Dispositivos biossensores como soluções inovadoras e sustentáveis nas áreas de saúde, ambiente e alimentação

Devido aos constantes avanços tecnológicos, o grupo BioMark, do Porto, tem dedicado as últimas décadas ao desenvolvimento de materiais biomiméticos e metodologias disruptivas, que se revelam importantes dispositivos no combate a muitos problemas da sociedade.  

Perspetiva Atual: Comecemos por conhecer melhor o BioMark e o seu contributo para os avanços nas áreas da saúde, ambiente e alimentação. Que contributo é esse e quais os objetivos com que se apresentam à comunidade? 

Biomark: O BioMark é um grupo de investigação sediado no Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), que se dedica à investigação e desenvolvimento de soluções inovadoras e sustentáveis, na área dos dispositivos biossensores, com aplicações no contexto da saúde, ambiental e alimentar. 

O foco central das atividades do BioMark-ISEP consiste no desenvolvimento de novos materiais biomiméticos e metodologias disruptivas de valor acrescentado, no sentido de criar biossensores com elevado potencial de utilização e características competitivas que permitam a sua inserção no mercado.  

PA: Aproveitando a oportunidade, que fatores contribuíram para chegar até aqui e que desafios é que os próximos dez anos poderão trazer ao BioMark e aos seus investigadores? 

BM: Sem dúvida que o BioMark-ISEP chegou até hoje, motivado por dar resposta aos vários problemas da sociedade. Atualmente existe cada vez mais a necessidade de diagnosticar precocemente diversas doenças, tais como o Alzheimer, doenças cardiovasculares, cancro. Em termos ambientais é importante detetar e identificar poluentes no meio ambiente, assim como preocupações ao nível do desperdício alimentar, que são cruciais combater.  

Nos próximos 10 anos queremos manter o nosso foco em servir a sociedade, tendo em conta as necessidades atuais e a qualidade de vida das pessoas. Paralelamente a esta missão, alia-se a vontade de continuar a acolher e orientar jovens estudantes e investigadores em contexto de formação, assim como divulgar o papel da ciência na sociedade. Desta forma, é fundamental reforçar e estabelecer colaborações, promovendo a interdisciplinaridade e inovação. Colaborações com indústrias de dispositivos médicos, farmacêuticas e alimentares é também um objetivo de modo a reduzir o fosso atual entre a investigação e a indústria, assim como adequar o desenvolvimento científico às necessidades da vida real. Gostaríamos por isso, de ver reduzido o desafio da transferência de tecnologia para o mercado.  

PA: Quão importante é para vós desenvolver sinergias com a indústria? Tem sido possível responder às necessidades identificadas no terreno? 

BM: As parcerias com a indústria são fundamentais e benéficas às duas partes. Como unidade de Investigação, o BioMark-ISEP ao colaborar com indústrias tem acesso a uma perspetiva diferente das problemáticas a resolver, assim como as limitações inerentes ao processo de industrialização dos sensores desenvolvidos. Em simultâneo, a indústria também beneficiaria do acesso direto a conhecimento especializado e a ideais/ferramentas inovadoras. Esta sinergia tem acontecido gradualmente, no entanto ainda continuamos a trabalhar em soluções para num futuro próximo chegar aos utilizadores finais. 

PA: Fale-nos um pouco da vossa organização e de alguns dos principais projetos em curso. 

BM: O BioMark-ISEP é um grupo de investigação do ISEP, sendo atualmente coordenado pela Doutora Felismina Moreira, investigadora do ISEP. Conta com uma equipa de 5 investigadores doutorados, 8 alunos de doutoramento, 3 bolseiros e 6 alunos de mestrado. Tem também alguns estagiários vindos de outras instituições, nacionais e estrangeiras. Estes estudantes têm acesso a todas as infraestruturas para desenvolver os seus trabalhos de licenciatura, mestrado e doutoramento. 

No âmbito do projeto 2IQBioNeuro, temos vindo a desenvolver biossensores descartáveis para o diagnóstico da doença de Alzheimer. O objetivo final é estabelecer um sistema multiplex que permita a deteção de um ou vários biomarcadores associados a esta doença. O dispositivo de baixo custo e descartável deverá permitir o diagnóstico com apenas uma gota de sangue. A mais-valia desta tecnologia é permitir ao clínico diagnosticar precocemente, de preferência na fase inicial, de modo a melhorar a qualidade de vida do doente através de terapias que podem retardar os sintomas. 

