes factos são comprovados quer por vários indicadores bibliométricos, e não só, quer pela melhoria nos rankings de qualidade.
PA: De que forma é que os estudantes das instituições de ensino onde está inserido têm um papel ativo na investigação realizada no CIMA?
FM: Os estudantes do Programa de Doutoramento em Matemática da Universidade de Évora têm o CIMA como centro de acolhimento, o que lhes garante à partida as condições para a realização da sua dissertação, quer em termos de orientação científica, logística ou acesso a bases de dados.
Mas o CIMA procura também interessar, não só os alunos de todos os ciclos do ensino superior, mas também do Ensino Básico e Secundário.
A título de exemplo, no ano de 2023 vamos financiar um leque de apoios que cobre todo o espectro do Ensino Superior: Bolsas de Iniciação à Investigação Científica, destinados a alunos do 1º Ciclo, que serão colocados, eventualmente pela primeira vez, em contacto com a investigação matemática de topo.
No ensino Básico e Secundário, em conjunto com o Departamento de Matemática, os membros do CIMA realizam palestras de divulgação científica em várias escolas que manifestem disponibilidade e interesse na sua realização. Existe mesmo um pacote de temas à disposição das escolas, para que estas mais facilmente possam decidir o tema e o assunto que lhes são mais adequados.
PA: Como avalia o interesse das gerações mais jovens pelas Ciências Matemáticas?
FM: Desde tenra idade, e refiro-me desde o ambiente familiar aos vários ciclos do Ensino Básico, o interesse pela Matemática é indissociável da curiosidade, do gosto pela novidade e pela aprendizagem/informação, pelos jogos, pelas relações lógicas, pelo “porquê?”. Em suma, por uma atitude racional face ao quotidiano. São os pais os primeiros a terem interferência no processo. Depois entram os professores em ação.
No nosso atual sistema de formação de professores, alguém que tenha um percurso escolar a fugir da Matemática, pode vir a lecioná-la no 1º ou 2º ciclo do Ensino Básico. Não é possível proporcionar nas crianças empatia com uma ciência, quando o próprio professor não a tem, não percebe a sua beleza, nem tem por ela entusiasmo. Este é, na minha opinião, um dos fatores daquilo que alguns designam como o “insucesso da Matemática”.
É fácil de verificar, em qualquer nível de ensino ou de atividade, que quando se percebe o mecanismo, a sua lógica e funcionamento, retira-se mais proveito, satisfação e felicidade nas atividades e tarefas realizadas.
PA: De que forma o progresso e a promoção de um maior conhecimento na área da matemática contribuem para o desenvolvimento social e económico do nosso país?
FM: Na sociedade atual, somos assoberbado com informação através dos meios de comunicação, redes sociais, telemóveis, etc., e, com frequência, trata-se de publicidade escondida numa capa de informação. É fundamental, direi mesmo imprescindível, dotar os cidadãos de literacia e capacidade crítica para escaparem de burlas e terem capacidade e conhecimento para descodificarem as falsas mensagens ou as que são distorcidas.
Neste sentido, a Matemática além de fornecer métodos e competências específicas para a formação de quadros em áreas tão vastas, como as engenharias, economia, epidemiologia, entre outras, pode atuar ao nível do cidadão comum, dando-lhe conhecimento para decifrar corretamente a informação que lhe é fornecida, e ter uma atitude crítica perante as mensagens recebidas. Por exemplo, é muito vulgar vermos informação gráfica formatada, para dar visualmente uma ideia distorcida da realidade, ou dados percentuais muito convenientes para determinados objetivos, mas que não mostram o modo como foram obtidos, de modo a podermos avaliar da sua veracidade.
Ter uma população com literacia Matemática é sinónimo de termos cidadãos atentos e com capacidade para tomarem as suas próprias decisões quotidianas, financeiras, sociais, comerciais, ou outras, de uma forma objetiva e consciente.
PA: Quando comparado com outros países, com o mesmo nível de desenvolvimento de Portugal, qual é a avaliação que dá ao nosso país relativamente à Investigação que realiza dentro das Ciências Matemáticas?
FM: A investigação em Matemática realizada nos centros de investigação ou nas instituições de Ensino Superior em Portugal está ao nível de qualquer outro país do mundo. São disso prova a qualidade dos encontros na área de Matemática que se realizam em Portugal, e a sua atratividade junto da comunidade matemática internacional; a participação de muitos matemáticos portugueses em congressos internacionais e na publicação dos seus resultados em revistas internacionais conceituadas; a presença de matemáticos portugueses em atividades editoriais nas principais revistas da especialidade e/ou nas principais sociedades matemáticas europeias e mundiais.
Nos últimos tempos, a investigação em Matemática em Portugal, tanto na sua componente teórica como aplicada, tem mostrado uma evolução muito significativa, para a qual a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) muito tem contribuído.
PA: Convidamo-lo agora a fazer uma retrospetiva deste ano que terminou. Que projetos deixaram a comunidade do CIMA mais orgulhosa?
FM: O CIMA como Unidade de Investigação incorpora-se nos projetos UIDB/04674/2020 e UIDP/04674/2020, que servem de base às atividades dos Grupos e das Linhas de Investigação, em áreas que vão da Matemática Pura à Matemática Aplicada.