O projeto SmartBioPatch pretende a integração de um dispositivo biossensor para monitorização de biomarcadores associados à inflamação acoplados a uma membrana natural biocompatível, de forma a promover a cicatrização de feridas. Este projeto é de grande relevância, uma vez que as lesões cutâneas, em particular as feridas crónicas, têm uma alta prevalência na população mundial, manifestando um forte impacto na saúde e qualidade de vida dos pacientes. Neste contexto, plataformas de monitorização em tempo real com a capacidade de detetar localmente (na ferida) a existência de infeção e/ou inflamação, podem permitir uma boa gestão da ferida e, consequentemente, uma intervenção terapêutica apropriada.  

Na área alimentar, temos a decorrer o projeto ThermalTrace que propõe, uma embalagem inteligente e 100% reciclável, numa aplicação não convencional. Pretende-se decorar embalagens de alumínio com materiais termocrómicos, tendo em vista rastrear a temperatura do produto embalado, de forma a garantir a integridade e a conservação de todas as embalagens, tanto no transporte como na armazenagem e na exposição nos pontos de venda. 

Na área do ambiente, temos especial foco na resistência antimicrobiana ambiental. Apesar da resistência antimicrobiana ser uma preocupação associada à clínica, a componente ambiental tem sido reconhecida recentemente como uma extensão do problema, devido ao uso indevido de antimicrobianos. Uma vez no meio ambiente, estes antimicrobianos podem exercer pressão favorável às bactérias resistentes existentes ou induzir a propagação de resistência a populações microbianas nativas. No BioMark-ISEP estamos a desenvolver ferramentas para monitorizar e estudar a resistência antimicrobiana no meio ambiente, de modo a mitigar este problema. 

PA: Falemos agora dos projetos em desenvolvimento com o Centro de Investigação da Academia Militar (CINAMIL). Em concreto, que projetos são esses e quem são os investigadores/entidades envolvidos? 

BM: Os projetos de investigação no Centro de Investigação da Academia Militar (CINAMIL) têm como objetivos a inovação e reforço das capacidades do Exército Português. 

A Segurança e Defesa alimentar é um fator crítico para o bem-estar e para a operacionalidade das tropas em operações militares, pelo que o Departamento de Segurança Alimentar e Vigilância Epidemiológica (DSAVE) da Unidade Militar de Medicina Veterinária (UMMV), se propõe todos os anos a inovar, concorrendo com projetos de Investigação e Desenvolvimento no CINAMIL com diversos parceiros. O ISEP em particular, através do Biomark, tem sido um aliado na inovação e evolução do conhecimento em biossensores e na química de materiais, bem como, o apoio incondicional do Professor Doutor Eduardo V. Soares (CEB-LABBELS, CIETI) e Professora Doutora Manuela D. Machado (CEB-LABBELS), na área da biossegurança na construção de biossensores. 

À data, o Biomark-ISEP colabora em dois projetos financiados pelo CINAMIL, o SIPA (Sistema Integrado de Proteção Alimentar) e o Food Taste & Sense (Food Threats Analysis using Spectroscopy and Sensory Evaluation), dirigidos cientificamente pelo Major Médico Veterinário, Doutor Samuel Migueis da UMMV. 

O SIPA visa desenvolver um projeto piloto de monitorização e avaliação de risco, em tempo real, do processo produtivo de refeições, em cozinhas de campanha, através do recurso a uma plataforma de Hardware desenvolvida pela IZUM Food Industries. Para além do BioMark-ISEP e da IZUM Industries, este projeto conta também com a UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) e a Escola dos Serviços (Exército Português) sediada na Póvoa de Varzim, onde tem sido testado em ambiente real todo o hardware e software desenvolvido (Imagem 1). 

Nesta monitorização, além da mensuração térmica das refeições com sondas inteligentes (IMAGEM 2) como parte do plano de segurança alimentar (Sistema HACCP), a avaliação da qualidade da água é essencial para o bom desenrolar do processo produtivo, tendo esta de ser escrutinada e avaliada regularmente. Com este propósito, este projeto propôs-se a desenvolver um biossensor em parceria com o BioMark-ISEP, para monitorizar a qualidade da água, de uma forma rápida, expedita, portátil e de baixo custo. Este, denominado “ColiEnteroc”, visará identificar dois indicadores de contaminação biológica, nomeadamente a Escherichia coli e o Enterococcus spp. 

Em conjunto com outros diversos sensores, como a sonda móvel inteligente de medição de temperatura dos alimentos da IZUM Food Industries (Imagem 2), será possível calcular o grau de risco na produção dos alimentos das refeições dos militares em tempo real, minimizando o risco de doenças de origem alimentar, em condições de produção de alimentos não ideais. Esta tecnologia, também poderá ser uma mais-valia em situações de catástrofe ou emergência, onde a monitorização da qualidade da água com um biossensor poderá garantir uma segurança acrescida na potabilidade da água, na cadeia de abastecimento às populações afetadas. 

O projeto Food Taste & Sense assenta na criação de uma base de dados de espectros, para serem usados em dispositivos portáteis, para identificação em tempo real de adulteração ou fraude alimentar, em géneros alimentícios fornecidos ao Exército Português, especialmente em Forças Nacionais Destacadas. Esta tecnologia vai permitir detetar contaminantes nos alimentos, através da espetroscopia Raman™, e garantir a autenticidade e segurança dos produtos adquiridos nos mercados locais. Este projeto em concreto irá dedicar-se à área do pescado, nomeadamente à identificação das espécies em pescado branco, como a pescada, visto ser um ponto de partida ideal para o propósito do projeto. Com o conhecimento dos diferentes espectros dos contaminantes e das espécies a identificar, com recurso a um equipamento RAMAN ™ portátil (já existentes no mercado), lendo uma amostra do alimento no terreno, prevê-se que, sem a necessidade de a enviar para o laboratório, seja possível inferir sobre a qualidade, segurança e autenticidade das amostras analisadas. 

Os dois projetos têm como principais objetivos a Qualidade, Segurança e Defesa Alimentares com especial atenção na melhoria e implementação das técnicas em ambientes hostis, onde o Exército Português possa operar. A investigação do projeto SIPA arrancou em 2018 e engloba 5 parceiros. 

O projeto Food Taste & Sense arrancou no presente ano (2021) e conta com 6 parceiros. 

Os projetos de investigação no Centro de Investigação da Academia Militar (CINAMIL) têm como objetivos a inovação e reforço das capacidades do Exército Português. 

PA: Quais os resultados que, em termos práticos, pretendem alcançar e a quem se destinam? 

BM: Nos dois projetos em curso, SIPA e Food Taste & Sense, além do crescimento no conhecimento científico dos investigadores envolvidos, pretende-se, no primeiro projeto SIPA, desenvolver um biossensor com a capacidade de detetar bactérias indicadoras da qualidade da água em 30 minutos, nomeadamente a Escherichia coli e Enterobacteriaceae spp. A cumprir este desiderato pretende-se, até ao final de 2022, conseguir operacionalizar em laboratório o biossensor, pelo que se prevê que a possível utilização em ambiente de campanha ou catástrofes seja possível já em 2023. 

O projeto Food Taste & Sense ainda se encontra na fase de implementação dos protocolos e técnicas no BioMark-ISEP, mas espera-se identificar o espectro diferenciador das diferentes espécies de pescado em estudo. O domínio desta técnica permitirá evoluir para outro tipo de géneros alimentícios e possíveis contaminantes presentes.  

A portabilidade desta técnica no momento do projeto não vai ser testada, mas prevê-se que com a identificação dos espectros adequados correspondentes às espécies de pescado a testar, seja possível, usando equipamentos Raman portáteis, em poucos segundos validar espécies de pescado rececionado em teatro de operações, bem como, inferir sobre o nível de possíveis contaminantes presentes. 

Em suma, os dois projetos visam incrementar a tecnologia de identificação de perigos nos alimentos, incluindo-se aqui a água, para aumentar a segurança alimentar dos militares ou população apoiada em ambientes hostis ou disruptivos. 

PA: Em que fase se encontram estes projetos? 

BM: O projeto SIPA já se encontra na reta final, contando já com a prova de conceito de hardware e software validado em ambiente real no final de 2021 (ver vídeo em https://fb.watch/cjWz6dzn5W/) comprovando a premissa inicial que visava inferir sobre a possibilidade de monitorizar o risco em tempo real de um processo produtivo de alimentos, à distância, com recurso a sensores.  

Há, no entanto, que finalizar e operacionalizar o biossensor ColiEnteroc, no que concerne ao projeto Food Taste & Sense já iniciou os trabalhos de treino do painel de provadores no Laboratório de Controlo de Qualidade Alimentar da Unidade Militar de Medicina Veterinária, tendo já realizados alguns ensaios de provas sensoriais para inferir se é possível um consumidor treinado reconhecer diferentes espécies de pescado. Para comparar os resultados dos painéis sensoriais terão de ser feitos ensaios de identificação do espectro por espécie no BioMark-ISEP, tarefa que se encontra em preparação e se espera concluída durante o ano de 2022. 

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