Além disso, os investigadores dos vários polos do CIMA, participam também, em nome individual, noutros projetos que pretendam estudar ou dar resposta a questões concretas, que se coloquem à sociedade, ou que sejam sugeridas por instituições de índole variada.
A título de exemplo, refiro apenas alguns projetos liderados por membros do CIMA ou com a sua participação, em áreas mais aplicadas, que podem ser mais significativas para a opinião pública:
- GoBov+, Productivity improvement in the system of bovine raising for meat: tendo como objetivo otimizar a produção pecuária de bovinos;
- FAPESP “Estudo misto dos determinantes da tuberculose multidroga-resistente no estado de São Paulo: Da abordagem bayesiana à percepção dos profissionais de saúde e pacientes”;
- MOPREVIS – “Modelação e predição de acidentes de viação no distrito de Setúbal”, em conjunto com a Guarda Nacional Republicana (Comando Territorial de Setúbal);
- MODFIRE – “A multiple criteria approach to integrate wildfire behavior in forest management planning”, para ajuda na decisão da estratégia ao combate de incêncios florestais.
Houve também alguns eventos marcantes neste ano que foram liderados por membros do CIMA e que se realizaram na Universidade de Évora:
- Portugal-Italy Conference on Nonlinear Differential Equations and Applications (PICNDEA22), para fomenter a colaboração entre matemáticos italianos, e não só, com congéneres portugueses;
- IO2022 – XXII Congresso da Associação Portuguesa de Investigação Operacional, em conjunto com investigadores de outras áreas cintíficas como a Economia, Gestão,…;
- CIMA Annual Meeting 2022, para facilitar a comunicação entre os investigadores do CIMA dos vários polos.
PA: Com foco neste novo ano que está a dar os primeiros passos, quais são as resoluções da atual direção do CIMA?
FM: O CIMA definiu, além dos objetivos standard para um centro de investigação, dois vetores principais de desenvolvimento para o corrente ano: Atração de investigadores jovens para o CIMA e a Internacionalização.
No primeiro caso, irá apoiar um pacote de apoio à investigação incluindo Bolsas de Iniciação à Investigação (destinadas a alunos do 1º ciclo), Bolsas para estudantes de Mestrado e Doutoramento na área da Matemática e Bolsas internacionais para Pós-Doutorados. Este investimento irá traduzir-se, certamente, a curto e médio prazo, num incrementa da atividade do CIMA.
Para fomentar a mobilidade entre investigadores e estudantes o CIMA irá realizar vários protocolos com centros congéneres e universidades da Europa, da América e Ásia, facilitando assim a troca de experiências e o estabelecimento de novas colaborações e projetos matemáticos.
MOPREVIS
O projeto Modelação Estatística dos Acidentes de Viação no Distrito de Setúbal (MOPREVIS) resulta de uma parceria entre a Universidade de Évora e o Comando Territorial da Guarda Nacional Republicana de Setúbal, tendo como objetivo principal a redução da sinistralidade rodoviária grave nesse mesmo distrito.
Foi utilizada uma abordagem mista entre técnicas estatísticas, inteligência artificial e sistemas de informação geográfica, que permitiu obter um conjunto de resultados que podem permitir dar uma importante contribuição para poderem ser implementadas medidas adequadas que possibilitem a redução da sinistralidade rodoviária grave no país e, em particular, no distrito de Setúbal.
Por um lado, foram obtidos determinantes para a gravidade e natureza dos acidentes, traçou-se o perfil dos intervenientes, realizou-se uma análise espacial para a deteção de locais com a ocorrência de muitos acidentes e concebeu-se num novo indicador de gravidade. Por outro, obtiveram-se modelos preditivos para ‘hotspots’ e para a ocorrência de acidentes por troço de estrada em quatro vias de elevada sinistralidade. Finalmente, foi concebida uma aplicação digital de apoio à tomada de decisão que permite a visualização do Passado, Presente e Futuro.
Este Projeto assume-se como um instrumento escalável para o todo o território nacional e também a outros espaços internacionais.
GO BovMais
No Grupo Operacional GO BovMais – Melhoria da produtividade da fileira dos bovinos de carne, coordenado pelo INIAV e financiado pelo FEADER, participam várias entidades, entre as quais vários centros de investigação da Universidade de Évora. Coube a uma equipa de investigadores do CIMA (Gonçalo Jacinto, coordenador, Patrícia Filipe e Carlos Braumann) desenvolver a investigação prevista na Ação E – Modelos de Crescimento.
Nela são utilizados modelos de equações diferenciais estocásticas para descrever de uma forma muito fiel a evolução do peso de bovinos das raças Mertolenga e Alentejana, com a capacidade de incorporar a influência das variações aleatórias das condições ambientais internas e externas e as características genéticas de cada animal.
Com base nas previsões de crescimento dessas equações e dos custos de produção e preços de mercado são obtidos as idades e pesos ótimos de venda, maximizando o lucro dos produtores. Os resultados desta investigação permitiram ainda, com o apoio da equipa do CIMA, o desenvolvimento pela Ruralbit de uma ferramenta informática, flexível e amiga do utilizador, que tira partido das informações sobre um animal constantes da base de dados das associações de criadores (ACBM e ACBRA) de forma a informar o seu produtor sobre a evolução futura do peso e do lucro esperado em função da idade de venda do animal, bem como os valores ótimos previstos.”